Acórdão nº 02/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelMÁRIO RUA DIAS
Data da Resolução27 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os Juizes Conselheiros no Tribunal de Conflitos 1. Relatório A..., casada, desempregada, moradora ao ..., n.º ..., Santo António, Funchal, propôs no Tribunal do Trabalho do Funchal a presente acção com processo comum contra República Bolivariana da Venezuela, com Consulado na Rua do Aljube, n.º 7, 2.º, Funchal, alegando, em síntese, que: foi admitida em Outubro de 1977 para prestar serviços de escritório à ré, tendo sido despedida por carta de 13/11/2001; que a Ré procedeu ao pagamento das contribuições para a Segurança Social relativas aos período de 1993 a 2000, mas não das contribuições relativas ao período de 1977 a 1992, tendo retido as verbas a isso destinadas, mas provenientes de anos anteriores, o que prejudica a Autora no seu direito à reforma.

Termina pedindo que a Ré seja condenada a regularizar os pagamentos das contribuições à Segurança Social, no montante global actual de € 134.330,19 (cento e trinta e quatro mil trezentos e trinta euros e dezanove cêntimos), por forma a que a Autora, como beneficiária n.º 034262888 da Segurança Social, venha a auferir reforma por velhice, correspondente aos efectivos anos de trabalho prestados desde 1977 e aos descontos sociais legais devidos à Segurança Social.

Contestou a Ré, por impugnação e por excepção, invocando a prescrição de todas as prestações relativas ao período de 1977 a 1993 e que o diferendo deveria ser resolvido por via diplomática, nos termos da contestação de fls. 22 a 25.

*A A. respondeu à matéria da excepção, nos termos da resposta de fls. 36 a 38, sustentando, no essencial, que de nada vale invocar a prescrição perante a autora que não é a credora das prestações e que pretende, com a acção, que a ré pague as prestações anteriores a 1992, não estando o credor impedido de as receber.

No despacho saneador, o juiz do tribunal de 1ª instância considerou-se habilitado a conhecer do mérito da acção, sem realizar audiência de julgamento e, proferiu decisão em que julgou improcedente a excepção da prescrição e julgou procedente a acção, condenando a Ré no pedido.

Não se conformando com tal decisão, a ré interpôs recurso de apelação, vindo o Tribunal da Relação de Lisboa a proferir acórdão em que julgou o Tribunal do Trabalho do Funchal incompetente, em razão da matéria, para conhecer da acção intentada pela A., A..., contra a Ré, República Bolivariana da Venezuela, e absolveu esta da instância, ao abrigo do disposto no artigo 105°, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Inconformada com a decisão, a A. interpôs recurso de revista para o STJ, formulando nas suas alegações as seguintes Conclusões: - Pelos fundamentos e pelo pedido, a acção intentada pela autora constitui uma acção declarativa de condenação e não uma acção executiva, baseada em título executivo.

- Do outro lado, não tendo o Estado, ou os Serviços de Segurança Social, acautelado a cobrança coerciva, por via executiva, dos seus créditos junto da R., não está a A. inibida de ver assegurado o seu direito a uma pensão de velhice, ajustada ao seu tempo de actividade profissional, com o restauro, por parte da R., da obrigação contida no art. 60º da Lei 17/2000, de 8 de Agosto.

- Aliás, o pagamento das contribuições prescritas pode ser assegurado nos termos do Art. 9º do D. L. N° 124/84, de 18 de Abril.

- Concluindo, violados foram, pelo douto acórdão recorrido, os Arts. 4º, alínea b), do C. Proc. Civil, Arts. 3º, 14º, 60º e 63º, da Lei N° 17/2000, de 8/8 e os Arts. 52º e 63º da Constituição da República.

*A Ré não apresentou contra-alegações.

*Conclusos os autos ao Ex.mo Conselheiro Relator no Supremo Tribunal de Justiça, veio este a proferir despacho, no qual, por considerar verificada a situação prevista no art. 107º, n.º 2 do C PC, não admitiu o recurso interposto para o STJ e ordenou a remessa dos autos para o Tribunal dos Conflitos.

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de que terá de ser no âmbito da jurisdição do tribunal do trabalho, enquanto jurisdição comum, que deve ser apreciada a pretensão da autora e se tem ou não os direitos que se arroga.

*Notificadas as partes para se pronunciarem sobre o parecer do Ministério Público, apenas a A. veio dizer que concorda com o parecer emitido.

*Mostram-se obtidos os vistos dos Ex.mos Juizes Conselheiros intervenientes no processo.

