Acórdão nº 026820 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Maio de 2002
Magistrado Responsável | BENJAMIM RODRIGUES |
Data da Resolução | 15 de Maio de 2002 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam os juízes desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A - O relatório 1. O MINISTÉRIO PÚBLICO, dizendo-se inconformado com a sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa (5º Juízo), de 21/09/2001, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade A..., L.DA, contra a liquidação da licença de publicidade e de via pública relativa aos anos de 1997, 1998 e 1999, efectuada pela Câmara Municipal de Lisboa, no valor de 1 834 072$00, dele recorre directamente para esta formação judicial, pedindo a sua revogação.
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O recorrente refuta o decidido com base nas razões que sintetizou nas seguintes conclusões das suas alegações: "1ª - Pela douta sentença recorrida foi entendido considerar improcedente a presente impugnação sustentando que se está perante uma taxa e não um imposto.
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- Tem vindo a ser entendido pelo Tribunal Constitucional que as normas municipais regulamentares que criaram as taxas de publicidade sem prévia autorização legislativa são inconstitucionais, por violação do disposto nos art.ºs 106º n.º 2 e 168º n.º 1 al. i) da C.R.P..
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- Assim, as importâncias lançadas pela Câmara Municipal de Lisboa a título de taxas são verdadeiros impostos.
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- Tal entendimento, tem vindo a ser acolhido pelo Tribunal Central Administrativo, nas situações em que a publicidade se encontra implantada em propriedade privada, não havendo assim qualquer contrapartida por parte da C.M.L..
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- A douta decisão recorrida ao entender serem devidas as importâncias reclamadas no título executivo, violou os preceitos legais anteriormente referidos.
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- Deve, pois, a douta sentença recorrida ser substituída por outra que considere inexigível as importâncias reclamadas pela Câmara Municipal de Lisboa".
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A Fazenda Pública contra-alegou sustentando o não provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, é tempo de decidir.
B - A fundamentação 4. A questão decidenda É a de saber se o tributo sindicado que foi liquidado à impugnante ao abrigo dos art.ºs 3º e 16º do Regulamento de Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa, constante do Edital n.º 35/92 que foi publicado no Diário Municipal n.º 16 336, de 19/3/1992, tem a natureza de imposto cuja criação ofenda os art.ºs 106º n.º 2 e 168º n.º 1 al. i) da CRP (redacção ao tempo da publicação de tal regulamento) ou, ao invés, se trata de uma taxa.
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O quadro de facto Os factos que a sentença recorrida deu como provados são os seguintes: a) Em 12/01/1996 a impugnante requereu à Câmara Municipal de Lisboa (CML) uma licença para instalação de um reclamo e frisos luminosos nas fachadas do prédio n.ºs ..., da Av. do ..., esquina com Lote ... da Rua ..., em Lisboa, a qual lhe foi deferida por Despacho de 18/08/1998 proferido no processo n.º 10510/98 e 33/PUB/96, de carácter anual, automaticamente renovável desde que não se verifique o seu cancelamento - cfr. fls. 16 a 45; b) O prédio identificado em a) que antecede é pertença de particulares, estando arrendado à impugnante que ali desenvolve a sua actividade comercial, constituindo tal reclamo luminoso uma forma de comunicação e promoção junto do público dos bens e serviços que ali a impugnante comercializa - cfr. fls. 108 a 111; c) Pelo ofício n.º 4027/DMIL/DGOEP/98, de 24/08/1998, remetido para o local referido em a) que antecede, comunicaram os serviços da CML à impugnante o deferimento do requerimento e que as taxas seriam emitidas oportunamente - cfr. fls. 43; d) Pelos serviços da CML foi liquidada, para pagamento até 31/05/1999, à impugnante, a título de taxa pela renovação de licença de publicidade sobre anúncio e friso luminosos, referente aos anos de 1997, 1998 e 1999, a quantia de esc. 1 834 072$00, ao abrigo dos artigos 24º e 25º da Tabela de Taxas e outras Receitas Municipais - cfr. fls. 8 a 10 e 57 a 68; e) Os serviços de manutenção da segurança e limpeza dos anúncio e friso luminosos, referidos em a) que antecede, são efectuados por uma empresa particular e pagos pela impugnante - cfr. fls. 108 a 111; f) No Diário Municipal n.º 16 336, de 19/03/1992, foi publicado o Edital nº 35/92, que contém o Regulamento de Publicidade do município de Lisboa - cfr. fls. 46 a 52.
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O mérito do recurso 7.1. A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação por haver considerado, em síntese, que o tributo impugnado tinha a natureza de uma taxa e não de um imposto, pelo que não estava sujeito ao princípio da legalidade de reserva formal de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei emitido a coberto de autorização da mesma, nos termos dos art.ºs 106º n.º 2 e 168º n.º 1 al. i) da CRP (na redacção vigente ao tempo da publicação do regulamento municipal). E tinha a natureza de taxa porque correspondia a uma contraprestação do município pelo exercício do poder de polícia sobre o uso dos instrumentos de difusão susceptíveis de afectar a tranquilidade pública, o sossego público, a segurança e, inclusive, a estética urbana.
