Acórdão nº 038/20.1BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Maio de 2021
Magistrado Responsável | ISABEL MARQUES DA SILVA |
Data da Resolução | 26 de Maio de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do n.º 2 artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para uniformização de jurisprudência para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida a 3 de Março de 2020 no processo n.º 505/2019-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 15 de Novembro de 2017 no processo n.º 0485/17, transitado em julgado.
A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: A. O presente recurso confina-se ao segmento decisório em que discute e decide da legalidade da aferição da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas, isto no que respeita aos contratos de locação financeira e à correspectiva exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas se considerando para efeitos de dedução o montante de juros e outros e outros encargos facturados.
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O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.
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Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.
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No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão Recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.
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Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.
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Em ambos ao Acórdãos, Autora e Requerente têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA.
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Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).
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No acórdão recorrido, nas declarações periódicas de IVA nos anos de 2005 e 2006, a Recorrida incluiu no numerador e no denominador da fracção representiva do cálculo pro rata os valores respeitantes à globalidade das amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira, aplicando por essa via uma percentagem de pro rata de 58% (2005) e de 55% (2006), o que se traduziu na dedução em sede de IVA dos gastos de natureza mista no montante, respectivamente, de €363.403,90 em 2005 e €511.215,51 em 2006.
I. No acórdão fundamento, a Autora apurou um montante a deduzir distinto do apurado por recurso ao pro rata provisório, tendo sido calculado um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base no entendimento da AT mencionado na instrução administrativa 30.018.
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No acórdão recorrido, por força de uma acção inspectiva, levada a cabo pela Divisão de Inspecção a Bancos e Outras Instituições de Crédito, com incidência nos anos de 2005 e 2006, foi proposta a correcção à percentagem de dedução de IVA de 58% (2005) para 32% (2006) e de 55% para 34%, apurando imposto em falta de €162.905,19 para 2005, e de €195.191,38, para 2006.
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No acórdão fundamento, a Autora imputa aos actos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que, nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD.
L. No acórdão recorrido, a ora Recorrida imputa vícios de violação de lei aos actos de liquidação adicional de IVA para os anos de 2005 e 2006 contestados (e respectivos juros compensatórios), por entender, em contradição com o que foi decidido no Acórdão fundamento, que o artigo 23.º do Código do IVA não contém qualquer menção que permita à Autoridade Tributária impor condições à percentagem de dedução relativamente a um sujeito passivo que opta pelo método do pro rata, para além das instruções objectivas que são fornecidas por aquele artigo, recusando dessa forma a aplicação do Ofício-circulado n.º 30108/2009.
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Aqui chegados, e considerando a factualidade supra aludida, fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.
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Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas.
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Tanto no acórdão Recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respetivas decisões situa-se em igual plano, sendo irrelevante a alegação genérica, ínsita na maioria dos Acórdãos que vêm sendo lavrados no Centro de Arbitragem Administrativa, de que ao TJUE somente cabe a interpretação dos Tratados, isto porque, perante idêntica situação de facto estava em causa saber no processo decidido pelo STA se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13 podia ou não o Estado Português, através do Ofício-Circulado n.º 30.108, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.
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Enquanto no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, que os Estados-Membros «podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos», já no acórdão recorrido se entendeu em sentido oposto, tendo o Tribunal arbitral concluído que se deve concluir, face à prova produzida, que «A imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Com efeito, não é um Ofício Circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga os serviços, mas que não tem eficácia externa, ou uma informação (como a informação n.º 1763, da DSIVA, de 09.08.2008), que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê. Donde se conclui que o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, in casu, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo e mais nenhum. Pelo que, não tendo essa possibilidade sido acolhida por via legislativa, não a pode aplicar a AT, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT). Decorre do que foi exposto que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade – procedendo, pelo exposto, o presente pedido de pronúncia arbitral.» Q. Ou seja, enquanto que no âmbito do Acórdão Fundamento foi, em síntese, decidido que a norma do artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, ao permitir que a Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – art. 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c), da Sexta Directiva, quando ali se estabelece que «todavia, os Estados-Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços», já no acórdão recorrido se decidiu que «[…] não é um Ofício Circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga os serviços, mas que não tem eficácia externa, ou uma informação (como a informação n.º 1763, da DSIVA, de 09.08.2008), que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.» R. O Acórdão Fundamento entendeu que, de acordo com o decidido pelo TJUE, C-183/13, o artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA constituem a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, desembocando na conclusão, de que os...
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