Acórdão nº 0222/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução18 de Junho de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A..., SA, com sede na Avenida ..., nº ..., requereu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (TAFL) a intimação da Autoridade da Concorrência (AdC) para que lhe facultasse a consulta do processo de supervisão respeitante à avaliação das eventuais implicações jusconcorrenciais do processo de separação da mesma A... e das sociedades por elas controladas e bem assim cópia integral do estudo efectuado pela Adc a pedido do ICP-ANACOM.

Por sentença de 24.6.08 (fls. 262, ss., dos autos), o TAFL indeferiu totalmente o pedido de intimação, quer quanto à consulta do processo quer quanto à pretendida cópia integral do referido estudo.

Inconformada, a requerente A... impugnou tal decisão junto do Tribunal Central Administrativo-Sul (TCAS) que, por acórdão de 27.2.08 (fls. 418, ss., dos autos), concedeu provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença e intimando a entidade requerida a permitir, no prazo de cinco dias, a consulta pela requerente A... do indicado processo de supervisão e a emitir, no mesmo prazo, cópia simples integral do estudo por aquela efectuado a pedido do ICP-ANACOM.

A requerida Adc interpôs, então, recurso de revista, nos termos do art. 150º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), tendo apresentado alegação (fls. 512 a 569, dos autos), com as seguintes conclusões: I. Vem AdC interpor Recurso de Revista do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido nos presentes autos em 27 de Novembro de 2008, para a Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA e artigo 24.º, n.º 2 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o qual deverá subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos dos artigos 140.º, 143.º, 147.º e 150.º do CPTA.

  1. O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa proferiu a douta Sentença de fls. 274, pela qual julgou a acção totalmente improcedente, indeferindo os pedidos de intimação, apresentados pela A... contra a AdC, quer quanto à consulta do processo, quer quanto à emissão de cópia da versão integral do estudo supra mencionado, solução que reputamos correcta e consentânea com o regime legal aplicável.

  2. O Tribunal Central Administrativo Sul, por Acórdão proferido em 27 de Novembro de 2008, a fls...., revogou a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, com o consequente deferimento do pedido de intimação formulado pela A... no respectivo Requerimento inicial, intimando a AdC para que esta, no prazo máximo de cinco dias, permita a consulta pela A... do processo de supervisão em causa nos autos e emita, no mesmo prazo, cópia simples da versão integral do estudo efectuado pela AdC a pedido do ICP-Anacom e enviado a este último, solução com a qual a AdC não se conforma.

  3. As questões jurídicas em causa nestes autos são, em síntese, as seguintes: - A natureza da actividade de supervisão estatutariamente atribuída à AdC e, em especial, a questão de saber se todas as actividades de supervisão configuram necessariamente e, em todos os casos, sem distinção, procedimentos administrativos e se as entidades supervisionadas têm sempre direito de acesso a todos os elementos constantes dos respectivos processos de supervisão, incluindo a elementos considerados confidenciais pela entidade que desencadeou o processo de supervisão e pelos prestadores da informação; - A questão de saber se os particulares têm direito de acesso a toda a troca de correspondência, ou elementos, entre entidades públicas que efectuem tais trocas ao abrigo da respectiva cooperação institucional, e em particular, se a AdC está obrigada a facultar aos particulares estudos que tenha preparado a pedido de outras entidades e que não integrem procedimentos em curso na AdC ou, por outras palavras, se a AdC está obrigada a facultar aos particulares elementos que se insiram em procedimentos a correr em outras entidades públicas; - A questão de saber se a AdC estará obrigada a divulgar aos particulares a informação que as entidades prestadoras (dessa informação) consideraram confidencial e que a própria AdC também considera confidencial.

  4. As mencionadas questões prendem-se com a interpretação de normas constantes da Lei n.º 18/2003, a saber, os artigos 17.º e 18.º e, em particular, o n.º 1, alínea d) do preceito legal por último referido, e artigo 20.º; os artigos 7.º e 36.º dos Estatutos da AdC, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 10/2003, e da respectiva conjugação com os artigos 1.º, 62.º, 63.º, 65.º e 120.º CPA, e LADA, mormente dos respectivos artigos 6.º, n.º 3 (sendo que esta última norma devia ter sido aplicada ao caso pelo Acórdão Recorrido e não o foi) e 7.º, n.º 4, sendo entendimento da AdC que todas as referidas normas saíram violadas pela interpretação e aplicação que lhes foi dada pelo Acórdão Recorrido.

