Acórdão nº 0976/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução03 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 – A… interpôs recurso contencioso de um despacho de 11-11-2002, praticado por subdelegação de competências pelo Senhor Chefe do Departamento de Habitação e Urbanismo da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira.

Por sentença de 25-6-2010, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou improcedente o recurso, por considerar não provado o vício de usurpação de poder invocado pelo Recorrente.

Inconformado, o Recorrente interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1.ª. Em 17 de Outubro de 2001, a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira deliberou aprovar a resolução do regime da propriedade resolúvel do fogo … Dt° do Lote …, 1 sito no …, sucedendo no entanto que tal deliberação teve como destinatário apenas um dos titulares do contrato de propriedade resolúvel, o ora recorrente, pelo que no que respeita à outra titular a resolução da propriedade do fogo dos autos não pode ser considerada válida, nem eficaz - artigos 55°, 59°, 66°, 68° e 134° - 2 (parte final) do C. Procedimento Administrativo.

  1. Apenas o ora recorrente foi notificado do despacho da Chefe de Divisão do Departamento de Habitação e Urbanismo da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira que ordenou a entrega do fogo sob pena de despejo administrativo, despacho esse que o recorrente impugnou pela via do recurso contencioso de anulação.

  2. Veio a entidade recorrida arguir a irrecorribilidade do referido acto por se tratar de um mero acto de execução de deliberação camarária de resolução da propriedade do fogo supra identificado, mas não lhe assiste razão, já que, e sem prejuízo da questão suscitada à entrada do presente recurso, ao despacho em questão o recorrente imputou o vício específico de Usurpação de Poderes, pois entende que a deliberação camarária só pelo recurso aos Tribunais pode ser executada e o eventual despejo só pelos mesmos pode ser decretado.

  3. A douta sentença ora recorrida sufraga contudo que o despacho proferido pela entidade ora recorrida não padece do vício invocado pelo interessado ora recorrente podendo a entidade pública - administrativa (“in casu” Câmara Municipal de Vila Franca de Xira) com base no artigo 8° do DL 23Ã65 e no DL 45.133 ordenar a desocupação do fogo, pois com a resolução da propriedade o recorrente deixou de ter título sobre o imóvel.

  4. Ora a douta sentença recorrida incorre manifestamente em erro de interpretação do artigo 8° do DL 23.465 e extravasa o âmbito e domínio da aplicação desse mesmo preceito.

  5. A douta sentença ora impugnada através desta norma, atribui à entidade recorrida a habilitação legal para actuar, mas o que o que a letra e o espírito da lei determinam é que aqueles a quem o Estado tenha cedido bens a título precário, ou mesmo sem título “podem ser despejados imediatamente”.

  6. Ora não é de todo despiciendo clamar pelo absoluto rigor e alcance objectivo da afirmação legal em ordem a demonstrar que o caso “sub judice” pela mesma não pode ser abrangido, merecendo a douta sentença recorrida severas críticas ao modo como equipara a resolução da propriedade do fogo dos autos às específicas situações que o referido artigo 8° concretiza de cessão precária ou mesmo sem título de imóveis que a Administração acorda com entidades públicas ou particulares.

  7. O artigo 8° do DL 23.465 como norma especial que é, imbuída de um forte pendor discricionário e autoritário consentâneo aliás com o pensamento e prática política da época, mas não com o actual Estado de Direito, tem de ter assim uma aplicação limitada e absolutamente restrita às situações que tipifica: “bens do Estado cedidos precariamente ou ocupados sem título”, entendendo o recorrente que tais situações, não podem ser de modo algum as que se constituem e/ou se extinguem ao abrigo do regime legal da propriedade resolúvel (DL 167193 de 7 de Maio).

  8. A propriedade resolúvel constitui o instrumento que o Estado criou em ordem a permitir o acesso não apenas à mera habitação, mas sim e sobretudo ao direito de propriedade propriamente dito com os direitos e obrigações específicos e próprios desse direito.

  9. Pela resolução camarária a entidade recorrida procura ser investida na posse de um imóvel, mas este não se integra na acepção de “imóvel do Estado” consagrada no artigo 8° do DL 23.465, porque sujeito ao regime da propriedade resolúvel regulado pelas normas do Direito de Propriedade em geral.

  10. No presente pleito, a intimação e exigência por parte do Município de Vila Franca de Xira da entrega do fogo com fundamento na falta de residência permanente do ora recorrente, não pode deixar de ser qualificado como um acto de gestão do domínio privado de património imobiliário não afectado a fins de utilidade pública, e por conseguinte, na exigência de entrega do bem em questão à entidade recorrida não deve ser reconhecido o uso das prerrogativas do artigo 8°, mas sim daquelas que a lei coloca ao dispor do proprietário comum.

  11. O artigo 8° do DL 23.465 como norma especial que é, não pode comportar aplicação analógica, nomeadamente, às situações previstas no DL 167193 que respeitam a bens do domínio privado e que pelas regras do direito privado têm de ser geridos.

  12. Representando o despejo administrativo o poder da Administração através de uma declaração unilateral arrogar-se o direito de propriedade e posse de um bem, podendo se necessário for recorrer à força pública, não encontramos na situação dos autos reportada a um fogo de propriedade resolúvel qualquer dos pressupostos da literalidade e espírito normativo do referido artigo 8° que permita subtrair aos Tribunais a execução do despejo em causa.

  13. Não obstante, e prevenindo desde já a eventualidade de ser proferida decisão final desfavorável, vê-se o recorrente na estrita necessidade de cumprir o ónus de suscitar a questão da inconstitucionalidade resultante da interpretação e aplicação incorrectas do artigo 8° do DL 23465 plasmadas na douta sentença recorrida.

  14. A douta sentença recorrida ao legitimar nos presentes autos o despejo administrativo por recurso ao referido artigo 8° do DL 23465 incorre em erro manifesto de interpretação e aplicação desta mesma norma que se convola assim em norma inconstitucional por violação do princípio substantivo da reserva da função jurisdicional consagrado nos artigos 20°, 202° - 2 e...

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