Acórdão nº 00899/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Janeiro de 2005 (caso None)

Magistrado ResponsávelEugénio Sequeira
Data da Resolução17 de Janeiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. O Relatório.

    1. O Exmo Director Geral dos Impostos, identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa - 2 (Loures) que concedeu provimento ao recurso interposto por M...contra o seu despacho de 13.7.2005, que lhe derrogou o sigilo bancário, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem: 1) A douta sentença recorrida, ao decidir conceder provimento ao recurso, não analisou correctamente a questão a decidir nem fez uma correcta interpretação e apreciação da matéria probatória constante dos autos, enfermando por isso de erro de julgamento, motivo pelo qual não deve ser mantida.

    2) Assim, não deverá ser dada razão ao douto Tribunal "a quo", quando considera que o acto do Director-Geral dos Impostos que autorizou o acesso da administração tributária à documentação bancária do contribuinte, carece da fundamentação legalmente exigida pelo art°63°-B nº2 alínea c) da LGT no tocante à existência de indícios da prática de crime doloso, previsto no artº 103° do RGIT e à verificação da condição de punibilidade quanto à vantagem patrimonial de valor superior a €7500.

    3) O ora recorrente considera, ao invés, verificados os pressupostos legais mencionados no artº 63°-B, nº2, alínea c) da LGT, fundamentadores da decisão ora revogada, sendo que tal raciocínio decorre directamente da prova produzida nos autos, que na sua maior parte o Tribunal acolheu, pelo que não podemos deixar de constatar que existe uma manifesta contradição entre aquela e a decisão final expendida.

    4) Decorrem da matéria dada como provada indícios da prática de crime doloso em matéria tributária, claramente enquadráveis na previsão do art°103° do RGIT, estando também reunidos os restantes pressupostos de derrogação do sigilo bancário, de acordo com o disposto na alínea c) do nº2 do art°63°-B da LGT.

    5) Apenas com a matéria dada como assente, poderia a sentença ora recorrida ter decidido de outro modo, uma vez que demonstra por si só a existência de graves indícios da prática de crime fiscal, o que ocorre sempre que um contribuinte de algum modo contribui para a ocultação de valores acima de um determinado montante, da sua declaração de rendimentos ou da declaração de terceiros.

    6) E que ocorre em relação ao montante, não declarado, do cheque depositado em conta de que o recorrido é titular, de valor consideravelmente superior a €7500, verificando--se a correspondente condição de punibilidade quanto à vantagem patrimonial.

    7) De facto, deverá concluir-se pela existência de fortes indícios de omissão de valores declarados na escritura de compra e venda da fracção autónoma em causa, praticada em benefício de todos os intervenientes que assim actuaram conluiados, traduzindo-se esse benefício em vantagens patrimoniais indevidas em sede de IRS, de IRC e de sisa para o adquirente.

    8) Só através da actuação do recorrido, ainda que em conluio com terceiros e na qualidade de sócio-gerente da firma, foi possível ao mesmo tempo, auferir um lucro individual de montante não identificado e não tributado, diminuir a matéria tributável da sociedade vendedora cujos corpos sociais integra e permitir ao mesmo tempo, que o adquirente da fracção visse diminuído o montante de imposto a pagar sobre a transacção do imóvel.

    9) No tocante ao valor do cheque, não podemos concordar que o mesmo apenas se possa considerar em 1/4 do seu valor, porquanto não foi pelo recorrido aduzido qualquer elemento ou facto concreto que permita concluir que essa seria a percentagem do seu ganho ou vantagem patrimonial em detrimento de qualquer outra, não perdendo de vista que o valor absoluto do cheque se cifra em €39.405,03, facto este indubitavelmente provado.

    10)Na verdade não se sabe, porque estamos na presença de meros indícios, qual foi o destino final do montante de €7.900.000$00/€39.405,03 e como já se sublinhou, este montante poderá constituir tanto lucro da empresa vendedora, no valor total de €39.405,03, portanto superior a €7.500, como poderá ter tido como destino as contas individuais dos sócios, não se sabendo em que medida nem em que montante, não se podendo presumir que a parte que coube ao recorrido foi de valor inferior àquele exigido pela condição de punibilidade do artº 103° do RGIT.

    11) É também legítima a conclusão referente à prática reiterada deste tipo de actuação, atento o carácter profissional e empresarial das transacções desenvolvidas pela sociedade (que só nesse prédio detinha 53 fracções) e a qualidade de gerente/administrador do recorrente.

