Acórdão nº 01018/17.0BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução09 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.

A/O representante da Fazenda Pública (rFP) recorre da sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, datada de 21 de dezembro de 2020, que julgou procedente impugnação judicial, de decisão de indeferimento de reclamação graciosa, deduzida contra ato de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e juros compensatórios, no valor total de € 19.036,76, apresentada por A…………, … A recorrente (rte) produziu alegação, finalizada com as seguintes conclusões: « A. A Fazenda Pública não se conforma com a Sentença sob recurso, que julgou procedente a presente impugnação judicial, deduzida contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, por seu turno, contra a liquidação de IMT e respectivos juros compensatórios, no montante total de € € 18.897,87, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), referentes ao período de tributação de 2012, porquanto, considera que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito.

  1. O Impugnante (vendedor) celebrou em 27-12-2011 uma escritura de compra e venda, de 67 lotes de terreno para construção, com uma sociedade por si detida (compradora), e, posteriormente, em 6-8-2012, vendedores e compradora outorgaram nova escritura pública de rectificação da declaração negocial inicial, afirmando que o negócio estava sujeito a cláusula suspensiva nos termos da qual o negócio só produziria efeitos se o preço acordado fosse pago no espaço de seis meses a contar da data da primeira escritura. Nesta última data, foi outorgada uma terceira escritura pública na qual os contratantes declararam que a condição suspensiva - a falta de pagamento naquele prazo - se verificou.

  2. Tendo por base a terceira escritura e a declaração negocial nela ínsita, os serviços da AT consideram que nesse acto está vertida uma segunda operação de transmissão (a primeira, do Impugnante para a sociedade compradora e a segunda, da sociedade para o Impugnante) e liquidaram oficiosamente IMT, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 2.º, n.º 5, alínea a), do CIMT, norma segundo a qual a resolução, invalidade ou extinção de um negócio por mútuo acordo é equiparada a uma transmissão da propriedade.

  3. A AT entende que a primeira escritura produziu os seus efeitos translativos, e que as declarações negociais posteriores consubstanciaram uma verdadeira resolução contratual, para efeitos de incidência objectiva do artigo 2.º, n.º 5, alínea a), do CIMT.

  4. O Tribunal a quo concluiu - e bem, no entendimento da Fazenda Pública -, que, do conteúdo da denominada “condição suspensiva”, da vontade das partes na redacção da cláusula e do comportamento que precedeu o negócio e sua rectificação, o que as partes realmente apuseram ao negócio foi uma cláusula resolutiva: as partes, no primeiro negócio, efectivamente acordaram “na transferência da propriedade do imóvel, de modo a que a sociedade pudesse dispor daquele bem (seja mediante venda dos lotes, seja pela celebração de mútuo que, certamente, constituiria garantia real sobre o imóvel) para realizar capital para o pagamento do preço, preço que devia ser pago no prazo máximo de seis meses, sob pena de o negócio ser resolvido e o imóvel retornar à esfera jurídica dos vendedores.” F. Concorda a FP que é este o sentido a retirar da(s) declaração(ões) negocial(ais), em face do comportamento e da intenção manifestados pelas partes envolvidas no negócio - o de que as partes apuseram ao negócio uma cláusula resolutiva -, pelo que tal não se controverte no presente recurso.

  5. Todavia, o itinerário cognoscitivo percorrido na sentença recorrida, na interpretação jurídica dos actos praticados pelas partes na outorga da primeira, segunda e terceira escrituras, levou o julgador a uma conclusão errada, qual seja a de que as partes, juridicamente, teriam celebrado um negócio de compra e venda sujeito a termo resolutivo que teria como consequência a nulidade do negócio.

  6. Não foi, porém, no entendimento da FP, o que sucedeu no caso em apreço. As declarações das partes nas primeira, segunda e terceira escrituras não contêm qualquer cláusula nula, desde logo, porque a cláusula aposta na segunda escritura celebrada pelas partes em Agosto de 2012 é uma condição, e não um termo.

    I. Estamos, clara e objectivamente, perante uma condição resolutiva, de natureza e âmbito consensual, pois vendedores e compradores reconhecem o não pagamento do preço dentro do prazo estipulado como verificação de uma condição. Dito de outro modo, no caso, a verificação do não pagamento do preço foi a condição pela qual os contratantes convencionaram a extinção do negócio inicial.

  7. A Fazenda Pública, não controvertendo nem questionando o doutamente decidido pelo Tribunal a quo quanto à natureza e qualificação da cláusula como resolutiva, e, com o devido respeito, que é muito, considerando ficar evidenciado nos autos e na própria fundamentação da sentença que, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, não estamos perante um termo, mas, antes, uma condição, defende, assim, a qualificação como condição resolutiva da cláusula negocial vertida e determinante das escrituras públicas celebradas no dia 6 de Agosto de 2012.

