Acórdão nº 0416/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelPIRES ESTEVES
Data da Resolução02 de Novembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A…., sociedade comercial, com sede na Av. …, 3060 – … Cantanhede, nos termos do artº100º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, propôs acção administrativa especial de contencioso pré-contratual contra o Hospital do Arcebispo João Crisóstomo, com sede na Rua Padre Américo - apartado 61 – em 3061-909, Cantanhede, B…, com sede social no … – …, 4471 – … Maia e C…, com sede na Av. …, 1649-… Lisboa, pedindo que, com fundamento em violação de lei, a anulação da deliberação do Conselho de Administração do Hospital do Arcebispo João Crisóstomo que adjudicou à D… a aquisição de uma solução de comunicação integral, que inclua o serviço fixo e móvel e que o réu hospital se abstenha de celebrar o contrato de adjudicação da empreitada em causa.

Por sentença do TAF de Coimbra de 4/12/2009 (fls. 217 a 231) foi julgada improcedente a acção proposta e absolvida a entidade demandada do pedido.

Não se conformando com esta sentença da mesma interpôs recurso jurisdicional a A... e por acórdão do Tribunal Central Administrativo - Norte (doravante, TCAN) de 25 de Fevereiro de 2010 foi negado provimento a tal recurso.

Deste acórdão do TCAN interpôs a A... o presente recurso de revista excepcional.

Este recurso jurisdicional foi admitido por acórdão deste STA de 2/6/2010 (fls. 447 a 449).

A recorrente A..., nas suas alegações formula as seguintes conclusões:

  1. O presente recurso é interposto porque, no entender da ora recorrente, constitui questão da mais ampla relevância social saber se, em sede de ajuste directo, é lícito ao júri, ao apreciar as propostas apresentadas, definindo os factores e respectiva quantificação mesmo depois de conhecidas as propostas e, consequentemente, os concorrentes.

  2. O acórdão recorrido entende que sim, tendo-se nele escrito que “mostra-se igualmente cumprido o disposto na al.b), do n°2 do artº115º do CCP, independentemente do júri posteriormente (depois de conhecidas as propostas) haver decidido quanto aos quatro factores «Características técnicas», «Preço»,, « Valor da retoma» e «Manutenção correctiva» fraccioná-los numa escala de 1 a 100 pontos nos termos supra transcritos”.

  3. Face ao teor do artº115º n°2, al. b) do CCP, sobretudo quando cotejado com o art°132° nº1, al. n) do mesmo CCP, o Júri tem plenos poderes para fixar, como bem entender, a densificação dos subfactores, podendo considerar os subfactores que entender, sem que tenha a obrigação de os dar a conhecer aos concorrentes antes de conhecer as propostas deles, pelo que é lícito, em tese geral e sem referência ao caso concreto, ao Júri — sem violar o princípio da imparcialidade — moldar as grelhas de apreciação das propostas, considerando relevantes subfactores que possam favorecer a proposta de qualquer concorrente, bem como densificá-los de forma a atribuir a característica de proposta mais vantajosa a uma proposta que pretenda colocar em primeiro lugar.

  4. Entende, porém, a ora recorrente que, mesmo em sede de ajuste directo, continuam a aplicar-se as regras do procedimento administrativo, em especial os seus princípios gerais, consagrados nos artigos 3° a 12° do CPA e se, no âmbito do ajuste directo, do convite deve constar “o critério de adjudicação e os eventuais factores e subfactores que o densificam, não sendo, porem, necessário um modelo de avaliação das propostas”, pelo facto de não ser necessário que conste do convite ou do programa do procedimento de ajuste directo, a indicação dos subfactores e a sua densificação, ou seja, o modo de avaliação que, no âmbito do concurso público, devem constar directamente do programa de concurso, isso não significa que o júri não deva pautar a sua acção pelos princípios da transparência e da imparcialidade, que se exigem para todos os procedimentos públicos.

  5. Como consta do Ac. do STA (Pleno) de 23/5/2006, proferido no recurso 1328/03, “o simples risco de lesão e o perigo parcialidade, constituem fundamento bastante para a anulação, mesmo que se desconheça, em concreto, a efectiva violação dos interesses de algum concorrente” e esse risco existe efectivamente quando no mesmo acto se quantificam as notações dos subfactores e se procede à classificação dos concorrentes, pois há o risco de essa quantificação ter sido determinada pelo conhecimento prévio das propostas.

  6. Violou o acórdão ora recorrido o art°6° do CPA, onde o júri quantificou os factores de selecção, depois de conhecidas as propostas concorrentes.

  7. Face a estas situações e à frequência com que se usa e vai passar a usar do ajuste directo na contratação pública, trata-se de uma questão que poderá colocar-se muitas vezes, pelo que é matéria de reconhecida importância para todas as pessoas, singulares ou colectivas, que concorrem a situações concursais da Administração Pública, segundo o método do ajuste directo.

