Acórdão nº 01/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Junho de 2005 (caso None)

Magistrado ResponsávelANGELINA DOMINGUES
Data da Resolução29 de Junho de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Tribunal de Conflitos 1.1. A... propôs, no Tribunal de Trabalho do Funchal, contra a República Bolivariana da Venezuela acção com forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré a regularizar os pagamentos das Contribuições à Segurança Social, no montante global de 5.342.431$00 (26.647,93 euros), por forma a que a Autora, como beneficiária da Segurança Social, venha a auferir reforma por velhice, correspondente aos efectivos anos de trabalho prestados desde 1979 e os descontos sociais legais e devidos à Segurança Social.

Alegou, em síntese, que foi admitida ao serviço da Ré em 2 de Dezembro de 1979 para lhe prestar serviços de escritório e secretariado, tendo sido despedida por carta de 14.3.02.

Que a Ré procedeu ao pagamento das contribuições para a Segurança Social relativas ao período de 1993 a 2000, mas não das contribuições relativas ao período de 1979 a 1992, tendo retido as verbas a tal destinadas.

1.2. A acção foi considerada procedente pelo Tribunal de Trabalho do Funchal e condenada a Ré no pedido.

1.3. Inconformada, a Ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de fls. 121 e segs, com fundamento na incompetência dos Tribunais de Trabalho (em razão de matéria), para conhecer da acção, por a mesma estar atribuída aos Tribunais Administrativos e Fiscais, absolveu a Ré da instância.

1.4. No Tribunal dos Conflitos, o Exmº Magistrado do Mº Público emitiu parecer no sentido de que deverá decidir-se o presente conflito, com a atribuição da competência, em razão de matéria, para o julgamento da acção em causa, aos tribunais administrativos e fiscais, concretamente aos Tribunais Tributários, na linha da orientação perfilhada no acórdão de 27.10.04, Conflito 2/04.

  1. Obtidos os vistos dos Exmºs Conselheiros intervenientes no processo cumpre decidir.

    2.1. Como resulta do antecedente relato, constitui objecto do presente processo decidir a questão da competência, em razão da matéria, sobre que se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa - julgando o Tribunal de Trabalho do Funchal incompetente, em razão de matéria, para conhecer da presente acção, por considerar competentes para o conhecimento destas acções os tribunais administrativos e fiscais - e fixar qual o tribunal competente para apreciar e decidir a acção em causa, dirimindo este conflito "impróprio" de jurisdição.

    Sobre questão em tudo idêntica à dos presentes autos se pronunciou este Tribunal de Conflitos, no ac. de 27.10.04, conflito 2/04 (trata-se, inclusivamente, de acção intentada contra a mesma Ré, no mesmo T. de Trabalho do Funchal, cuja sentença foi também revogada pelo T. da Relação de Lisboa, com base nos mesmos motivos enunciados no acórdão proferido na presente acção, sendo também coincidentes as conclusões do recurso da agravante).

    Transcrever-se-á, pois, a fundamentação constante daquele douto aresto, com a qual inteiramente se concorda, e a que, pelo seu desenvolvimento, se torna inútil aditar algo mais.

    2.2. «As regras delimitadoras da competência em razão da matéria dos Tribunais Comuns e dos Tribunais Administrativos e Fiscais * São as leis orgânicas e estatutárias específicas que distribuem por cada categoria ou espécies de tribunais a sua medida de jurisdição, ou seja, determinam a categoria de pleitos que a cada um deles é destinada.

    Neste sentido, a competência dos tribunais, em geral, resulta da medida de jurisdição atribuída aos diversos tribunais, do modo como entre si fraccionam e repartem o poder jurisdicional que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais (Vide Manuel de Andrade, in "Noções Elementares de Processo Civil", ed. de 1979, pp.88-89.).

    As regras de competência judiciária "ratione materiae" são assim as atinentes à distribuição das matérias pelas diversas espécies de tribunais dispostos "horizontalmente" (Vide o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 114/2000, de 22 de Fevereiro (in BMJ 494/48).).

