Acórdão nº 01869/13.4BEBRG 01152/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução12 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I - Relatório 1 – A Autoridade Tributária vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 2 de Maio de 2017, que julgou procedente a impugnação judicial intentada por A………… – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., relativa aos actos de liquidação de retenções na fonte de IRS e de juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2010 e 2011, no valor de 3.160.488,20€, tendo apresentado, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo: I - Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a impugnação judicial procedente, anulando as liquidações de retenções na fonte de IRS e juros compensatórios referentes aos exercícios de 2010 e 2011, com fundamento no vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito.

II - Considerou o tribunal a quo, estar afastada a possibilidade de responsabilizar a ora Recorrida pelo pagamento da quantia peticionada dado que esta não usufruiu de qualquer vantagem fiscal, não podendo ser considerada sujeito passivo do imposto, apesar de assumir a qualidade da entidade pagadora do preço, contrapartida da operação de amortização de acções, todavia, ressalvado melhor entendimento, não concordamos com a fundamentação expendida.

III - Com efeito, ao contrário do firmado na sentença recorrida, a apreciação da factualidade apurada foi efectuada à luz de todos os elementos exigidos pela norma, sendo que a preterição de qualquer deles resultaria na violação dos critérios interpretativos a que o intérprete da lei fiscal está obrigado, e, em concreto, a preterição da análise do elemento resultado, o qual demonstra em que termos se concretizou a redução indevida da obrigação tributária, consubstanciaria a violação grosseira do disposto quer na letra do artigo 38.º, n.º 2, da LGT quer na racio legis da consagração legal da CGAA.

IV - Determina o n.º 2 do artigo 38.º da LGT a desconsideração dos efeitos fiscais dos actos celebrados e a tributação do negócio jurídico considerado usual para obter o efeito económico visado de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência, assim, in casu, não fora a comprovada motivação de evitação fiscal, procederia a Recorrida à distribuição dos dividendos aos seus accionistas, qualificados como rendimentos de capitais de acordo com o disposto na alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º do CIRS, retendo na fonte o imposto devido, na qualidade de substituto tributário (artigo 20.° da LGT), dando, assim, cumprimento ao estipulado no artigo 71.º, n.º 1, alínea c) do CIRS.

V - Com efeito, prevê a lei fiscal a tributação da distribuição de dividendos através do mecanismo de retenção na fonte a título definitivo, na esfera da sociedade, a qual assume a responsabilidade originária pela entrega do imposto devido, nos termos do artigo 104.º, n.º 4 do CIRS.

VI - Ora, impondo o legislador que a tributação se efectua de acordo com as normas aplicáveis na ausência do negócio efectivamente realizado e determinando que a distribuição de dividendos está sujeita ao regime de retenção na fonte, que constitui obrigação da entidade distribuidora na qualidade de sujeito passivo, o qual lhe advém do mecanismo de substituição tributária, tem esta, obviamente, legitimidade no procedimento tributário de aplicação da CGAA, nos termos do artigo 9.º do CPPT.

VII - Sendo que o procedimento de aplicação da CGAA não pode ser dissociado do procedimento de liquidação do imposto, porquanto pretende o legislador que a tributação se efectue de acordo com a situação que ocorreria sem a prática do acto abusivo e a situação normal consiste na obrigação da entidade distribuidora dos dividendos proceder a retenção do imposto devido e à sua entrega nos cofres do Estado, através do mecanismo de substituição consagrado pelo legislador no artigo 20.º da LGT e assumindo a posição de sujeito passivo na relação jurídico-tributária, conforme estipula o artigo 18.º, n.º 3, da LGT.

VIII - Desta forma, mostra-se desprovida de fundamento legal a argumentação de que a aplicação da CGAA, na esfera do substituto, se traduz na alteração da relação jurídica material, e que a retenção na fonte é apenas uma obrigação acessória, bem como contraria a posição da doutrina e da jurisprudência sobre o mecanismo da substituição tributária.

IX - Com efeito, de acordo com o artigo 18.º, n.º 3, da LGT, o substituto assume a qualidade de sujeito passivo naquela relação jurídico-tributária, pelo que quando se desconsidera os efeitos fiscais dum negócio elisivo e se impõe que a tributação se efectue de acordo com o mecanismo de retenção na fonte, porque é esse a forma de tributação determinada pelo legislador, não há qualquer alteração dessa relação jurídica material.

X - Situação diferente ocorre quando alguém suporta o encargo do imposto por repercussão legal, já que o legislador expressamente prevê no artigo 18.º, n.º 4, da LGT que nesse caso o sujeito não possui a qualidade de sujeito passivo, assim, a aferição da medida da capacidade contributiva respeita, unicamente ao substituído, não ocorrendo nas situações de substituição tributária total qualquer violação do princípio da capacidade contributiva na esfera do substituto.