  5. Podendo estas questões vir a colocar-se com muita frequência, em número incerto de casos, e com sérias repercussões para o interesse público e a missão prosseguida pela AdC, bem como graves prejuízos na esfera jurídica dos prestadores da informação considerada confidencial, caso essa divulgação seja efectuada fora do tempo e do contexto legal correcto. Aliás, a correcta compreensão dos deveres que cabem à AdC na prossecução das várias actividades de supervisão - actividade esta que se reveste de grande importância, para a prossecução do interesse público, e de grande frequência de aplicação - apresenta relevância não só jurídica mas também social.

  6. Acresce que as questões em apreço não se encontram resolvidas nas instâncias judiciais no que toca à problemática da interpretação conjugada de todas a supra mencionadas normas constantes dos Estatutos da AdC, da Lei n.º 18/2003, do CPA e da LADA, sendo que os referidos dois arestos - a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e o Acórdão Recorrido - apresentam total contradição no que respeita ao entendimento jurídico adoptado a propósito das mencionadas questões, criando-se, assim, incerteza jurídica sobre matérias de grande relevância jurídica e social, que se reflecte tanto no plano das expectativas dos particulares como no plano da prossecução do interesse público por parte da AdC.

  7. Independentemente da enorme importância que assume a resolução da controvérsia interpretativa, em causa nos presentes autos, por parte deste Alto Tribunal, com potencialidade de se aplicar em inúmeros casos futuros, a AdC tem efectivo interesse processual na alteração da solução dada ao caso concreto pelo Acórdão Recorrido.

  8. Compulsando a jurisprudência deste Alto Tribunal, somos a concluir que o caso em apreço apresenta analogia de pressupostos em relação a outros casos em que foi admitido o recurso de revista, designadamente os seguintes: Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo proferidos nos processos n.ºs 223/07, 295/07, 786/03, 584/08, 998/08, 896/07, 977/08, 978/08, 1015/08 e 1024/08, todos de 27.11.2008; 616/08, de 13.11.2008; 845/08 e 905/08, de 12.11.2008; 999/08, de 19.11.2008; 865/08, de 22.10.2008; 819/08, 841/08 e 842/08, de 15.10.2008.

  9. Por conseguinte, encontram-se preenchidos os pressupostos, previstos no art. 150.º, números 1 e 2 do CPTA de admissão do presente Recurso de Revista: está em causa, nos presentes autos, a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, assume importância fundamental; a admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; e verificou-se, no Acórdão Recorrido, violação de lei substantiva.

  10. Subscreve-se, na totalidade, o entendimento expresso a fls. 266 a 271 da Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa - e que constitui um dos motivos da discordância da AdC relativamente ao entendimento perfilhado no Acórdão Recorrido - no sentido de que nem a todas as actividades de supervisão corresponde necessariamente um procedimento administrativo: cabe distinguir entre poderes de supervisão em que haja decisão e dos que não haja, sendo que só os segundos configuram um procedimento administrativo. Esta distinção é da maior importância para o cabal enquadramento dos poderes de supervisão da AdC. Assume particular relevância, para a questão em apreço nos presentes autos, a consideração de que um estudo não se qualifica como uma decisão administrativa no sentido de "acto administrativo", não se aplicando, em consequência, o artigo 61.º do CPA. Estão em causa, no artigo 7.º dos Estatutos da AdC, várias possíveis actividades de supervisão - as constantes das três alíneas deste n.º 3 do art.º 7.º, sendo que as actividades referidas na alínea a) são diversificadas e amplas, no que toca ao respectivo objecto e âmbito.

  11. Na óptica da AdC, nem todas as actividades compreendidas nas diversas alíneas daquela disposição legal consubstanciam procedimentos administrativos porque não constituem uma sucessão de actos tendentes à tomada da decisão final prevista no artigo 120º do CPA: por exemplo, os estudos ou análises, bem como a recolha continuada de informações (acompanhamento contínuo de mercados) coligidas de diversas fontes, só por si, não constituirão uma sucessão de actos tendentes à tomada de decisão que possa afectar um particular.

  12. A concreta actividade de supervisão em causa nos presentes autos, desencadeada pela AdC, não constitui um procedimento administrativo na acepção do n.º 1 do art.º 1.º do CPA, sendo que a informação recolhida constitui informação não procedimental, cujo regime legal se encontra plasmado na LADA. Como muito bem concluiu a Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em regra, apenas as formas de exercício da supervisão que culminem em decisões seguem as regras do procedimento administrativo comum do CPA (incluindo, portanto, as regras relativas ao exercício do direito de informação procedimental e o acesso ao processo administrativo). Daqui se...

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