Acórdão nº 0619/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A…, melhor identificada nos autos, veio interpor recurso de revista, nos termos do art. 150 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão do Tribunal Central Administrativo-Norte (TCA-N), que confirmou a sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, na qual foi julgada improcedente acção administrativa, que a ora recorrente propôs contra o Município do Porto, pedindo que fosse declarada «anulada e/ou nula (por violação de princípios fundamentais e de lei e por erro nos pressupostos) a decisão do Vice-presidente e Vereador com o pelouro da habitação da Câmara Municipal do Porto em 13 de Setembro de 2004 sob referência 173/2004-DPH de proceder ao desalojamento da requerente e seu agregado do fogo que habita e condenar a ré a substituir tal decisão por outra em que reconheça que a A. ocupa legitimamente o imóvel em causa».

Apresentou alegação (fls. 547 a 555, dos autos), na qual formulou as seguintes conclusões: 1 - Merece o douto aresto posto em crise a censura que a recorrente lhe dirige, que vai de matéria de facto a matéria de direito.

2 - O Tribunal a quo erra quando entenda que o acto impugnado não padece dos vícios apontados de violação dos princípios da legalidade, da justiça, da boa fé e da decisão por parte da Administração, bem como do direito do interessado a intervir no procedimento (em virtude de aquela não ter sido tido em conta a defesa que a A. apresentara em sede de audiência prévia ao projecto de decisão que se consubstanciou na não audição das testemunhas arroladas, bem como, ao não ter atendido à documentação junta na mesma sede).

3 - O Tribunal recorrido erra quando sufragou o entendimento segundo o qual as diligências requeridas pela A. na defesa escrita que apresentou ao projecto de decisão de 6/11/2003 dos serviços da Câmara Municipal do Porto, e não admitidas, eram despiciendas e não eram aptas a influir na decisão administrativa, considerando, em consequência, que bem andou a R. ao não promovê-las.

4 - A Administração encontra-se vinculada à pronúncia sobre todas as questões que lhe são colocadas, não lhe sendo permitido a priori elaborar juízos de prognose sobre as consequências jurídicas que a alegação de determinados factos têm na decisão a tomar, quando até a própria matéria jurídica não é pacífica, havendo entendimentos divergentes quanto à matéria que regula a habitação social, evitando a produção de prova, que assente, poderá conduzir a uma solução absolutamente diversa da que acabou por tomar.

5 - O próprio comando legal respectivo admite excepções que permitem o acolhimento por licenciados - excepções que se pretenderam provar.

6 - O executivo camarário acolheu sem limitações a disciplina geral do RAU quanto à matéria da revogação e caducidade da revogação, sendo que os factos que se invocaram e se pretenderam provar são de molde a que se desse por provada tal instituto jurídico e suas consequências.

7 - A Administração ao não ter promovido as diligências solicitadas e ao não ter sequer respondido a todas as questões levantadas violou a obrigação a que se encontra adstrita de não tomar decisões arbitrárias e de permitir ao administrado poder entender como foi obtida a decisão e o seu significado, viciando a validade da sua decisão.

8 - Com as testemunhas arroladas a A. pretendia provar o grau de dependência pessoal e financeira para com os licenciados, a integração no mesmo agregado, bem como demonstrar o tempo de convivência com os mesmos e seus filhos naquele imóvel, o que, provado resultaria o direito a não mais ser despejada.

9 - O regime da revogação e da caducidade da revogação do RAU aplica-se a este tipo de arrendamento.

10 - O executivo camarário do Porto escolheu e determinou que aos arrendamentos de cariz económico se aplica o regime da revogação e respectiva caducidade do RAU no seu todo, que expressamente determina as situações em que o mesmo é admitido e o prazo em que os factos que o permitem têm de ser imperativamente exercidos.

11- O executivo camarário não adoptou apenas parte do regime da revogação e respectiva caducidade do regime geral para aquele tipo de arrendamento.

12 - Está vedado à Administração e ao Tribunal recorrido apenas aplicar parte daquele regime.

13 - Tendo-o feito, o Tribunal, para além do mais, laborou em erro de julgamento, no atendendo, como devia, aos efeitos que o facto dos licenciados todos os anos se dirigirem a Portugal e ficarem na habitação em causa, de aí manterem todos os seus haveres e de continuarem a pagar a renda, bem como não atendeu ao animus e ao corpus possidendi destes.

14 - Como erradamente no retirou as consequências de que alguém que põe a disposição de outrem a casa, as mobílias e suporta a renda, objectivamente ajuda economicamente essa pessoa.

15 - A decisão recorrida erra ao considerar que a circunstância do licenciado residir na Suíça há mais de cinco anos é absolutamente decisiva para que nenhum direito nasça ou tenha nascido na esfera jurídica da A..

