Acórdão nº 0223/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelANTÓNIO SAMAGAIO
Data da Resolução20 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA 3ª SUBSECÇÃO DA 1ª SECÇÃO DO STA : Proc. nº 223/03.

A..., identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, de 22/10/02, «que homologou as listas definitivas, elaboradas pelo Conselho Ético e Profissional de Odontologia, dos profissionais acreditados e não acreditados no âmbito do processo de regularização dos odontologistas, determinado pela Lei n.º 4/99, de 27 de Janeiro, com a redacção da Lei n.º 16/2002, de 22 de Fevereiro».

O recorrente terminou a sua alegação de recurso, formulando as conclusões seguintes: I - O acto impugnado é inválido por incompetência do seu autor, devendo ser anulado nos termos do disposto no art. 135º do CPA, uma vez que não resulta de qualquer disposição da Lei n.º 4/99, de 27/1, a atribuição desse poder ao Sr. Ministro da Saúde (não se encontrando abrangido por qualquer delegação), nem tal resulta da aplicação de princípios gerais relativos ao exercício da competência administrativa.

II - O acto, objecto de recurso, é inválido por ter procedido a uma restrição ilegal dos meios probatórios admitidos no procedimento administrativo, aflorado no n.º 1 do art. 87º do CPA e nos termos do qual os factos que carecem de prova podem sê-lo por recurso a todos os meios de prova admitidos em direito. Ora, o Conselho Ético e Profissional de Odontologia decidiu restringir o princípio geral do valor probatório no procedimento administrativo de todos os meios em direito admitidos, sem habilitação legal e, sobretudo, através de formas insusceptíveis de derrogar disposições de valor legal. Nestes termos, o acto impugnado é inválido por violação directa do princípio da hierarquia dos actos normativos e, em particular, do n.º 6 do art. 112º da Constituição, devendo, como tal, ser declarado nulo.

III - O despacho recorrido sempre seria inválido por violação de lei, dado desrespeitar a directiva legal, relativa à descoberta da verdade material, subjacente ao princípio do inquisitório, estabelecido no art. 56º do CPA, devendo, consequentemente, ser anulado os termos do art. 135º do mesmo diploma legal.

IV - O acto contestado é também inválido, por violação de lei a que equivale a violação o princípio da proporcionalidade constante do n.º 2 do art. 266º da nossa Lei Fundamental e do art. 5º do CPA, uma vez que procede a uma restrição administrativa os meios com valor probatório no procedimento de acreditação dos odontologistas sem que exista qualquer racionalidade que a suporte, evidenciando-se a sua desnecessidade, desadequação e aleatoriedade.

V - O acto «sub judicio» viola o princípio da igualdade, previsto no n.º 2 do art. 266º da Constituição e no n.º 1 do art. 5º da CPA, uma vez que o Conselho Ético e Profissional de Odontologia valorou como prova admissível em relação a determinados odontologistas documentos (declarações) cujo valor probatório foi desconsiderado em relação ao recorrente. Deste modo, deve o acto em causa ser declarado nulo, nos termos da al. d) do n.º 2 do art. 133º do CPA.

VI - O acto impugnado é ainda inválido por erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que o recorrente reúne todos os requisitos necessários para a acreditação como odontologista: antiguidade relevante e formação profissional. Deste modo, o acto administrativo em questão deve ser anulado de acordo com o disposto no art. 135º do CPA.

VII - Finalmente, o art. 2º da Lei n.º 4/99, de 27/1, ao condicionar retroactivamente a liberdade de acesso à profissão de odontologista, garantida pelo art. 47º da Constituição, viola a regra da retroactividade das restrições de direitos, liberdades e garantias, estabelecida no n.º 3 do art. 18º da nossa Lei Fundamental, bem como o princípio da confiança subjacente ao principio do Estado de Direito democrático. Consequentemente, o acto recorrido, enquanto acto administrativo de aplicação de disposições inconstitucionais, é um acto inválido, devendo ser declarado nulo.

A autoridade recorrida respondeu e contra-alegou, sustentando que o acto não enferma de nenhum dos vícios que lhe são assacados e pronunciando-se, assim, pelo não provimento do recurso.

O Ex.º Magistrado do MºPº emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso, por considerar que procede o vício de incompetência do autor do acto.

À decisão interessam os seguintes factos, que consideramos assentes: 1 - Por aviso publicado na II Série do DR de 9/8/2000, foi aberto o «processo de acreditação de odontologistas - Lei n.º 4/99, de 27 de Janeiro», tendo o Conselho Ético Profissional de Odontologia (CEPO) convidado «todos os odontologistas abrangidos» por essa lei a remeterem-lhe o seu «curriculum vitae» e outros «elementos e documentos».

2 - O recorrente inscreveu-se no processo de acreditação e regularização dos odontologistas, aberto nos termos da Lei n.º 4/99, de 27/1, alterada pela Lei n.º 16/02, de 22/2, tendo junto ao seu requerimento de acreditação para prova do exercício da actividade, os seguintes documentos:

  1. Uma declaração de um médico estomatologista, datada de 19/03/81, certificando que o ora recorrente trabalhara com ele de 1969 a 1976, "adquirindo uma prática da Odontologia bastante boa".