    * Vejamos como é perspectivada a questão da competência em razão da matéria dos tribunais comuns no âmbito da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro, alterada pela Lei n.º 101/99 de 26 de Julho, pelos Dec. Lei n.º 323/2001 de 17 de Dezembro, n.º 38/2003 de 8 de Março e n.º 105/2003 de 10 de Dezembro).

    Conforme estabelece o art. 18º, n.º 1 da LOFTJ: "São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional".

    Este preceito está em consonância com o "princípio da plenitude da jurisdição comum" consagrado no art. 211º, n.º 1 da CRP, de acordo com o qual os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.

    Entre os tribunais judiciais a que se reporta a LOFTJ, encontram-se os Tribunais do Trabalho - cfr. os arts. 64º, 78º e 85º e ss.

    A competência especializada do Tribunal do Trabalho encontra-se definida no art. 85°, desta Lei, norma de acordo com a qual, compete a estes tribunais conhecer, em matéria cível, entre outras: " b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho; (...) i) Das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais; (...) o) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente;" Verifica-se, do modo como se encontra enunciada a regra geral contida no art. 18.º, n.º 1, que a competência dos tribunais judiciais comuns é residual, só se verificando quando as regras reguladoras da competência de outra ordem jurisdicional não abarcam o conhecimento da questão que é submetida à apreciação do tribunal.

    Quanto à aplicação da lei no tempo neste âmbito, dispõe o art. 22º da LOFTJ que: "1 - A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.

    2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa." * Em matéria de competência dos tribunais administrativos e fiscais, a Lei Fundamental circunscreve a sua competência ao domínio das "relações jurídicas administrativas" - art. 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, com a redacção da revisão constitucional de 1989 (Lei Constitucional n.º 1/89 de 8.8.) e a numeração da revisão constitucional de 1997 (Lei Constitucional n.º 1/97 de 20.9).

    Como ensina o Prof. Freitas do Amaral (In "Lições de Direito Administrativo", edição policopiada, p. 423.), a "relação jurídica de direito administrativo" é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração, perante os particulares, ou aquela que atribui direitos ou impõe deveres públicos, aos particulares, perante a administração.

    É este o pano de fundo orientador da actuação legislativa no âmbito da competência dos tribunais administrativos e fiscais, sendo de salientar que a área do contencioso administrativo foi objecto de profundas e recentes alterações, encontrando-se neste momento já revogadas as leis delimitadoras de competência vigentes à data da propositura da presente acção.

    Na verdade, a Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, aprovou um novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2004 (cfr. o art. 4º da Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro) e revogou, no seu art. 8º, o ETAF aprovado pelo DL nº 129/84 de 27 de Abril.

    Contudo, através da disposição transitória contida no seu art. 4º, n.º 1, estabeleceu que as disposições do novo Estatuto "não se aplicam aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor".

    Assim, atendendo a que a petição inicial desta acção deu entrada na secretaria do Tribunal do Trabalho do Funchal em 24 de Setembro de 2002 (Conforme carimbo constante do rosto da petição inicial de fls. 2.), não há que entrar em linha de conta com as regras do contencioso administrativo actualmente em vigor, designadamente as constantes do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002 (e alterado pelas Leis n.ºs 4-A/2003 de 19 de Fevereiro e 107-D/2003 de 31 de Dezembro).

    À data da propositura da acção, a competência jurisdicional dos Tribunais Administrativos e Fiscais estava traçada pelo ETAF, aprovado pelo DL nº 129/84, de 27 de Abril (entretanto, também objecto de várias alterações).

    De acordo com o art. 3º deste diploma: "Incumbe aos tribunais administrativos e fiscais, na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais".

    No art. 4º do mesmo diploma, traçam-se os limites da jurisdição administrativa e fiscal, excluindo-se, designadamente, da mesma "as questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa colectiva de direito público".

    Relativamente à competência dos tribunais administrativos de círculo, o art. 51º, nº 1, al. f) conferia, a estes, a competência para o conhecimento das "acções para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido".

    Quanto aos tribunais tributários, também o art. 62º, n.º 1, al. m) do ETAF (na redacção que lhe foi conferida pelo DL n.º 229/96 de 29 de Novembro)...

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