Acórdão nº 0170/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução05 de Maio de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório A..., com melhor identificação nos autos, vem recorrer do acórdão da 3.ª Subsecção deste Tribunal, de 11.2.04, que negou provimento ao recurso contencioso que interpôs do despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, de 22.10.02, que homologou as listas definitivas elaboradas pelo Conselho Ético e Profissional de Odontologia dos profissionais acreditados e não acreditados no âmbito do processo de regularização dos odontologistas, determinado pela Lei n.º 4/99, de 27.1, com a redacção da Lei n.º 16/02, de 22.2.

Terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões: I- O acórdão recorrido devia ter anulado o acto impugnado, por incompetência do seu autor, nos termos do Art.º 135.º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que não resulta de quaisquer disposições constantes da Lei n.º 4/99, de 27 de Janeiro, a atribuição de tal poder ao Senhor Ministro da Saúde, nem tal é inferível a partir dos princípios gerais relativos ao exercício da competência administrativa. Pelo contrário, da alínea a) do Art.º 5.º daquele diploma parece indiciada a competência do Conselho Ético e Profissional de Odontologia.

Ao não ter procedido como indicado, o acórdão impugnado incorreu em erro de julgamento, no sentido do n.º 2 do Art.º 690.º do C.P.C., e deve ser revogado.

II- O acórdão recorrido devia ter anulado o acto impugnado, por violação de lei, nos termos do Art.º 135.º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que as restrições probatórias constantes das actas das reuniões do júri são ilegais por violarem a regra do Art.º 87.º do C.P.A., dado que, sem cobertura legal, afastam a ponderação da potencialidade probatória de documentos que não se enquadrem nas categorias indicadas, para além de afastarem a viabilidade de relevância de outros meios de prova.

Ao não ter procedido como indicado, o acórdão impugnado incorreu em erro de julgamento, no sentido do n.º 2 do Art.º 690.º do C.P.C., e deve ser revogado.

III- O acórdão recorrido procedeu a uma errada interpretação dos elementos procedimentais uma vez que resulta do processo administrativo que o júri não procedeu a qualquer ponderação dos elementos probatórios apresentados pelo recorrente, tendo-se limitado a considerar que não faziam prova suficiente, porque não integravam as categorias reputadas admissíveis.

Ao ter procedido como indicado, o acórdão impugnado incorreu em erro de julgamento, no sentido do n.º 2 do Art.º 690.º do C.P.C., e deve ser revogado.

IV- O acórdão recorrido devia ter declarado nulo o acto administrativo impugnado, nos termos da alínea do Art.º 133.º do Código do Procedimento Administrativo, por se tratar de acto que aplica disposições inconstitucionais, uma vez que o Art.º 2.º da Lei n.º 4/99, de 27 de Janeiro, condiciona retroactivamente a liberdade de acesso à profissão de odontologista conforme garantida pelo Art.º 47.º da Constituição, violando expressamente a regra da não retroactividade das restrições de direitos, liberdades e garantias estabelecida no n.º 3 do Art.º 18.º da Constituição, bem como o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático.

Ao não ter procedido como indicado, o acórdão impugnado incorreu em erro de julgamento, no sentido do n.º 2 do Art.º 690.º do C.P.C., e deve ser revogado.

V- O acórdão recorrido devia ter anulado o acto objecto do anterior recurso contencioso de anulação, uma vez que este é inválido por violação do princípio da boa-fé previsto no n.º 2 do Art.º 266.º da Constituição e no Art.º 6.ª-A do Código do Procedimento Administrativo, a que corresponde o "venire contra factum proprium" administrativo consubstanciado na desconsideração de reconhecimentos administrativos anteriores, uma vez que o recorrente se encontra inscrito como odontologista no Departamento de Recursos Humanos da Saúde, ao abrigo do disposto no Despacho Normativo n.º 1/90, de 23 de Janeiro, da Senhora Ministra da Saúde, com efeitos reportados a data anterior, tendo o Ministério reconhecido, desde então, o exercício desta profissão pelo recorrente bem como a sua qualificação.