    12) É pois forçoso concluir que os factos apresentados, dispõem por si só de suficiente consistência e aptidão para criar a certeza sobre a verificação dos pressupostos previstos no art°63°-B nº2 alíneas c) da LGT, uma vez que existem não só factos que indiciam a prática de crime doloso em matéria tributária, como existem também factos concretamente identificados gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado, resultantes de uma conduta ilegítima voltada para a obtenção de vantagens patrimoniais indevidas em sede de IRS, de IRC e de imposto municipal de SISA.

    13)Deverá considerar-se também legítimo o acesso da administração tributária à documentação bancária do contribuinte, ainda que a Douta sentença recorrida não se tenha debruçado sobre esta matéria.

    14)E isto porque os dados aqui em causa, são dados que o adquirente da fracção pôde legitimamente disponibilizar porque respeitam a dois documentos bancários cujo titular é o BES e emitidos a seu favor, ainda que posteriormente endossados e depositados em contas de terceiros. Logo, o seu acesso não depende sequer de autorização do recorrido, uma vez que são documentos titulados por um terceiro.

    15)Pelo que, se a entidade bancária entendeu disponibilizar esta informação, fê-lo porque esta ainda se encontra no âmbito da autorização de consulta dada pelos adquirentes da fracção, uma vez que a identificação dos destinatários do montante dos cheques que titularam a transacção, faz ainda parte da movimentação dos montantes provenientes das suas contas bancárias.

    16)A violação de sigilo bancário, que manifestamente não ocorreu no presente caso, se configura um comportamento ilícito por parte dos seus responsáveis, este, quando existe, apenas é sindicável em processo-crime autónomo, não determinando por isso nem a nulidade do procedimento inspectivo, nem do subsequente procedimento de derrogação de sigilo bancário.

    Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas, deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, considerar válido, nos seus precisos termos, o despacho do Senhor Director Geral dos Impostos revogado pela sentença recorrida.

    Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.

    Também o recorrido veio a apresentar as suas alegações e respectivas conclusões, defendendo a bondade do decidido, as quais, igualmente na íntegra, se reproduzem:

    1. A utilização de fichas de clientes sem autorização dos próprios (por revogada), e sem que outrem lhes pudesse facultar o seu acesso, (artigo 79° nº1 do RGIT), configura violação do sigilo bancário que inquina todo o processado e é passível de responsabilização penal, a mais de implicar entendimento inconstitucional daquela norma por violação do princípio da proporcionalidade (artigos 18º, nº2 e 266° nº2 da CRP).

    b) O questionar de montantes alegadamente provenientes de um negócio de compra e venda de um imóvel, compra essa que não foi questionada, nomeadamente à posteriori com uma liquidação adicional de SISA a ser paga pelo adquirente do imóvel, equivale a começar pelo fim e, nessa medida, é violador dos princípios do procedimento tributário: (artigo 55° da LGT).

    c) A douta sentença recorrida reconheceu que os requisitos da alínea c) do n. ° 2 do artigo 63°-B da LGT eram de verificação cumulativa, não tendo o Recorrente elidido a presunção de veracidade do declarado (artigo 75º n.° 1 da LGT) nem demonstrado inequivocamente que existiu uma vantagem patrimonial ilegítima igual ou superior a 7.500 Euros do Recorrido, e não dos restantes contitulares da conta bancária, como condição de punibilidade nos termos do n. ° 2 do artigo 103° do RGJT; d) A douta sentença recorrida fez uma interpretação correcta de que para existir uma vantagem patrimonial ilegítima que se traduz no montante do imposto que seria devido e não a totalidade do montante depositado na conta bancária conjunta, deveria a Recorrente ter concretizado quais os valores que o Recorrido deveria ter pago e a que título.

    e) A douta sentença recorrida não violou o disposto no artigo 103º n.º2, do RGJT, a Recorrente limitou-se a alegar conclusões contraditórias: por um lado que o montante do cheque de 7.900.000$00 foi depositado numa conta conjunta dos 4 gerentes sem concretizar qual o valor da vantagem ilegítima, por outro só terá existido vantagem patrimonial ilegítima do Recorrido não declarada sem que para tal concretize e especifique quais são os valores ilegítimos e os factos integradores da existência de qualquer indicio de qualquer ilícito imputável exclusivamente ao Recorrente e não aos restantes sócios gerentes e contitulares da conta bancária.

    j) As normas do artigo 63°-B, n. ° 2, al. c), da LGT são inconstitucionais se entendidas, no sentido de que o despacho...

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