7.2. A questão decidenda tem sido objecto de repetida análise jurisprudencial, podendo dizer-se, numa expressão figurada, que os juízes têm andado de "candeia às avessas" entre si. Na verdade, a jurisprudência deste Supremo Tribunal dividiu-se quanto à resposta a dar à questão de saber se os tributos cobrados a esse título têm a natureza de taxas ou de impostos, embora a maioria tenha alinhado por aquela tese. No sentido de que se inserem no tipo tributário das taxas se pronunciaram, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 2/7/97, 26/5/99 e de 29/11/2000, proferidos, respectivamente, nos proc. n.ºs 21 278, 26 555 e 25 470. No sentido de que esse tributo comunga da natureza de imposto é o seu acórdão de 29/3/2000, prolatado no proc.º n.º 20 227 Desta resenha excluem-se, evidentemente, os acórdãos posteriormente proferidos em execução do julgado do Tribunal Constitucional.
. Por sua vez, o Tribunal Constitucional tem mantido uma posição constante de considerar tais tributos como impostos (ou contribuições especiais - é irrelevante a destrinça), para efeitos da sujeição dos mesmos ao princípio da legalidade de reserva de lei formal da Assembleia da República [na versão actual da CRP - art.ºs 103º n.º 2 e 165º n.º 1 al. i)] Neste sentido se têm pronunciado os seus acórdãos n.ºs 558/98 (publicado no D. R. II série, de 11/11/98), n.º 63/99 (publicado no D. R. II Série, de 31/3/99), 32/2000 e 346/2001 que se supõem inéditos.
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Pensamos, todavia, que a problemática deverá ser repensada e decidida em face de novos, e pensamos que decisivos, argumentos que podem alinhar-se em favor da tese de que o tributo aqui em causa tem a natureza de taxa, e cuja valia jurídico-doutrinária nunca vimos repudiada, mormente pela nossa jurisprudência constitucional.
7.3. Vejamos então. Os conceitos de imposto e de taxa, que relevam para efeitos da sujeição ou não ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal da Assembleia da República (ou de decreto-lei do Governo emitido a coberto de autorização do Parlamento), não se acham positivamente definidos. Tratam-se de conceitos pré-constitucionais, de conceitos que foram sendo construídos ao longo dos tempos pela ciência e doutrina do direito fiscal Sobre o tema, cfr. entre outros, Teixeira Ribeiro «Lições de Finanças Públicas», 267 e segs., e na «Revista de Legislação e Jurisprudência», 117º, 3727, 289 e segs., Soares Martinez, «Manual de Direito Fiscal», 34 e segs., Cardoso da Costa, «Curso de Direito Fiscal», 4 e segs., Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, 43 e 44, Alberto Xavier, «Manual de Direito Fiscal», 1º vol., 42 e segs., Maria Margarida Mesquita Palha, Sobre o conceito jurídico de taxa, publicado em Centro de Estudos Fiscais - Comemoração do XV Aniversário - Estudos, 2º Vol., 582 e segs., Sá Gomes «Curso de Direito Fiscal», 92 e segs. e, mais recentemente, Pitta e Cunha, Xavier de Basto e Lobo Xavier, no artigo intitulado Os Conceitos de Taxa e Imposto a propósito de Licenças Municipais, publicado na revista FISCO, n.º 51/52, 3 e segs.).
A nossa lei fundamental adquiri-os com o sentido aí dominantemente construído, com um escopo específico sistemático-funcional Referimo-nos à sujeição dos impostos ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal da AR [actualmente os art.ºs 103. n.º 2 e 165º n.º 1 al. i) da CRP ] e ao modelo de organização do Orçamento (cfr. art.º 105º e 106º da CRP).
. É consabido que, segundo o aí defendido, a diferença específica entre a taxa e o imposto reside, essencialmente em que, na taxa, há um nexo sinalagmático, - outros preferem falar de uma relação de bilateralidade ou um tributo com causa específica individualizada - entre a prestação do obrigado tributário e a contraprestação da autoridade pública, contraprestação esta que se traduz, segundo o defendido por toda a doutrina, na prestação de um serviço público ou no uso de bens públicos e, ainda, para uma parte da doutrina, porventura dominante pela qual alinha o nosso Tribunal Constitucional, na remoção de um limite ou obstáculo jurídico à possibilidade de efectiva utilização de bens semi-públicos por aquele obrigado tributário, ou, para outra parte da doutrina, com, apenas, pela remoção de um limite ou obstáculo jurídico à possibilidade da prática de certa actividade ou gozo de certa situação Posição esta que hoje tem expressão no art.º 4º n.º 2 da Lei Geral Tributária. Sendo o conceito em causa um conceito construído fora do texto da Constituição, parece que o Tribunal Constitucional só poderia recusar a densificação que o legislador ordinário fez se a caracterização feita pelo Tribunal Constitucional representasse a expressão de uma unanimidade doutrinária e isso não se passa. De outro modo, o Tribunal Constitucional não deixa de assumir um papel de alternativa ao legislador ordinário quanto à concepção doutrinária que este entendeu fazer, privilegiando uma concepção doutrinária contra outra.
. No imposto, não se verifica essa sinalagmaticidade entre prestações, pois que o...
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