Acórdão nº 01102/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Outubro de 2002

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução23 de Outubro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A... interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa recurso contencioso do despacho do Senhor Vereador do Pelouro da Administração Urbanística da Câmara Municipal de Loures, de 19-11-1999, que a intimou ao despejo da fracção correspondente ao r/c, ..., do lote ... da Rua ..., no ..., e reposição da fracção de acordo com o anteriormente licenciado, no prazo de 45 dias, com base no disposto no n.º l do art. 58.º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, e art. 165.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, constante do Decreto-Lei n.º 38382, de 7-8-1951, por uso da mesma em desacordo com o uso licenciado.

O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sentença de 28-2-2002, negou provimento ao recurso.

Inconformada, a Recorrente interpôs recurso da sentença para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões: - A Recorrente é uma associação religiosa legalmente constituída.

No âmbito da sua actividade não lucrativa celebrou um contrato de arrendamento.

- Sendo o local arrendado destinado ao "Culto a Deus".

- Ora sucede que, na sequência de uma "queixa" apresentada pela Administração do Condomínio, os serviços técnicos elaboraram um parecer - onde concluíram que se verificava uma "ocupação indevida da fracção"; encontrando-se a fracção a ser usada "em desacordo com o uso licenciado".

- Condóminos não concordam com o uso dado actualmente à fracção.

- O Chefe da Divisão do Departamento de Administração Urbanística/Divisão da Zona Oriental, por subdelegação da assinatura do Vereador, decidiu, reproduzindo a informação técnica dos serviços, intimar a ora recorrente, bem como o senhorio, para "o despejo e reposição da fracção de acordo com o anteriormente licenciado, no prazo de 45 dias, com base no disposto no n.º 1 do artº. 58º do Dec. Lei nº 445/91 de 20 de Novembro, bem como o artº 165º do RGEU".

- Embora o acto em apreço seja assinado pelo Chefe de Divisão, ele pertence ao Vereador do Pelouro de Administração Urbanística da Câmara Municipal de Loures pois trata-se duma mera subdelegação da assinatura.

- Este acto pretende derrogar um direito fundamental, o direito de consciência, de religião e de culto, cuja inviolabilidade o artº. 41º/1 da C.R.P. impõe.

- Este direito estende-se, não só ao foro individual, mas também à sua expressão pública, designadamente, à possibilidade de divulgação de convicções religiosas concretamente sustentadas.

- O exercício do culto colectivo coloca o direito à liberdade religiosa de mãos dadas com o direito à liberdade de reunião prevista no artº. 45º/1 da CRP, o qual dispensa qualquer autorização administrativa prévia.

- Não é à Administração Pública que cabe licenciar as confissões religiosas.

- A recorrente encontra-se disponível para adoptar medidas de insonorização e/ou alterar os horários das suas actividades religiosas, de molde a minorar qualquer eventual incómodo para os demais condóminos.

- As autoridades administrativas e judiciais devem preocupar-se, acima de tudo, com a verificação de condições técnicas e de segurança, ou o respeito pelo direito à saúde, integridade física e psíquica dos indivíduos eventualmente afectados pelo ruído provocado pelo culto, relegando para segundo plano aspectos como o congestionamento do tráfego ou as limitações de estacionamento.

- A ora recorrente é uma micro-confissão religiosa, que não tem capacidade financeira, nem numérica, nem influência, para disputar, de forma plausível, Subvenções estaduais, ou acesso a locais adequados para a construção de templos.

- O artº. 58º/1 do DL 445/91, bem como o artº. 165º do RGEU, embora possam parecer inócuos, apresentam, in casu, uma verdadeira restrição do conteúdo essencial do direito à liberdade de culto.

- Sem conceder, dir-se-á ainda que, o acto administrativo em referência viola o Princípio da Proporcionalidade, previsto no artº. 5.º do C.P.A. e 266º/2 da C.R.P., uma vez que colide com um direito fundamental, afectando a posição jurídica da recorrente em termos não adequados e desproporcionados aos objectivos a realizar (que também não especifica claramente).

- O direito à liberdade religiosa pode ser restringido para proteger outro direito fundamental (v. g., saúde ou integridade física) desde que "essa restrição seja adequada, necessária e proporcional em sentido estrito para atingir o objectivo pretendido, devendo procurar-se sempre a solução menos onerosa para os particulares envolvidos. Tendo ambos os direitos igual dignidade constitucional, a solução correcta do conflito deve ser aquela que consiga o equilíbrio menos restritivo entre eles.

CRP, inconstitucionalidade que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

- Ora é indiscutível que o encerramento de um local de culto causa danos morais aqueles que aí o praticam, sendo esse acto visto, por eles, como limitação ao exercício da sua liberdade de culto, ao mesmo tempo que outros por falta de local se afastem da confissão religiosa.

- Por outro lado, o tempo necessário para obter um local adequado à prática do culto é limitador da liberdade de propagar a fé, para cujos ritos são necessários espaços próprios.

- O tribunal a quo não cuidou de gizar uma solução que conciliasse os direitos fundamentais das partes envolvidas, limitando-se a uma leitura literalista, para não dizer farisaica, das normas do licenciamento de imóveis.

- A liberdade de religião e culto são direitos com assento constitucional, pelo que os actos que, ainda que indirectamente, limitem o exercício, são causadores de danos morais, que se podem reputar de graves.

São, em princípio, de difícil reparação os danos, quer patrimoniais, quer morais, resultantes para uma associação religiosa do despejo do local onde celebrava actos de culto e dava apoio aos seus membros.

- Os danos...

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