Acórdão nº 02089/11.8BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução28 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;# I.

A…………….., S.A., …, recorre da sentença proferida, no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, em 17 de agosto de 2020, que julgou improcedente esta ação para reconhecimento de um direito em matéria tributária e absolveu, a autoridade tributária e aduaneira (AT), do pedido de que lhe fosse reconhecido o direito ao pagamento, por esta, de juros indemnizatórios, no valor de € 188.506,90.

A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com estas conclusões: «

  1. A sentença a quo pôs termo à ação para o reconhecimento de um direito em matéria tributária que correu sob o n.° 2089/11.8BELSB, indeferindo o pedido apresentado pela ora Recorrente no sentido de ver reconhecido o direito ao pagamento de juros indemnizatórios por parte da AT, no montante de € 188.506,90.

  2. Por não se conformar com o teor da sentença emitida, a ora Recorrente apresenta o presente recurso com vista a obter a revogação da sentença proferida em primeira instância, através do reconhecimento do vício de violação de lei ordinária por erro nos pressupostos de direito de aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea a) da LGT e/ou do vício de violação de lei constitucional, de que padece a interpretação da Lei plasmada na sentença recorrida.

  3. Na sentença recorrida deram-se como provados todos os factos alegados pela ora Recorrente com relevância para a boa decisão da causa; designadamente, foi dado como provado que i) a AT apenas decidiu o requerimento de autorização de aproveitamento dos prejuízos ficais registados entre 2001 e 2006, apresentado em 27 de abril de 2007, no dia 12 de julho de 2010; ii) na sequência dessa decisão foi decidido que a ora Recorrente tinha direito ao reembolso do IRC no montante total de € 1.551.222,76, correspondente a IRC relativo aos exercícios de 2007, 2008 e 2009; mas iii) o pagamento daquele montante não incluiu juros indemnizatórios - cfr. pp. 5 a 7 da sentença recorrida.

  4. Apesar de ter decidido não existir erro na forma de processo por parte da Recorrente, ao valer-se da ação para o reconhecimento de um direito em matéria tributária, prevista no artigo 145.º do CPPT, o Tribunal a quo acaba, de forma absolutamente contraditória, por não conceder provimento ao pedido da ora Recorrente por considerar que esta apenas poderia ver reconhecido o seu direito por via de uma ação para efetivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

  5. No caso vertente, é notório que a apreciação do pedido para utilização dos prejuízos fiscais e o reembolso a que esta deu origem ocorreram muito após o prazo legal previsto para o efeito, sendo evidente que esse facto fez incorrer a Recorrente em prejuízo, pela indisponibilidade de mais de um milhão e meio de euros, durante quase 3 anos, num contexto em que apresentava prejuízos fiscais recorrentes; e, por isso, é evidente ter a mesma direito ao pagamento de juros indemnizatórios para ressarci-la dessa indisponibilidade (tanto mais que a AT certamente recebeu rendimentos pelo uso indevido do capital da ora Recorrente).

  6. A regra em direito fiscal não podia ser mais simples: prejuízos derivados da conduta ilegal da AT relativamente a impostos indevidamente pagos pelos contribuintes é ressarcida primordial e automaticamente pelo pagamento de juros indemnizatórios, objetivo que in casu, apenas pode ser alcançado pelo exato meio processual utilizado pela ora Recorrente, tal como resulta da jurisprudência do Acórdão do STA de 3 de maio de 1997, no qual foi relator o Juiz Conselheiro Rodrigues da Fonseca e tal como refere a Jorge Lopes de Sousa (ambos oportunamente citados).

  7. Como começou por constatar o Tribunal a quo, a ação para o reconhecimento de um direito em matéria tributária é o único meio de acionar o “instrumento jurídico primacial do direito tributário, para indemnizar a Recorrente pelo ato ilegal da AT - não a ação de responsabilidade civil extracontratual do Estado, como viria depois a concluir -, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que conceda integral provimento ao pedido da Recorrente.

  8. Como resulta da sentença recorrida, a ora Recorrente apresentou, em 27 de abril de 2007, um pedido para o reconhecimento da utilização dos prejuízos fiscais por si registados entre 2001 e 2006, o qual deveria ter sido decidido, no máximo, até ao dia 27 de outubro de 2007, como impõe o artigo 57.º, n.º 1 da LGT.

  9. A AT apenas decidiu o pedido em causa no dia 12 de julho de 2010, mais de 3 anos após a sua apresentação e mais de dois anos e meio após o prazo legal estabelecido para o efeito, o que obrigou a AT à restituição de uma quantia superior um milhão e meio de euros de IRC; valor esse que a Recorrente nunca teria pago, se o prazo legal de decisão previsto no artigo 57.º, n.º 1 tivesse sido cumprido.

