Acórdão nº 0894/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução30 de Março de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1. A…, com os demais sinais dos autos, recorre da decisão que, proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, lhe indeferiu liminarmente a Petição Inicial de intimação para um comportamento, deduzida contra a Direcção Geral de Impostos, representada pelo Serviço de Finanças Sintra 2, Algueirão, na qual pede que o Tribunal condene a requerida a: a) suspender a execução fiscal que contra ele corre termos nesse Serviço de Finanças, com o n° 3549200801237993; b) devolver-lhe a quantia de 194,58 Euros (cento e noventa e quatro euros e cinquenta e oito euros) indevida e ilegalmente penhorada.

E mais requer que seja notificada a respectiva entidade patronal para proceder ao imediato cancelamento da penhora de 1/6 do salário do requerente.

1.2. O recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes: 1. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica 3, indeferiu liminarmente o requerimento de intimação para um comportamento requerido pelo ora recorrente, contra o Serviço de Finanças - 2, Algueirão, nos termos do art. 147° do CPPT.

  1. Nessa petição foi requerido que esse serviço de Finanças procedesse ao arquivamento do processo de execução fiscal com o n° 3549200801237993 e cancelasse a penhora de 1/6 do salário do recorrente, destinada a pagar essa quantia exequenda.

  2. Segundo o douto despacho de indeferimento, a petição apresentada pelo recorrente não constituiu fundamento de intimação para um comportamento já que este visa um cumprimento de um dever pela administração fiscal que assenta na prévia definição da existência desse dever, o que não resulta dos autos, resultando controvertido a legalidade do próprio acto tributário e das coimas aplicadas.

  3. Diz ainda o douto despacho recorrido ser insusceptível de convolação dos autos para a forma adequada em resultado de não se verificarem os pressupostos processuais para se proceder a tal adequação, atento as distintas causas de pedir e diferentes as formas de processo adequado.

  4. E, ainda porque há muito se encontrava precludido o prazo para deduzir impugnação judicial ou para recorrer das decisões de aplicação das coimas.

  5. Ora, o requerimento de intimação para um comportamento requerido contra o Serviço de Finanças - 2, Algueirão, nos termos do art. 147° do CPPT, teve como causa de pedir um processo executivo com base na liquidação de IVA e de IRS e, ainda da aplicação de coimas motivadas pela falta dessas declarações, do qual o recorrente não é, minimamente, responsável.

  6. Na verdade, foi apurado, em dois processos-crime - 116/09.3IDLSB e 123/05.0PDLRS - que alguém usurpou a identidade do recorrente agindo em seu nome e sem o seu consentimento, auferiu os rendimentos que motivaram a liquidação do IVA e IRS efectuada pelo Serviço de Finanças e, ainda, a aplicação das coimas por falta das respectivas declarações.

  7. Contrariamente ao que seria expectável e minimamente exigível, o serviço de Finanças de Sintra. 2 - pese embora tivesse concluído que este não tinha auferido os rendimentos que lhe tinham sido imputados através do recurso a métodos indirectos - não arquivou o processo de execução fiscal contra o ora recorrente.

  8. O recorrente é, e sempre foi, um trabalhador assalariado que trabalha como cozinheiro, tendo antes exercido as funções de pedreiro e nunca exerceu quaisquer funções de astrólogo.

  9. Manifestamente, a liquidação do IVA e do IRS e, ainda a aplicação de coimas efectuadas ao recorrente, pelo Serviço de Finanças de Sintra. 2, não têm qualquer fundamento porque baseadas num erro sobre a pessoa responsável pelo seu pagamento.

  10. Não está em causa a legalidade do próprio acto tributário e das coimas aplicadas - como refere o douto despacho - uma vez que a liquidação dos impostos e as coimas a ela associadas devem ser consideradas inexistentes, por estar em causa a legitimidade passiva do recorrente na relação jurídico tributária, tal como apresentada pela administração fiscal, ainda que por erro.