XI - Aliás, é precisamente a obrigatoriedade de atender à capacidade contributiva dos substituídos que legitima a Administração Fiscal a aplicar a CGAA in casu e a desconsiderar os efeitos fiscais produzidos, porquanto os negócios e actos praticados resultaram numa ilegítima ausência de tributação perante uma situação de elevada capacidade contributiva dos administradores da Recorrida, sendo que a ausência de tributação de tão elevada manifestação de capacidade contributiva só ocorreu porque foram praticados, pela Recorrida e pelos seus administradores, utilizando a figura societária, actos que visaram tornear as normas de incidência tributária, em clara violação do desígnio do legislador no sentido de promover a justa distribuição dos encargos tributários.

XII - Pelo que a aplicação da CGAA e a concretização das correcções na esfera jurídica da Recorrida cumprem rigorosamente a letra e o espírito da norma constante do artigo 38.º, n.º 2 da LGT, bem como os princípios constitucionais da igualdade tributária e da capacidade contributiva, não ocorrendo o invocado vício de ilegitimidade.

XIII - O decisivo no discurso fundamentador da AT reside na constatação de que foi praticado um conjunto sequencial de actos descritos cronologicamente no RIT, os quais, vistos no seu todo, resultaram numa situação que corresponde, em substância, a uma distribuição de lucros aos accionistas, por via de resultados acumulados em reservas, sujeita a IRS como rendimento de capitais.

XIV - Aliás, um dos factos salientados pela Inspeção Tributária como essenciais para concluir que a motivação da Recorrida foi, indubitavelmente, de índole fiscal foi ter verificado que as únicas alterações na estrutura do capital referem-se ao número de acções e no seu valor nominal, mantendo-se intacto o valor do capital social bem como a percentagem de detenção e os direitos de voto dos seus accionistas, mostrando-se cabalmente provada a falta de racionalidade económica da operação em causa.

XV - Na verdade, a redução de capital, com o objectivo de libertar o valor excedente, assenta no pressuposto de que esse valor é desnecessário para a prossecução da actividade societária e, não estando a criar riqueza para a sociedade nem, consequentemente, para os seus accionistas, está como que “paralisado”, tornando-se improdutivo, e é por esse motivo que, não sendo necessários à sociedade, os lucros gerados no exercício da sua actividade devem ser distribuídos aos accionistas (que poderão aplicá-los noutros investimentos susceptíveis de criar valor acrescentado), em vez de ficarem retidos na sociedade fazendo aumentar o volume do capital próprio sem condições de criar mais riqueza.

XVI - A restituição de capital aos accionistas pressupõe a dotação prévia, por parte destes, da parte de capital social correspondente à sua participação na sociedade, em função da qual é efectuada a distribuição dos lucros obtidos em cada período económico resultantes do exercício da actividade, assim, se os lucros do exercício não são necessários para dotar a reserva legal e obrigatória, não se mostram necessários para o desenvolvimento e reestruturação da actividade da sociedade ou para a reorganização da sua estrutura societária, nem se perspectivam oportunidades de investimento que justifiquem a sua cativação, já que havia sido reanalisado o processo de industrialização do Grupo A………….

XVII - E se, para além de tudo isto, se verifica que o capital social já é excessivo devem tais lucros cumprir o seu fim último — a distribuição aos accionistas, como forma de remuneração do capital investido na sociedade, ora, os lucros do exercício, não perdem, apesar de retidos, a natureza intrínseca que lhes subjaz, e que se reconduz à sua distribuição, caso não sejam aplicados na sua totalidade.

XVIII - onde resulta que a utilização da figura societária da amortização de acções com redução do capital, regulada no artigo 347.º do CSC, foi abusiva, fendo como intuito afastar a tributação na fonte, a título definitivo, de lucros que a sociedade pretendia distribuir, e cujo montante entregou efectivamente aos accionistas.

XIX - Compreende-se, facilmente, que o caminho percorrido pela Recorrida teve como objectivo remunerar os accionistas pelo capital investido, sem proceder formalmente à operação de distribuição de dividendos, a qual seria sujeita a tributação pela categoria E de IRS.

XX - Assim, o recurso ao artigo 347.º do CSC com o fim pretendido pela Recorrida - a distribuição de lucros aos accionistas - teve como consequência um resultado não esperado pelo legislador, já que expressamente prevê a lei fiscal a sua tributação como rendimentos de capitais — a elisão da tributação.

XXI - Tal procedimento configura, por isso, um abuso...

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