16 - Ao se provar que a A. residiu e, pelo menos, esteve integrada no agregado familiar do licenciado B… por mais de dois anos, nele integrada por motivo ponderoso admitido expressamente pelo DL. de 6 de Novembro de 1945, adquiriu o direito a permanecer no imóvel e a no mais ser despejada (art.º 64º, 2º, c) do RAU ex vi da Deliberação do executivo camarário de 25.06.81).

17 - É juridicamente relevante a circunstância de o Município ter tido conhecimento da situação de que se pretende beneficiar e só mais de um ano após o mesmo é que iniciou o procedimento administrativo tendente ao despejo.

18 - A Administração encontra-se vinculada a prazos para o exercício dos seus direitos, o que constitui uma garantia incontornável dos mais elementares direitos dos cidadãos.

19 - O não ter desencadeado no prazo referido na conclusão n.º 16 tem por consequência a caducidade do (alegado) direito.

20 - Pelo que, a Administração e o Tribunal a quo violam dos artigos 268°, n.º 2 da CRP; 6º e 107º do CPA; art.º 64º, 2, c) e 65, 1 do RAU).

21 - O Tribunal recorrido errou ao entender assistir razão à Administração quando considera a inexistência do direito invocado da Autora e filha ocuparem o fogo em causa, alegando a inexistência do factualismo que conduziria a aplicação do artigo 64º, n.º 1, al. i), e da sua excepção vertida no artigo 64°, n.º 2, al. c) ambos do RAU, v.g., considerando que não bastava a A. que permanecesse com sua filha menor no arrendado, tornando-se necessário a existência de um elo ou de um vínculo de dependência económica entre o arrendatário e eles ou a casa, o que a A. não lograra alegar, pelo que considerou absolutamente inútil a audição das testemunhas arroladas.

22 - O Tribunal recorrido errou no julgamento de facto ao contrariar o teor do documento constante do processo administrativo junto aos autos na resposta que a A. apresentou ao projecto de decisão de 21.11.03 assinado pelo Sr. Vereador com o Pelouro da Habitação da Câmara do Porto, que ali deu entrada em 17.02.04 ao não atender especialmente aos artigos 9º, 11º e 14º daquele resposta, o que impunha que o Tribunal desse por provado a existência de dificuldades financeiras que foram, pelo menos, concausa, a A… e filha terem passado a residir com os licenciados e motivo para ser validamente acolhida pelos licenciados.

23 – O Tribunal recorrido entra em forte contradição quando nos factos dados por provados considera nos n.º 32º a 34º que os licenciados mantêm mobília na casa do Outeiro, usufruída, portanto, pela A. e pelas suas duas filhas menores; que continuam a pagar a renda da casa; e que contribuem para o sustento do lar, factos provados que por si só provam um elo de dependência económica para com os licenciados.

24 - A Administração ao não permitir a inquirição das testemunhas arroladas impediu que a A. provasse tal facto, e como tal, denegou-lhe verdadeiramente o direito a intervir no processo administrativo que muita a afecta, tornando a sua decisão absolutamente ilegal, e que constitui vício da decisão recorrida quanto a questão de direito.

25 - Tais invalidades inquinam mortalmente todo o processado, desde o administrativo ate ao judicial, devendo em consequência ser tudo anulado e determinado que as testemunhas sejam ouvidas em sede administrativa.

26 - O mesmo se refira para a no consideração pelo documento junto na resposta a proposta de decisão camarária, pois que a prova do tempo de coabitação com dependência económica susceptível de ser factor de protecção à A. contra o despejo pretendido.

27 - Da coabitação permanente da A. e de sua filha mais velha com o licenciado e com os seus resultou um direito autónomo da primeira a residir no imóvel em causa, direito constitucionalmente consagrado.

28 - Pelo menos durante alguns anos é indubitável que a A. integrou o agregado familiar de B….

29 - Impunha-se a Administrarão ter permitida a inquirição de testemunhas indicadas pela A. para prova de que o licenciado regressaria a Portugal.

30 - Não pode o Tribunal recorrido substituir-se à Administração nas suas omissões e/ou ilegalidades, convalidando-as.

31 - O Tribunal recorrido errou ao considerar ainda que o despacho impugnado analisou e ponderou todos as argumentos aduzidos pela Autora na sua defesa escrita, dando, assim, cabal cumprimento ao seu direito de participação, e concluindo que o acto impugnado no enferma do vício que a Autora lhe imputa.

32 - A Administração não respondeu, ou pelo menos, não respondeu correctamente no acto impugnado à questão do “elo económico”, quando é manifesto que a A. alegou factos que...

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