  11. Mas, está em causa um dever da administração fiscal em mandar arquivar o processo executivo fiscal e, bem assim, o cancelamento da penhora do salário do recorrente por estar em causa a legitimidade passiva do recorrente na relação jurídico tributária, tal como apresentada pela administração fiscal, ainda que por erro.

  12. A execução movida pelo serviço de Finanças de Sintra. 2 é, além de inexistente, manifestamente um acto nulo por ofender um conteúdo essencial de um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art. 133°, n° 2, alínea d) do Código de Procedimento Administrativo (CPA) ex-vi art. 2° alínea c) do CPPT.

  13. Pese embora o despacho recorrido reconheça que o recorrente deveria, em tempo, ter recorrido a outros meios processuais de defesa para fazer valer os seus direitos, o recorrente não pode conformar-se com o facto de a execução fiscal ter prosseguido quando estão em causa rendimentos e contribuições a que o recorrente é completamente alheio e cuja responsabilidade pelo seu pagamento nunca lhe deveria ter sido assacada.

  14. Aliás, tendo a administração fiscal recorrida reconhecido, em sede de investigação criminal, que as coimas e os impostos apurados não eram da responsabilidade do ora recorrente, por tais responsabilidades se terem ficado a dever à usurpação da sua identidade e consequente uso do seu nome sem o seu consentimento, era humanamente expectável que essa mesma administração mandasse, não só arquivar a execução fiscal contra o recorrente, mas também que se abstivesse de ordenar uma penhora do salário do executado por saber não ser este o responsável pelo seu pagamento.

  15. Diz o art. 18° n° 3 da Lei Geral Tributária que o sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.

  16. O recorrente não está vinculado ao cumprimento das prestações tributárias que indevidamente lhe foram liquidadas, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável, como aliás, amplamente reconhecido pela própria administração fiscal, nos dois processos crimes movidos contra o ora recorrente.

  17. Por outro lado, o art. 103° da Constituição (CRP) estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.

  18. A penhora do vencimento do salário do recorrente consubstancia, in totu, uma violação e uma ofensa a um conteúdo essencial de um direito fundamental de natureza análoga, como é o direito de não pagar impostos que violem esse dispositivo constitucional.

  19. Ademais, só em finais de Julho de 2010 é que o executado, ora recorrente, foi notificado da penhora do seu salário, pela sua entidade patronal, não podendo, como é evidente, nessa data, socorrer-se de outros meios processuais legalmente previstos.

  20. Tanto mais que o executado estava plenamente convencido que a administração fiscal iria, como seria expectável, cancelar a execução contra si movida, por manifesta falta de fundamento, atendendo à sua ilegitimidade de sujeito passivo na relação tributária nessa execução.

  21. Por outro lado, ao requerer a intimação para um comportamento, o recorrente visou atacar o acto que determinou a penhora do seu vencimento, emanado em 9 de Julho de 2010, pelo Serviço de Finanças de Sintra-2.

  22. Existe assim uma manifesta omissão da administração fiscal no cancelamento e arquivamento da execução fiscal e, posteriormente, na abstenção de mandar prosseguir essa execução fiscal através da penhora de 1/6 do salário do recorrente.

  23. Diz o art. 147°, n° l do CPPT que "Em caso de omissão, por parte da administração tributária, do dever de qualquer prestação jurídica susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, poderá o interessado requerer a sua intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal tributário competente".

  24. Esta intimação para um comportamento tem natureza subsidiária, sendo apenas aplicável quando, vistos os restantes meios contenciosos previstos no CPPT, ele for o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos ou interesses em causa (n° 2 desse mesmo art. 147°).

  25. É o próprio despacho recorrido que expressamente afirma que não existe no CPPT qualquer outro meio processual que possa assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos ou interesses do recorrente, nomeadamente, por preclusão do prazo para o requerente poder usar qualquer outro meio processual previsto no CPPT.

  26. Sem por em causa a fundamentação do doutro despacho recorrido, levanta-se a questão de saber se esse entendimento deverá ser aplicado ao caso em apreço, uma vez que a relação jurídica tributária é...

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