Acórdão nº 01053/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelMIRANDA DE PACHECO
Data da Resolução19 de Maio de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1- “A…, Lda.” vem recorrer para este Pleno do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21/04/09, que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara improcedente uma impugnação judicial.

Invoca como fundamento do recurso o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 13/11/2002, recurso n.º 977/02.

Por despacho do Exmo Relator do Tribunal Central Administrativo Sul concluiu-se existir a invocada oposição de julgados, tendo sido as partes notificadas para apresentar alegações nos termos do artigo 284.º, n.º 5 do CPPT.

A recorrente apresentou alegações em que conclui do modo seguinte: 1. Encontram-se preenchidos os requisitos dos quais depende a admissão do presente recurso por oposição de acórdãos, já que ambos foram proferidos no âmbito da mesma legislação - artigo 60.° da Lei Geral Tributária e Decreto-Lei 43/98, de 3 de Março - respeitam as mesmas questões fundamentais - existência ou não de preenchimento do direito de audição prévia do contribuinte através da participação de um seu representante numa comissão de avaliação e a possibilidade do contribuinte poder influenciar após a comissão de avaliação a liquidação; respeitam a soluções, expressamente, opostas, bem como foram decididas num quadro factual idêntico.

  1. Resulta dos factos provados que a liquidação de contribuição especial foi efectuada pela Administração Fiscal, exclusivamente, com base em elementos, totalmente, exteriores à vontade da Recorrente. De facto, todos os elementos constantes do termo de avaliação a fls. 11 a 14 do apenso da reclamação graciosa foram trazidos pela Administração Tributária, limitando-se o contribuinte a indicar um perito para estar presente nessa avaliação. Resulta, assim, dos autos que em todo o procedimento nunca foi concedido ao contribuinte qualquer oportunidade de ser ouvido previamente à liquidação, sendo certo que a Recorrente só teve conhecimento dos termos da avaliação no dia em que foi notificada para proceder ao pagamento da contribuição especial.

  2. Face aos factos provados a principal questão a analisar no presente recurso é pois a de saber se, nas circunstâncias acabadas de descrever, a Administração Fiscal estava ou não obrigada a cumprir o disposto no artigo 60.° da LGT, isto é, estava obrigada a notificar a Recorrente para que esta pudesse exercer o direito de audição prévia.

  3. O artigo 60.° da L.G.T. transpôs para o procedimento tributário o princípio constitucional da participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes dizem respeito, expresso no artigo 267.° n.° 5 da Constituição da República Portuguesa. Assim, nos termos da referida norma, mormente do disposto no artigo 600 n.° 1 a), da L.G.T., a Administração Fiscal antes de liquidar a contribuição especial deve ouvir o contribuinte.

  4. O Tribunal a quo, na seu douto acórdão, considerou que a audição prévia no processo de liquidação de contribuição especial é realizada através da intervenção do contribuinte ou do seu representante na comissão de avaliação a que alude o art. 2.°, 40 e 6.° do Regulamento da Contribuição Especial, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 43/98, sendo que tal intervenção estaria a coberto da expressão do artigo 60.° da L.G.T. que refere “sempre que a lei não prescrever em sentido diverso”.

    Ora, tal interpretação é totalmente contrária, quer à ratio do artigo 267.° n.° 5 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) quer à ratio do próprio princípio da participação do administrado nas decisões ou deliberações que lhe disserem respeito, já que a “alegada” audição prévia nunca poder ser realizada numa fase de instrução do procedimento, mas apenas numa fase de pré-decisão.

    É, assim, inconstitucional, por violação do artigo 267.° n.° 5 da Constituição da República Portuguesa, a disposição inserta no n.° 1 e 2 do artigo 4.° do Regulamento Anexo ao Decreto-Lei n.° 43/98, de 3 de Março, conjugado com os artigos 57 n.° 1 e 60.° do Decreto-Lei n.° 398/98, de 17 de Dezembro (Lei Geral Tributária), quando interpretados no sentido de que a intervenção de um perito do contribuinte na comissão referida nesse artigo é suficiente para se considerar preenchido o princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.

    Assim sendo, o douto acórdão fez uma incorrecta e inconstitucional interpretação e aplicação da lei aos factos, mormente, do disposto no artigos 267.° n.° 5 da Constituição da República Portuguesa, do artigo 60.° n.° 1 e n.° 4 e 16.° n.° 1 da L.G.T., do artigo 100.º e 103.° do Código do Procedimento Administrativo e dos artigos 2.°, 4.° e 6.° do Regulamento da Contribuição Especial, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 43/98.

    VI.

    In casu a liquidação impugnada, quer abstracta quer objectivamente, podia ser contestada através do exercício do direito de audição pela Recorrente, já que só esta poderia aferir correctamente, a título de exemplo, sobre o valor m2 de construção - em 1994 e à data do pedido de licenciamento -, sobre a área de construção efectivamente edificada, o n.° de fogos efectivamente edificados, a volumetria de construção efectivamente edificada, elementos estes que; apenas, constam do alvará de construção sob a forma de previsão, sendo estes, habitualmente, alterados em função da obra efectivamente edificada.

  5. Da mesma forma, em caso algum, poder-se-á considerar que a presença de um perito do contribuinte na avaliação efectuada sana o vício de preterição de audição prévia, já que para além de não se encontrarem preenchidos os requisitos do artigo 60.° n.° 1 a) e n.° 3 da L.G.T. , o perito indicado pela Recorrente não estava mandatado para exercer o direito de audição prévia em seu nome e o mesmo interveio, unicamente, num acto prévio de instrução, pelo que, também por isso, em caso algum se poderá considerar que se deu cumprimento ao direito de audição prévia da Recorrente.

    VIII.

    In casu não ocorreram os requisitos que, excepcionalmente, permitem a dispensa do cumprimento do disposto no artigo 60.° da LGT, pelo que o acto impugnado padece de vício de forma, pelo que terá de ser anulado.

  6. Igualmente, não é de aplicar ao caso sub judice o disposto no artigo 103.º do CPA por tal norma não ter aplicação em matéria tributária, na medida em que esta só será de aplicar quando não existam normas procedimentais especiais sobre as matérias nele reguladas. E no caso em apreço existem - o artigo 60.° da LGT.

  7. O princípio do aproveitamento do acto - tão doutamente desenvolvido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo - não é, também, de aplicar in casu já que, como se demonstrou, em sede de audiência prévia, poderia a Recorrente, com toda a certeza, influenciar a posição da Administração Fiscal em inúmeros aspectos: a área do prédio; a área bruta de construção (prevista e edificada); o n.° de fogos (previstos e edificados); o n.° de estacionamentos (previstos e edificados); a volumetria da construção (prevista e edificada); o valor m2, estimado, da construção a 1 de Janeiro de 1994; o valor m2, estimado, de construção à data do pedido de licenciamento; as infra-estruturas envolventes, etc. Sendo, assim, decisiva a influência da Recorrente quer na fixação da matéria colectável objecto da taxa quer mesmo no controlo da operação aritmética que...

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