  8. Por outro lado, não se conhece qualquer decisão deste STA sobre a questão em debate, a qual se reveste de complexidade bastante para justificar a intervenção deste Supremo Tribunal, em ordem a contribuir para uma melhor aplicação do direito e clarificar uma situação que pode degenerar em situação de frequente suspeita sobre as entidades públicas que lancem ajustes directos, com os consequentes efeitos nocivos sobre o bom nome da Administração Pública.

  9. Por fim, está claramente em causa a moralização dos comportamentos da Administração Pública, num momento em que essas situações estão na ordem do dia, pelo que se verificam todas as circunstâncias que permitem o recurso de revista excepcional previsto no artº150º do CPTA, onde se determina que “das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, pelo que deve ser admitido o presente recurso excepcional de revista.

  10. Como já se referiu nos artigos 28º a 30° da petição inicial, impõe-se que a quantificação dos subfactores preceda o conhecimento das propostas apresentadas, pois, como se alcança do Ac. do STA (Pleno) de 23/5/2006, proferido no recurso 1328/03, no qual foi decidido que “o simples risco de lesão e o perigo parcialidade constituem fundamento bastante para a anulação, mesmo que se desconheça em concreto a efectiva violação dos interesses de algum concorrente”.

  11. Esse risco existe efectivamente quando no mesmo acto se quantificam as notações dos subfactores e se procede à classificação dos concorrentes e há o risco de essa quantificação ter sido determinada pelo conhecimento prévio das propostas e existem várias situações, elencadas, nessa petição inicial que demonstram que esse conhecimento determinou a notação quantificada.

  12. Tal como se apresenta a decisão do Júri pode respeitar o princípio da objectividade, mas não garante a imparcialidade desse mesmo Júri, pelo que, por violar o princípio da imparcialidade, previsto no art°6° do CPA, deve ser anulado o acto recorrido, pelo que, nesta parte, a sentença recorrida deve ser revogada.

  13. Verifica-se, também, que na questão do prazo de garantia, a sentença recorrida não considerou devidamente o caderno de encargos, pois no art°15º do Caderno de Encargos é referido expressamente que “os concorrentes obrigam-se a indicar o prazo de garantia para todos os equipamentos, módulos ou solução propostos, durante este período do garantia a manutenção será gratuita”, o que significa que a questão do prazo de garantia também foi posto à concorrência, ao contrário do que erradamente se refere na sentença recorrida.

  14. Só a autora A… aceita uma garantia de 24 meses da central por si proposta fornecer e as restantes concorrentes apenas aceitam uma garantia de 12 meses.

  15. Se se entender, como a decisão recorrida, que o prazo legal de garantia é sempre e só de 2 anos, como emerge do Dec. Lei nº67/2003, de 8 de Abril, então os concorrentes que apresentaram um prazo de garantia menor deviam ter sido excluídos, nos termos do art°70°, nº2, al. b) do Código dos Contratos Públicos, segundo o qual “são excluídas as propostas cuja análise revele que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspectos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos a concorrência”, pelo que não deviam ter sido aceites as propostas, quer da C…, quer da D….

  16. Ao indicarem prazos de garantia inferiores aos legalmente admissíveis, deviam ter sido rejeitadas as propostas da D… e da C…, pelo que, por ilegalidade deve ser anulado o acto recorrido, pelo que, nesta parte, a sentença recorrida deve ser revogada.

  17. O preço proposto pela A. foi de 9.301,00 Euros, mas sobre esse preço, a A. declarou que fazia um “desconto de 10% sobre total da proposta -930,10euros ” -, tendo no final da sua proposta declarado por extenso qual o valor da proposta “são: oito mil trezentos e setenta euros e noventa cêntimos”.

  18. Nos termos do art°60°, nº2 do Código dos Contratos Públicos: “quando os preços constantes da proposta forem também indicados por extenso, em caso de divergência, estes prevalecem, para todos os efeitos, sobre os indicados em algarismos”.

  19. Assim sendo, por força do legalmente determinado a proposta da A. é de 8.370.90 euros (oito mil. trezentos e setenta euros e noventa cêntimos) e este preço é inferior ao preço considerado pela contra-interessada que ficou em lº lugar, ou seja, 8.454,70 euros.

  20. Ao serem considerados preços, em violação das normas legais aplicáveis, como o disposto no art°60º nº2 do Código dos Contratos Públicos, deveria a proposta da A. ser classificada em 1° lugar por ser mais baixa que as outras propostas apresentadas, pelo que, por ilegalidade deve ser anulado o acto recorrido, pelo que, nesta...

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