Acórdão nº 02/19.3BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO Futebol Clube do Porto - Futebol SAD (doravante FCP), devidamente identificada nos autos, recorreu para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), do Acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), proferido em 07.11.2018, que confirmou a condenação da recorrente pela prática da infracção disciplinar p. p. pelo artº 187º-1 b) do RD, alegadamente cometida no jogo realizado em 27.08.2017, no Estádio Municipal de Braga, punindo-a em multa no valor de 2.870,00€.

*A FCP apelou para o TCA Sul e este, por acórdão proferido em 7 de Novembro de 2019, concedeu provimento ao recurso, anulou a decisão de 26.09.2017 proferida em via de recurso hierárquico impróprio nº 08-17/18 pelo Pleno do Conselho de Disciplina e revogou o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto de 07.11.2018, fixando o valor da causa em 2.870,00€.

*O Ministério Público junto do TCAS, nos termos dos artºs 70º, nº 1, al. a), e 72º, nº 1, al. a) e 3, 75º, nº 1, al. a) e 75º-A, nº 1 da Lei 28/82 de 15/11 (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, LOTC), por referência ao disposto no artº 280º, nº 1, al. a) da CRP, interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional deste Acórdão do TCAS de 07.11.2019, por este ter desaplicado, com fundamento em inconstitucionalidade material [artºs 32º/2 e 10 da CRP] as normas constantes dos artºs 182º e 187º do RDLPFP/2016.

O Tribunal Constitucional por Acórdão nº 11/2021, proc. nº 1188/19 decidiu não conhecer do objecto do recurso.

*Por seu turno, a FPF, inconformada, com o Acórdão proferido pelo TCAS, interpusera, ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA, o presente recurso jurisdicional de revista – cuja subida a este STA aguardou pela decisão do Tribunal Constitucional, por determinação da Senhora Desembargadora Relatora – tendo terminado as suas alegações, com as seguintes conclusões: «1.

A Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 7 de novembro de 2019, que revogou a decisão recorrida e anulou a deliberação que condenou a ora Recorrida a pagar, a título de sanção disciplinar, o valor total de € 2.870,00 pelas infrações p. e p. pelo artigo 187º, nº 1, al. b), do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional; 2.

A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos por ocasião de jogos de futebol, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, os episódios de violência em recintos desportivos têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno; 3.

A questão essencial trazida ao crivo deste STA – responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos - revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito; 4.

Assume especial relevância social a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol – seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios dirigentes dos clubes; 5.

Em causa nos presentes autos estão, essencialmente, comportamentos dos adeptos relacionados com agressões físicas entre os próprios adeptos e para com as forças policiais, entre outros, tudo por ocasião de jogos de futebol; 6.

São deveres dos clubes assegurar que os seus adeptos não têm comportamentos incorretos, o que decorre dos regulamentos federativos, é certo, mas também da Lei e da Constituição; 7.

Admitir, como fez o TCA Sul, que os clubes devem ser desresponsabilizados pelos comportamentos dos seus adeptos – ao arrepio do entendimento de toda a comunidade desportiva e das instâncias internacionais do Futebol, onde esta questão, de tão clara e evidente que é, nem sequer oferece discussão – é fomentar este tipo de comportamentos o que se afigura gravíssimo do ponto de vista da repercussão social que este sentimento de impunidade pode originar; 8.

Esta questão tem conhecido posições contraditórias por parte do TAD, sendo que em mais de vinte e nove processos arbitrais a questão foi decidida de forma contrária à que fez o Tribunal a quo, contra apenas cinco em sentido coincidente; 9.

A questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto desde o início de 2017 até à presente data deram entrada no Tribunal Arbitral do Desporto mais de 70 processos relativos a sanções aplicadas a clubes por comportamento incorreto dos seus adeptos; 10.

Não existe nenhuma crítica a fazer à decisão proferida pelo TAD, ao contrário do que entendeu o TCA Sul; 11.

O Braga não colocou, em momento algum, em causa que estes factos aconteceram, colocou em causa, sim, que tenham sido adeptos do FCP os responsáveis pelos mesmos; 12.