A autoridade recorrida terminou assim a sua contra-alegação:

  1. Tendo a competência de ser definida por lei ou regulamento (art.29.º n.º 1, do C.P.A.), é de concluir que a única solução que tem suporte normativo é a de reconhecer competência primária para decidir sobre a acreditação a que se refere a Lei n.º 4/99 ao Senhor Ministro da Saúde, como órgão máximo do Ministério cujos órgãos se consideram competentes para acreditar profissionais de odontologia.

b) Por outro lado, como resulta da matéria de facto fixada, ocorreu uma delegação de competência do Senhor Ministro da Saúde no Senhor Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, que abrange as suas competências relativas ao Departamento de Modernização e Recursos da Saúde, em que se engloba a matéria em causa, pelo que está assegurada a competência deste membro do Governo para a prática do acto recorrido (art. 35.º, n.º 1, do C.P.A.).

c) Por isso, o acto recorrido não enferma do vício de incompetência que o Recorrente lhe imputa, pelo que improcede o invocado erro de julgamento que enferma o acórdão impugnado, no sentido do n.º 2 do art. 690.º do CPC, devendo, em consequência, manter-se na ordem jurídica.

d) A interpretação do art. 87.º do CPA à luz dos critérios fixados no art. 9.º do C. Civil conduz à sua qualificação como norma atributiva de poderes discricionários à Administração, no sentido de lhe permitir o recurso a todos os meios de prova nos procedimentos a seu cargo, em consonância, aliás, com o princípio do inquisitório, consagrado no art. 56.º do CPA, temperado pelo também princípio da liberdade de apreciação de provas, com recusa de tudo o que lhe for impertinente (cf. Arts. 57° e 88.º/2 e 89.º do CPA).

e) Neste contexto, o Conselho dentro da liberdade de escolher os meios de prova que entendeu úteis, pôde legalmente determinar, quais os documentos que eram admitidos para a produção de prova do exercício há mais de 18 anos de actividade de odontologista, com o claro objectivo de assegurar a transparência e objectividade do processo em causa mediante a eleição de critérios rigorosos e antecipadamente definidos através dum processo prévio de apreciação e selecção dos meios probatórios admissíveis assente numa criteriosa análise e adequada valorização do seu mérito.

f) O presente recurso contencioso não tem por objectivo levar a cabo a fiscalização abstracta da legalidade da actuação da Administração (como é objectivo dos processos de ilegalidade de normas), mas sim apreciar a legalidade em concreto dessa actuação.

g) Ora, na situação em apreço, não só as alegadas restrições de meios probatórios foram decididas pela Administração já depois de apresentadas as candidaturas apresentadas pelos interessados, que, por isso, apresentaram as provas que entenderam, sem qualquer limitação, como se constata que a declaração de substituição de início de actividade que o Recorrente apresentou foi tomada em consideração pelo Conselho Ético e Profissional de Odontologia, que avaliou o seu valor probatório, tendo este Conselho entendido que ela provava o contrário do que pretendia o Recorrente, isto é, provava que ele não tinha iniciado o exercício da actividade em 10.11.1979, como nela se diz (fls. 139).

h) Assim, não tem suporte fáctico a imputação ao acto recorrido, pelo Recorrente, do vício de violação de lei com base em alegada restrição ilegal dos meios probatórios admissíveis em procedimento administrativo, pelo que improcede o invocado erro de julgamento de que, relativamente a esta matéria, padece o douto acórdão recorrido, devendo, por isso, o mesmo e em consequência, manter-se na ordem jurídica.

i) Igualmente improcede o alegado erro de julgamento de que padece a sentença recorrida ao denegar a verificação da violação da regra da não retroactividade das restrições de direitos liberdades e garantias estabelecidas no n.º 3 do art. 18.º da Constituição, bem como o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático, sendo certo que no caso vertente, e tal como ficou cabalmente demonstrado no acórdão sub-judice, não se está perante qualquer das situações de retroactividade, propriamente dita, pois o regime introduzido pela Lei n.º 4/99, não afecta casos julgados ou situações em que os titulares de direitos dispõem de um título que lhe atribua especial segurança, nem elimina quaisquer efeitos jurídicos produzidos antes da sua entrada em vigor por qualquer acto ou facto jurídico, apenas condicionando para o futuro, a possibilidade de exercício da actividade profissional de odontologista.

j) Assim, não é aplicável ao caso a proibição de retroactividade que consta do art. 18.º, n.º 3, da C.R.P., só podendo estar em causa uma violação do princípio da confiança, se tiverem sido afectadas expectativas juridicamente criadas, de forma a que os que exerciam de facto a profissão de odontologistas não pudessem razoavelmente contar.

O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal pronunciou-se no sentido da manutenção do julgado.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

II Factos Matéria de facto fixada na Subsecção: a) o Recorrente exerce a profissão de odontologista; b) O Recorrente, dentro do prazo de 8 dias previsto no Despacho n.º 1/90, da Senhora Ministra da...

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