Acórdão nº 063/20.2BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução21 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 408/2019-T Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) Recorrida: “A…………., S.A.” 1. RELATÓRIO 1.1 A AT veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, para uniformização de jurisprudência, da decisão arbitral proferida em 23 de Março de 2020 pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) no processo n.º 408/2019-T (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&id=4712.

), por oposição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 15 de Novembro de 2017 no processo com o n.º 485/17 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/306d68b8ec0b1c8b802581df004ee563.

). Alegou o recurso, com conclusões do seguinte teor: «A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

  1. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

  2. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.

  3. Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

  4. Aqui chegados, e considerando a factualidade supra aludida, fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

  5. Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

  6. O acórdão fundamento entendeu que, de acordo com o decidido pelo TJUE, C-183/12, o artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA constitui a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, desembocando na conclusão, de que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

  7. Mas, enquanto no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, os Estados-Membros «podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos», I. Concluindo que “não ocorre, pois, violação do disposto neste apontado art. 23.º do CIVA, nem dos invocados arts. 74.º a 76.º da LGT, nem ilegalidade decorrente de violação dos invocados princípios (neutralidade fiscal do IVA, igualdade de tratamento entre sujeitos passivos, segurança jurídica, protecção da confiança legítima dos sujeitos passivos), nem se vislumbrando inconstitucionalidade por violação do princípio da separação de poderes (arts. 2.º e 111.º), do princípio da legalidade (art. 112.º, n.º 5), do princípio de reserva de lei [arts. 103.º e 165.º, n.º 1, al. i)] e do princípio do acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva (arts. 20.º e 268.º, n.º 4), todos da CRP.” J. Já no acórdão recorrido se entendeu em sentido oposto, tendo o Tribunal arbitral entendido que a possibilidade conferida pelo artigo 173.º, n.º 2, c) da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, aos seus Estados Membros de «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», i.e., a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º não foi transposta para o Código do IVA nacional.

  8. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

    L. Sobre esta matéria já esse douto tribunal teve oportunidade de se pronunciar no sentido por nós defendido, vejam-se os Acórdãos de 29.10.2014 (proc. n.º 01075/13), 03.06.2015 (proc. n.º 0970/13), 07.06.2015 (proc. n.º 01874/13), 27.01.2016 (proc. n.º 0331/14), 5.11.2017 (proc. n.º 0485/17) 09.10.2019, (proc. n.º 0401/14.7BEPRT), de 04.03.2020 (proc. n.º 52/19.0BALSB) e (proc. n.º 7/19.4BALSB).

  9. Neste mesmo sentido, aliás, também se pronunciaram os árbitros vencidos nos processos arbitrais n.ºs 442/2019-T (Professor Sérgio Vasques) e processo arbitral n.º 408/2019-T (Dra. Sofia Borges).

  10. Termos em que é de concluir, também relativamente a esta matéria, dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.

  11. De tudo o que acima se deixou, decorre encontrar-se o acórdão recorrido em desconformidade com todos os preceitos e princípios acima referidos, não merecendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica.

    Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência: - ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; e - ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, como é de Direito e Justiça».

    1.2 O recurso foi admitido.

    1.3 A Recorrida apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor: «I. Perante decisão desfavorável à AT (proferida em Tribunal Arbitral), aquela entidade decidiu recorrer ao STA por entender que existem dois acórdãos que apesar de versarem sobre situações de facto substancialmente idênticas, e sobre a mesma questão fundamental de direito, comportam decisões opostas.

    II. A AT alega que em ambos os arestos (Acórdão Recorrido e Acórdão Fundamento), se está perante sujeitos passivos que, a par de operações financeiras isentas de IVA, realizam operações sujeitas a IVA e do mesmo não isentas, tais como a locação mobiliária. E, no âmbito da determinação do IVA dedutível relativo a recursos de utilização mista, aplicaram um pro rata, tendo considerado, para efeitos da determinação da percentagem de dedução, no que concerne às operações de locação financeira, o montante anual correspondente aos juros e outros encargos, excluindo a componente de amortização de capital contida nas rendas da locação financeira.

    III. Salvo o devido respeito, não pode a ora Recorrida deixar de discordar de tal entendimento.

    IV. Os factos que a AT elenca para justificar a existência de uma alegada identidade factual não são os factos relevantes para determinar a existência ou falta dessa identidade.

    V. De facto, os dois acórdãos sob escrutínio não assentam sobre situações de facto substancialmente idênticas.

    VI. Ao passo que, no Acórdão Fundamento apenas se verificam e, consequentemente, apenas se analisam os custos relativos ao financiamento e gestão no âmbito dos contratos de locação financeira, no Acórdão Recorrido reconhece-se que a AT, em momento algum concretizou ou provou que a utilização dos bens e serviços pela Recorrida fosse sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.

    VII. De referir, para além do imediatamente supra exposto que no Acórdão Recorrido, contrariamente ao que se verifica no Acórdão Fundamento, estão em causa sobretudo custos inerentes à disponibilização das viaturas.

    VIII. Desta forma, ficando demonstrada a falta de identidade entre as situações de facto que cada um dos Acórdãos sob escrutínio comporta, resulta evidente que os pressupostos para que se esteja perante uma situação de oposição de acórdãos, susceptível de recurso para o STA, não estão verificados.

    IX. Adicionalmente, não pode, também, a aqui Recorrida, deixar de notar que as questões de direito em causa no Acórdão Recorrido e no Acórdão Fundamento não são idênticas.

    X. Entende a Recorrente que a...

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