  8. Nesse sentido, deve concluir-se, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, que não existe qualquer vício de erro sobre os pressupostos de facto das liquidações impugnadas, uma vez que as escrituras públicas celebradas no dia 6 de Agosto de 2012 cabem na norma de incidência objectiva da alínea a) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT.

    L. A FP defende a existência dos factos tributários, na medida em que a primeira escritura, de compra e venda de bem imóvel, operou efeitos essenciais típicos, como a transmissão da propriedade da coisa e a obrigação de entregar o preço (cfr. artigo 879.º, e 408.º do Código Civil). Apenas que, no que concerne à transferência da propriedade, ficou na dependência da verificação de um facto futuro e incerto – o pagamento do preço nas condições acordadas – que, não se verificando, determinou a ocorrência da condição resolutiva que desencadeou automaticamente a resolução do contrato e, em sua consequência, a reversão da propriedade para os vendedores.

  9. Entende a FP, assim, que a segunda e a terceira escrituras consubstanciam, na realidade, uma resolução do primeiro negócio jurídico, por mútuo acordo das partes, ao convencionarem e operarem uma verdadeira condição resolutiva, requalificando-se, assim, ao abrigo do disposto no artigo 36.º, n.º 4 da LGT, o negócio jurídico que as partes erradamente classificaram como de aposição de cláusula suspensiva (segunda escritura) e como declaração de verificação da cláusula suspensiva (terceira escritura).

  10. Foi claro o intuito das partes de querer extinguir os efeitos produzidos com o negócio vertido na primeira escritura, celebrada a 27-12-2011, onde declararam já ter recebido o preço e efectuaram a transmissão de propriedade. Note-se que, então, foram, até, efectuados os registos prediais e respectivas inscrições nas cadernetas prediais em nome da sociedade compradora, que invocou isenção de IMT na aquisição dos prédios “por serem para revenda”, ao abrigo do art. 7º do CIMT, e negociou com bancos a obtenção de capital para prosseguir este seu objecto social, “sabendo” pendente a condição de pagar o preço para que o negócio não fosse resolvido.

  11. “Para efeitos de tributação, a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a Administração Tributária nos termos do n.º 4 do artigo 36.º da Lei Geral Tributária.” P. Tendo-se operado, assim, com o primeiro negócio, em 27-12-2011, uma verdadeira transmissão da propriedade, é inelutável concluir que a segunda e terceira escrituras consubstanciam uma extinção, por mútuo consenso, dos efeitos daquele negócio, que a alínea a) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT equipara, por ficção, a uma segunda transmissão da propriedade dos imóveis.

  12. Assim, considerando não só o teor literal da alínea a) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT, bem como a ratio legis que conduziu à sua consagração legal, assim como a unidade e coerência do sistema jurídico, mormente do CIMT, construído com a finalidade de tributar a transmissão de propriedade, figuras parcelares e ficções jurídicas de transmissões de imóveis sitos em território nacional, independentemente do título por que as mesmas se operem, dever-se-á concluir pela legalidade dos actos tributários de liquidação ora impugnados.

  13. O legislador entendeu consagrar na norma de incidência do CIMT a insignificância do título transmissivo, que mesmo não sendo civilmente eficaz, pode configurar transmissão de imóvel para efeitos de IMT, desde que enquadrável nas normas de incidência objectiva e territorial consagradas naquele diploma legal - cfr n.º 1 do art. 1.º do CIMT. A referência ao “título”, aliás, não está associada ao designado título transmissivo, à escritura pública ou ao contrato particular autenticado. O termo “título” terá, nesta norma, uma outra dimensão, procurando significar toda e qualquer forma legítima de adquirir, formal ou informalmente estabelecida. Assim, o CIMT sujeita a imposto a transmissão e não o contrato ou, dito de outro modo, sujeita-se a imposto o efeito do contrato e não a sua celebração.

  14. A douta sentença recorrida, ao enquadrar os efeitos do negócio jurídico celebrado nos art. 294º e 1307º, nº 2 do C.C., faz uma errada interpretação jurídica do negócio subjacente e factos jurídico tributários inerentes ao caso em apreço. Não existiu a constituição temporária de um direito de propriedade. Existiu, sim, uma transmissão definitiva de propriedade com a primeira escritura, que foi resolvida com a verificação de condição resolutiva, ficcionando, neste caso, o CIMT uma segunda transmissão para efeitos tributários. Pelo que, a sentença encontra-se viciada por erro na aplicação e interpretação do direito, na medida em...

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