*Cumpre decidir.

*2. Fundamentação 2.1. A questão decidenda*Constitui tarefa deste Tribunal dos Conflitos decidir a questão da competência, em razão da matéria, sobre que se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa - ao julgar o Tribunal do Trabalho do Funchal incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente acção, por considerar competentes para o conhecimento destas acções os tribunais administrativos e fiscais - e fixar qual o tribunal competente para apreciar e decidir a presente acção, dirimindo este "impróprio" (Na verdade, o "conflito" que é objecto da presente intervenção do Tribunal de Conflitos, não se subsume a um conflito negativo de jurisdição no sentido rigoroso que lhe é atribuído pelo art. 115° do CPC, pois que os tribunais administrativos e fiscais não se pronunciaram sobre a sua competência, só o tendo feito o Tribunal da Relação. A competência do Tribunal dos Conflitos resulta do disposto no art. 107°, n.º 2 do CPC, cujas regras relativas à fixação do tribunal competente apenas operam se não estiver pendente em outro tribunal acção idêntica aquela onde foi suscitada a questão da incompetência, tendo uma função preventiva de conflitos de jurisdição.) conflito de jurisdição nos termos do disposto no art. 107º, n.º 2 do CPC.

Haverá, pois, que decidir se a presente causa se inscreve na competência jurisdicional dos Tribunais Administrativos e Fiscais ou na competência jurisdicional dos Tribunais Judiciais Comuns (nos quais se incluem, desde a Lei n.º 82/77 de 6 de Dezembro, como tribunais de competência especializada, os Tribunais do Trabalho).

*2.2. As regras delimitadoras da competência em razão da matéria dos Tribunais Comuns e dos Tribunais Administrativos e Fiscais*São as leis orgânicas e estatutárias específicas que distribuem por cada categoria ou espécies de tribunais a sua medida de jurisdição, ou seja, determinam a categoria de pleitos que a cada um deles é destinada.

Neste sentido, a competência dos tribunais, em geral, resulta da medida de jurisdição atribuída aos diversos tribunais, do modo como entre si fraccionam e repartem o poder jurisdicional que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais (Vide Manuel de Andrade, in "Noções Elementares de Processo Civil", ed. de 1979, pp.88-89.).

As regras de competência judiciária "ratione materiae" são assim as atinentes à distribuição das matérias pelas diversas espécies de tribunais dispostos "horizontalmente" (Vide o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 114/2000, de 22 de Fevereiro (in BMJ 494/48).).

*Vejamos como é perspectivada a questão da competência em razão da matéria dos tribunais comuns no âmbito da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro, alterada pela Lei n.º 101/99 de 26 de Julho, pelos Dec. Lei n.º 323/2001 de 17 de Dezembro, n.º 38/2003 de 8 de Março e n.º 105/2003 de 10 de Dezembro).

Conforme estabelece o art. 18º, n.º 1 da LOFTJ: "São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional".

Este preceito está em consonância com o "princípio da plenitude da jurisdição comum" consagrado no art. 211º, n.º 1 da CRP, de acordo com o qual os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.

Entre os tribunais judiciais a que se reporta a LOFTJ, encontram-se os Tribunais do Trabalho - cfr. os arts. 64º, 78º e 85º e ss.

A competência especializada do Tribunal do Trabalho encontra-se definida no art. 85°, desta Lei, norma de acordo com a qual, compete a estes tribunais conhecer, em matéria cível, entre outras: " b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho; (...) i) Das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais; (...) o) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente;" Verifica-se, do modo como se encontra enunciada a regra geral contida no art. 18.º, n.º 1, que a competência dos tribunais judiciais comuns é residual, só se verificando quando as regras reguladoras da competência de outra ordem jurisdicional não abarcam o conhecimento da questão que é submetida à apreciação do tribunal.

Quanto à aplicação da lei no tempo neste âmbito, dispõe o art. 22º da LOFTJ que: "1 - A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.

2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa."*Em matéria de competência dos tribunais administrativos e fiscais, a Lei Fundamental circunscreve a sua competência ao domínio das "relações jurídicas administrativas" - art. 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, com a redacção da revisão constitucional de 1989 (Lei Constitucional n.º 1/89 de 8.8.) e a numeração da revisão constitucional de 1997 (Lei Constitucional n.º 1/97 de 20.9).

Como ensina o Prof. Freitas do Amaral (In "Lições de Direito Administrativo", edição policopiada...

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