Tal como consta dos Relatórios de Jogo cujo teor se encontra a fls. … do processo arbitral, os Delegados da Liga, bem como as forças de segurança, são absolutamente claros ao afirmar que tais condutas foram perpetradas pelos adeptos do Futebol Clube do Porto, sem deixar qualquer margem para dúvidas; 13.

Com base nesta factualidade, e atendendo à gravidade dos factos perpetrados, o Conselho de Disciplina instaurou o competente processo disciplinar à Recorrida; 14.

Ao mencionado processo disciplinar foi junto, como não poderia deixar de ser, entre outros, documentos, o relatório elaborado pelos delegados da liga. Este relatório goza, consabidamente, da presunção de veracidade do seu conteúdo (cfr. Artigo 13º, al. f) do RD da LPFP); 15.

Os Delegados da LPFP são designados para cada jogo com a clara função de relatarem todas as ocorrências relativas ao decurso do jogo, onde se incluem os comportamentos dos adeptos que possam originar responsabilidade para o respetivo clube; 16.

Assim, quando os Delegados da LPFP colocam nos seus relatórios que foram adeptos de determinada equipa que levaram a cabo determinados comportamentos, tal afirmação é necessariamente feita com base em factos reais, diretamente visionados pelos delegados no local. Até porque, caso coloquem nos seus relatórios factos que não correspondam à verdade, podem ser alvo de processo disciplinar; 17.

Ainda, para formar uma convicção para além de qualquer dúvida razoável que permitisse chegar à conclusão de que a ora Recorrida devia ser punida pelas infrações pelas quais foi condenada, o CD coligiu ainda outra prova, que consta dos autos, tal como, por exemplo, o Relatório das Forças Policiais; 18.

Neste particular, os relatórios das forças policiais, por serem exarados por “autoridade pública” ou “oficial público”, no exercício público das “respetivas funções” (para as quais é competente em razão da matéria e do lugar), constituem documento autêntico (art.º 363.º, n.º 2 do Código Civil), cuja força probatória se encontra vertida nos artigos 369.º e ss. do Código Civil. Com efeito, tal relatório faz «prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora» (cf. art.º 371º, nº 1 do Código Civil); 19.

Sucede que, não obstante os relatórios de jogo juntos aos autos serem claríssimos ao afirmar que foram adeptos afetos ao FCP que levaram a cabo estes comportamentos, o TCA alega que nada existe nos autos que permita concluir que os atos sub judice – punidos pelo RD da LPFP – foram praticados por sócio, adepto ou simpatizante do clube recorrido; 20.

Manifestamente, o acórdão recorrido não tomou em consideração a presunção de veracidade legal e regulamentarmente estabelecida para os relatórios de policiamento desportivo e dos delegados da LPFP, respetivamente; 21.

E é, precisamente, esta presunção de veracidade que, inscrevendo-se nos princípios fundamentais do procedimento disciplinar, confere um valor probatório reforçado aos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP e pelas forças policiais relativamente aos factos deles constantes que estes tenham percecionado.

22.

Isto não significa que os Relatórios Delegados da LPFP e das forças de segurança contenham uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo dos Relatórios, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que foram adeptos ou simpatizantes da recorrida que levaram a cabo os comportamentos sub judice; 23.

Tal não significa que quem acusa não tenha o ónus de provar. Trata-se de abalar uma convicção gerada por documentos que beneficiam de uma especial força probatória; 24.

E, para abalar essa convicção, cabia ao clube, no lugar de se remeter ao silêncio, apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346º do Código Civil; 25.

Quanto à questão de saber se a ora recorrida pode ser responsabilizada a título de culpa por esses comportamentos, mais uma vez, nenhuma crítica há a fazer à decisão do Conselho de Disciplina; 26.

Entende o TCA Sul que cabia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta dos Relatórios de Jogo) que o FCP violou deveres de formação a que se encontra adstrito, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, o que, como sabemos, não é possível; 27.

Ora, o Relatório dos Delegados da LPFP, bem como o Relatório de Policiamento Desportivo do jogo dos autos, atento os respetivos conteúdos, são perfeitamente suficientes e adequados para sustentar a punição do FCP no caso concreto.

28.

Ademais, há que...

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