Acórdão nº 047818 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Novembro de 2002

Magistrado ResponsávelCÂNDIDO DE PINHO
Data da Resolução28 de Novembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Subsecção da 1ª Secção do S.T.A.

I- "A..." recorre jurisdicionalmente da decisão do TAC do Porto que negou provimento ao recurso contencioso de anulação que foi interposto da deliberação do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Garantia Agrícola (INGA) de 16/02/88 que a considerou devedora ao Estado, em resultado do seu relacionamento financeiro com o ex-Fundo de Abastecimento, exigindo-lhe o pagamento da quantia de 1.548.122.323$00.

Alegou e concluiu como consta de fls. 416 a 449, e que a seguir se reproduz: «1ª. A douta sentença de que agora se recorre enferma de erro de julgamento, já que considerou que a deliberação do INGA através da qual foi exigido à A... o pagamento de 1.548.122.323$00, em resultado do seu relacionamento financeiro com o extinto Fundo de Abastecimento, não sofria de vicio de violação de lei, por violação do principio da legalidade, consagrado no então artigo 266°/2 da Constituição, quando não havia (nem há) qualquer norma jurídica válida que confira ao Conselho Directivo do INGA ou a qualquer outra autoridade administrativa o poder de exigir à ora recorrente o pagamento de qualquer quantia devida em resultado do seu relacionamento financeiro com o extinto Fundo de Abastecimento.

  1. A douta sentença de que agora se recorre incorreu nesse erro de julgamento porque: a) considerou legítimo o segmento da referida deliberação em que é imposto à A... o dever de pagar ao INGA 2.094. 561.014$00, a titulo de diferenciais devidos ao extinto Fundo de Abastecimento, quando não existia (nem existe) quer norma jurídica válida que permita ao INGA ou a qualquer outra autoridade administrativa impor à ora recorrente esse dever; b) considerou legítimo o segmento da referida deliberação em que é imposto à A... o dever de pagar ao INGA 236.563.540$00, a titulo de «proveitos financeiros» devidos pelas importações de rama de açúcar realizadas até 31 de Agosto de 1984, quando não existe (nem existia) qualquer norma jurídica válida que permita ao INGA ou a qualquer outra autoridade administrativa impor à ora recorrente esse dever; c) considerou legitimo o segmento da referida deliberação em que é imposto à A... o dever de pagar ao INGA 298.222.293$00, a título de «proveitos financeiros» devidos pelas importações de rama de açúcar realizadas no período posterior a 31 de Agosto de 1984, quando não existe (nem existia) qualquer norma jurídica válida que permita ao INGA ou a qualquer outra autoridade administrativa impor à ora recorrente esse dever.

  2. A douta sentença objecto do presente recurso incorreu em erro de julgamento, já que considerou que o montante dos diferenciais que a deliberação do INGA exige à A... está correctamente calculado, quando essa deliberação, se os referidos diferenciais fossem devidos, sofreria de vicio de violação de lei, dado que o cálculo desse montante não respeitou o disposto no nº 9 da Portaria nº 752-D/81, nas suas sucessivas redacções.

  3. A douta sentença em causa incorreu em erro porque não considerou que a deliberação em causa sofria de vício de violação de lei, desde logo porque no cálculo dos diferenciais referentes à rama de açúcar importada pelo navio ... foi aplicada a Portaria nº 302-E/84, apesar de, no momento em que essa portaria entrou em vigor, já estar totalmente consumida a rama que havia sido importada por esse navio.

  4. A douta sentença de que agora se recorre incorreu em erro de julgamento, quando considerou válida a aludida deliberação do INGA, apesar dessa deliberação exigir ilegalmente à A... o pagamento de 1.059.237.456$00, a título de compensações pelos atrasos dos pagamentos devidos por esta empresa desde 1982.

  5. Esse erro de julgamento resultou do facto de, ao contrário do que foi considerado na douta sentença de que agora se recorre, essa exigência ser ilegal, pelas seguintes razões: a) A A... não estava juridicamente obrigada a fazer os pagamentos que foram considerados em atraso; b) Mesmo que a A... estivesse obrigada a fazer esses pagamentos, nunca poderiam ser-lhe exigidas compensações por atrasos nos pagamentos desde 1982, já que o artigo 6° do Decreto-Lei n° 49.168, de 5 de Agosto de 1969, não permite que a liquidação de juros de mora por dividas ao Estado ultrapasse os cinco anos anteriores à data do pagamento da divida sobre que incidem; c) Ao exigir compensações por atrasos dos pagamentos de «proveitos financeiros», viola o nº 6 do Despacho A-309/86-X, de 31 de Dezembro de 1986, publicado no Diário da República nº 32 (IIª série), de 7 de Fevereiro de 1987.

  6. A douta sentença de que agora se recorre incorreu em erro de julgamento porque considerou a deliberação do conselho Directivo do INGA, de 16 de Fevereiro de 1989, válida, quando essa deliberação é inválida por força do então 268º/2 da Constituição e do artigo 1º/a do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho, dado que sofre de vício de forma por falta de fundamentação.

