Acórdão nº 0010659 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Janeiro de 2001 (caso None)

Magistrado ResponsávelMARQUES PEREIRA
Data da Resolução17 de Janeiro de 2001
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial da comarca de Vale de Cambra, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, fazendo uso do disposto no art. 16, n.º 3 do CPP, da arguida Lígia..., imputando-lhe a prática, como autora material, de um crime de furto simples p. e p. no art. 203, n.º 1 e de um crime de abuso de cartão de crédito p. e p. no art. 225, n.º 1, ambos do C. Penal.

A arguida apresentou contestação escrita, na qual, alegou que: "1.No dia 13/02/99, à hora em que a ofendida estava a trabalhar, a arguida não estava, nem esteve nas referidas instalações do "M...", ao contrário do que consta no art. 1.º da acusação.

  1. Apenas no dia seguinte, dia 14/02/99, pelas 7 horas da manhã, altura em que começou a trabalhar, a arguida encontrou, nos vestiários, debaixo de um banco, a carteira que identificou como sendo da ofendida.

  2. Com a intenção de a entregar à ofendida e para que esta não fosse levada por qualquer outra utente dos referidos vestiários, a arguida guardou a carteira na sua bolsa.

  3. Pelas 13 horas do mesmo dia, a arguida, que era supervisora das operadoras de caixa, aproveitando um momento de pouco movimento no hipermercado, foi fazer as suas compras.

  4. Entretanto e sem que se tivesse apercebido do facto, o cartão "Visa Universo" da ofendida, que estava na carteira desta, tinha caído do bolso da arguida.

  5. A arguida, ao pagar, tirou o cartão da bolsa, julgando que se tratava do seu, na medida em que são exactamente iguais e pagou a despesa.

  6. Entretanto, apenas no dia seguinte, na medida em que no dia 14/02 ela e o marido saíram com uns amigos, quando ia anotar no extracto da sua conta a despesa é que se apercebeu de que efectuara as compras com o cartão da ofendida e não com o seu.

  7. Como em casa não tinha o contacto da ofendida, pensou em ligar-lhe mal chegasse ao "M...", a explicar-lhe o que se tinha passado, devolvendo-lhe a carteira e a quantia da despesa que inadvertidamente fizera com o cartão dela. Simplesmente, 9.Quando ali chegou, já corria o boato de que a carteira da ofendida tinha sido roubada, sendo que toda a gente falava sobre o assunto e sempre fazendo menção a um roubo e não a um qualquer extravio.

  8. A arguida era e é muito jovem.

  9. O seu pai é um conhecido industrial da construção civil, em S. João da Madeira, e de relativo sucesso.

  10. É também um homem muito severo, que tem como maiores amigos elementos da PSP e da GNR, na primeira desde o Comandante, sendo que no casamento da arguida estiveram presentes vários e destacados elementos daquelas forças policiais.

  11. A arguida ficou aterrorizada, ao ouvir falar em roubo, ao pensar no que faria o seu pai ou o que pensariam os amigos dele se viessem a ouvir dizer que a arguida roubara o que quer que fosse...

  12. De tal forma, que ainda hoje o pai não tem conhecimento deste processo e a arguida tudo fará para que o não tenha 15.E não obstante a sua idade, a arguida detinha um cargo de alta responsabilidade no sítio onde trabalhava, sendo, como se disse, supervisora.

  13. O mero boato de que a arguida roubara o que quer que fosse, implicaria o seu despedimento.

  14. Além e sobretudo da vergonha que seria para ela...

  15. Ademais, o simples facto de os chefes saberem que ela fizera compras no horário de trabalho, seria de per si, suficiente para a despedirem.

  16. Perante estes considerandos, o pai, os amigos do pai, os seus chefes no emprego, a vergonha que seria a suspeita que passaria a impender sobre ela, a arguida ficou aflita, desorientada, com medo, com verdadeiro pavor.

  17. E sem saber o que fazer, se explicar tudo de imediato, contar o que e como sucedera e pagar o que gastara do cartão, o que aconselharia o bom senso que a arguida naquele momento, pelas razões explicadas não tinha, ou arranjar maneira de fazer a carteira, mais o valor da despesa que fizera com o cartão aparecer em qualquer lado, por forma a que nunca chegasse a haver sequer a mínima suspeita ou falatório sobre as suas intenções...

  18. Mas, em relação à última hipótese, para que a arguida propendia fortemente, levantava-se o problema do cartão, ela fizera as compras exactamente no supermercado onde era supervisora e obviamente todos a conheciam, a operadora de caixa de certeza que se lembraria dela...

  19. E sobretudo, assinara o recibo com o seu próprio nome, na medida em que, como já se disse, estava absolutamente, convicta de que o cartão era o seu.

  20. (...) 24.Em face do exposto, a arguida andou a hesitar, sem saber o que fazer, na esperança de contactar directa e pessoalmente com a ofendida, a fim de lhe devolver tudo, pagar o que inadvertidamente gastara, apresentar a sua explicação e as suas desculpas.

  21. Pois, nunca, nem por um minuto, pensou em fazer seu o que encontrara, mas apenas sair daquela embrulhada em que se vira metida, conservando o emprego e o seu bom nome.

  22. E de facto, mal encontrou a ofendida, pagou-lhe, explicou-lhe e apresentou as suas desculpas.

  23. O que a ofendida disse aceitar.

  24. Entretanto, como as coisas já se tinham sabido, a arguida tomou a iniciativa de se despedir, antes que a entidade patronal o fizesse." Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, pela qual se decidiu: a)Condenar a arguida, como autora material, de um crime de furto p. e p. no art. 203, n.º 1 do C. Penal, na redacção do DL 48/95, de 15/03, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 700$00; b)Absolver a arguida do crime de abuso de cartão de crédito de que vinha acusada; c)Condenar a arguida em 14.000$00 de taxa de justiça e nas custas do processo, com ¼ de procuradoria a favor dos SSMJ, e em 1% da taxa de justiça, nos...

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