  2. Uma declaração de um médico, datada de 19/1/81, atestando que o recorrente "exerce a sua profissão" de odontologista "na freguesia de ..., concelho da Feira, há mais de cinco anos".

  3. Uma certidão emitida pelo 5º Bairro Fiscal do Porto em 5/9/2000, referindo que o ora recorrente estava colectado em Imposto Profissional nesse serviço das Finanças desde 1978.

    3 - Em anexo à acta da sua VII reunião, realizada em 24/11/2000 e cuja cópia consta de fls. 47 a 49 dos autos, O CEPO estabeleceu a «metodologia da apreciação dos processos de acreditação dos odontologistas ao abrigo da Lei n.º 4/99, de 27 de Janeiro», nela incluindo uma «grelha dos documentos admitidos como prova do exercício há mais de 18 anos da actividade de odontologia».

    4 - Na acta da sua XIII reunião, realizada em 18/10/01 e cuja cópia consta de fls. 50 dos autos, o CEPO deliberou «aceitar também, como documento comprovativo do exercício da profissão há mais de 18 anos, as sentenças judiciais transitadas em julgado que comprovem esse exercício».

    5 - Na acta da sua XIX reunião, realizada em 25/2/02 e cuja cópia consta de fls. 51 dos autos, o CEPO «decidiu considerar, como documentos equiparáveis às sentenças dos tribunais transitadas em julgado, os despachos de arquivamento dos autos e as decisões da Inspecção-Geral do Trabalho, desde que se dê como provado o exercício da actividade de odontologia há mais de 18 anos à data da entrada em vigor da Lei n.º 4/99, de 27 de Janeiro».

    6 - Em data indeterminada, o CEPO elaborou o projecto de decisão relativo ao pedido de acreditação do ora recorrente, projecto esse cuja cópia consta de fls. 116 dos autos e cujo conteúdo útil é o seguinte: «O requerente encontra-se inscrito ao abrigo do Despacho n.º 1/90, de 3 de Janeiro (DR, 2.ª Série, de 23 de Janeiro de 1990).

    O requerente apresentou como comprovativo do exercício da actividade de odontologia há pelo menos 18 anos declaração de entidade particular (médico) e certidão da repartição de finanças sem referência à actividade.

    O CEPO decidiu aceitar, como prova do exercício da actividade de odontologia há pelo menos 18 anos, contados a partir da data de entrada em vigor da Lei n.º 4/99, de 27 de Janeiro, alterada pela Lei n.º 16/2002, de 22 de Fevereiro, os documentos mencionados nas actas VII, XIII e XIX.

    Da análise do processo do requerente, o CEPO entende que os documentos apresentados não fazem prova suficiente do exercício da actividade de odontologia há pelo menos 18 anos.

    Assim, o requerente não reúne um dos requisitos estabelecidos no art. 2º da Lei n.º 4/99, de 27 de Janeiro, alterada pela Lei n.º 16/2002, de 22 de fevereiro, pelo que não será acreditado como odontologista.» 7 - Notificado para se pronunciar sobre esse projecto de decisão, o ora recorrente nada disse.

    8 - Em 9/8/02, o CEPO deliberou o seguinte relativamente ao pedido de acreditação do recorrente: «A..., requerente da acreditação como odontologista, após a notificação da proposta de decisão realizada nos termos do art. 100º do CPA, não respondeu nem juntou outro documento. Mantém-se, pois, a proposta de decisão no sentido do indeferimento, devendo ser negada a acreditação".

    9 - Na sua XXIV reunião, realizada em 3/9/02, o CEPO deu «por concluído todo o processo de avaliação dos candidatos ao título profissional de odontologista», figurando o ora recorrente na lista n.º 1 anexa a essa acta, que incluía os «candidatos que não preenchem os requisitos legais para acreditação».

    10 - A mesma acta continha em anexo as listas n.º 2 (que incluía os «candidatos que preenchem os requisitos legais para acreditação») e n.º 3 (que incluía os «odontologistas legalizados ao abrigo dos despachos de 28 de Janeiro de 1977 e 30 de Julho de 1982»).

    11 - Em 22/10/02, o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde apôs, sobre as listas referidas, o despacho «homologo».

    12 - Essas listas foram publicadas na II Série do DR de 22/11/02, mediante aviso da iniciativa do Departamento de Modernização e Recursos da Saúde..

    13 - Na II Série do DR de 31/5/02, foi publicado o Despacho n.º 12.376/2002, e 6/5/02, em que o Ministro da Saúde delegou naquele Secretário de Estado as suas competências próprias relativas aos vários «serviços e organismos, incluindo comissões, conselhos e estruturas de missão, exceptuando parcerias de saúde, que funcionam no seu âmbito», entre os quais se inclui o Departamento de Modernização e Recursos da Saúde.

    Passemos ao direito.

    O âmbito do presente recurso contencioso consiste nos vícios arguidos «in initio» e mantidos pelo recorrente nas conclusões da sua alegação. Tendo em conta o que se estabelece no art. 57º da LPTA, começaremos por atentar no vício inserto na conclusão VII, por ser o único potencialmente causal da nulidade do acto. Se porventura esse vício improceder, conheceremos, segundo...

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