  10. Constatado o atraso na decisão e, por consequência, no reembolso, era imperativo ter a AT efetuado a restituição do montante de IRC indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

  11. A conclusão do Tribunal a quo no sentido de que, para ter direito a juros indemnizatórios a AT teria que ter-se atrasado a restituir o imposto a reembolsar em consequência da utilização dos prejuízos autorizados tem por base um erro nos pressupostos de Direito de aplicação do artigo 43.º, n.º 3 alínea a) da LGT consubstanciado no entendimento de que o mesmo apenas é aplicável às situações de atraso verificadas nos casos de i) retenção de IRS em excesso (artigo 96.º do Código do IRS); ii) pagamento por conta de IRC em excesso (artigo 104.°, n.º 3 do Código do IRC); e iii) reembolso do IVA (artigo 22.º, n.º 8 do Código do IVA).

  12. A letra do artigo 43.º, n.º 3 alínea a) da LGT não delimita o direito àquelas situações que o Tribunal a quo refere, podendo (e devendo) aplicar-se a todas aquelas nas quais o contribuinte se veja prejudicado pela não devolução de imposto indevidamente pago no prazo previsto legalmente.

  13. In casu, a retenção de mais de um milhão e meio de euros a título de IRC que nunca teria sido apurado caso a AT cumprisse a Lei, em nada difere, materialmente, dos demais pagamentos em excesso de IRC a que a Lei se reporta, designadamente, no artigo 104.º do Código do IRC.

  14. Ainda que pudessem ter-se como válidas aquelas conclusões - o que apenas por dever de patrocínio de cogita - nunca o seria a conclusão de que apenas a morosidade na apreciação de pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º da LGT confere direito aos juros indemnizatórios previsto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT.

  15. Na verdade, nem a letra do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT faz inferir que apenas os pedidos de revisão oficiosa em sentido estrito se encontram aí abrangidos, nem é esse o procedimento normalmente adotado pela AT, a qual reconhece o direito aos juros indemnizatórios ao abrigo dessa norma, nas demais situações em que os contribuintes solicitam a reforma, a seu favor, de atos tributários, independentemente da forma utilizada para o efeito.

  16. Perante uma situação de pagamento em excesso abrangida por aquele normativo, determina-se que a inércia da AT, seja em decidir o procedimento que confere direito à restituição, seja em restituí-lo é razão bastante para presumir os prejuízos que conferem o direito a juros indemnizatórios.

  17. Não existe qualquer motivo, de facto ou de Direito, suscetível de justificar diverso tratamento entre duas situações de inércia - na decisão de reembolsar ou no reembolso - materialmente idênticas. Assim, se o atraso na restituição de IRC pago em excesso dá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, também o atraso em decidir um procedimento do qual resulta a mesma obrigação de restituição de IRC pago em excesso tem necessariamente que dar lugar ao pagamento de juros indemnizatórios; se o atraso em decidir pedido de revisão ou reclamação dá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, também o atraso em decidir pedido de utilização de prejuízos fiscais tem necessariamente que dar lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

  18. A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, conforme decorrente do artigo 43.º da LGT, mais não é do que a concretização de um direito de indemnização com raiz constitucional no artigo 22.º da Constituição, tendo o legislador optado, atendendo às características particulares da relação jurídica tributária, por concretizar esse direito, em matéria tributária, através da presunção da existência de prejuízos indemnizáveis, perante atuações ilegais da AT que se reflitam no seu locupletamento ilegal, às custas desses mesmos contribuintes - cfr. Acórdão do STA de 2 de novembro de 2006, proferido no processo n.º 604/06, oportunamente citado.

  19. No caso vertente, a AT estava obrigada ao cumprimento do prazo procedimental de 6 meses, previsto no artigo 57.º, n.° 1 da LGT. Não o tendo cumprido - o que se deu como provado na sentença recorrida - e como resulta da jurisprudência vinda de citar, a AT é forçada, por direta e imediata decorrência da lei, a satisfazer os juros indemnizatórios estabelecidos no artigo 43.º, n.º 3, alínea a) ou, alternativamente, na alínea c) da LGT.

  20. A decisão de improcedência da ação apresentada labora em erro nos pressupostos de Direito da aplicação do artigo 43.º, n.° 1, alíneas a) e c) da LGT, são ilegais, cujas normas viola, devendo, por isso, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que os reconheça e atribua à ora Recorrente, conforme peticionado.

  21. Com a instituição legal da obrigação de pagar juros indemnizatórios aos contribuintes lesados pela AT, em razão do pagamento de imposto que, em dado momento, se conclui ter sido indevido, o legislador entendeu estabelecer um meio simples, automático e cómodo de ressarcir os lesados, sem necessidade de recorrer à morosa via judicial e de efetuar a correspondente prova dos prejuízos sofridos.

  22. Não existe qualquer diferença entre atrasar, por hipótese, a restituição de um pagamento por conta de IRC em excesso...

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