  7. Essa deliberação sofre do aludido vício de forma, pelas seguintes razões: a) Não apresenta uma fundamentação clara e suficiente; b) Não indica com rigor as normas jurídicas em que se fundamenta, já que invoca uma numerosíssima cópia de disposições legais e regulamentares, sem indicar precisamente quais dessas disposições foram realmente aplicadas; c) Não indica a norma jurídica que conferia ao conselho Directivo do INGA poderes para aprová-la; d) Não permite perceber como é que foram calculados os montantes dos diferenciais cujo pagamento exige à A...; e) Não indica a que quantidades de rama de açúcar importadas pelos navios ..., ... e ... foram aplicadas as portarias referidas na coluna três do Quadro I; f) Refere que, no cálculo dos diferenciais referentes às ramas importadas pelo navio ... e pelo navio ... foram aplicadas a Portaria n° 1133/81 e a Portaria n° 714-D/83 (cfr. coluna três do Quadro I), quando nesse cálculo não foi aplicada a Portaria nº 1133/81, mas sim as Portaria nº 256-B/83 e a Portaria n° 714-D/83, como Consta dos artigos 136 e 139 da Resposta do INGA (cfr. fls. 109/v e 110 dos autos); g) Não permite perceber como é que foram calculados os montantes dos «proveitos financeiros» cujo pagamento exige à A..., referentes ao período até 31 de Agosto de 1984; h) Não permite perceber como é que foram calculados os montantes dos «proveitos financeiros» cujo pagamento exige à A..., referentes ao período posterior a 31 de Agosto de 1984; i) Não permite perceber como é que foram calculados os montantes das compensações por atrasos nos pagamentos exigidas à A...; 9ª A douta sentença de que agora se recorre sofre também de erro de julgamento porque considerou válida a deliberação do Conselho Directivo do INGA, de 16 de Fevereiro de 1989, quando essa deliberação é inválida por vício de incompetência, resultante do facto de não haver nenhuma norma jurídica válida que confira (ou conferisse) poderes a esse órgão para poder determinar, por acto administrativo, o montante da dívida da A... ao Estado, resultante do seu relacionamento financeiro com o extinto Fundo de Abastecimento.

  8. O artigo 4°/1/a do Estatuto da Administração-Geral do Álcool e do Açúcar (AGA), com a redacção que lhe dada pelo Decreto-Lei nº 260-E/81, de 2 de Setembro, quando interpretado no sentido de conferir competência aos Ministros das Finanças e do Plano e do Comércio e Turismo para, por portaria conjunta, imporem às refinarias de açúcar o dever de pagarem diferenciais, é inconstitucional, por violar o princípio do estado de direito, consagrado no então artigo 2° da Constituição e o princípio da legalidade consagrado no então artigo 266°/2 também da Constituição.

  9. O artigo 1°/2 do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho, quando interpretado no sentido de que os actos previstos no artigo 1°/1/a do mesmo diploma podem considerar-se devidamente fundamentados, mesmo sem ter indicado a norma jurídica que conferia ao órgão que os praticou poderes para aprová-los, é inconstitucional, por violação do então artigo 266º/2 da Constituição.

  10. O Despacho Conjunto dos Ministros das Finanças e do Plano e do Comércio e Turismo, de 30 de Outubro de 1985, publicado no Diário da República nº 260 (IIª série), de 12 de Novembro de 1985, é inconstitucional, por violar o então artigo 115º/7 da Constituição».

Alegou igualmente a entidade recorrida(fls. 508 a 627).

O digno Magistrado do MP opinou, por fim, no sentido da confirmação da sentença recorrida.

Cumpre decidir.

II- Os Factos A sentença deu por assente a seguinte factualidade: «I) Com vista à preparação das estruturas empresariais do sector da refinaria do açúcar para o "choque comunitário" e segundo instruções do Governo o Presidente do Conselho Administrativo do "Fundo de Abastecimento" negociou com as três refinadoras do Continente (a "A...", a "..." e a "...") um regime de importação de ramas de açúcar por estas, em cujo quadro a aqui ora recorrente "A..." iniciou importações em Abril de 1981. --- II) No âmbito desse quadro a recorrente "A..." pediu ao então "Fundo de Abastecimento" o pagamento do diferencial negativo que denominou de "compensação inicial" pela 18 importação de rama de açúcar no "... - n.º 1/81" (o "...") em 13/04/1981 através do ofício com a referência 1370/ADM/JFS/ID (cfr. fls. 380 a 430 do vol. I processo administrativo apenso cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).--- III) A "A..." voltou a pedir ao "Fundo de Abastecimento" o pagamento do diferencial negativo que denominou de "compensação inicial" pela 18 importação de rama de açúcar em 15/09/1981 através do ofício com a referência 3344/ADM/JFS/ME (cfr. fls. 302 a 379 do vol. I processo administrativo apenso cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).

IV) Tal 1ª importação levou à elaboração dos documentos denominados de "mapa de consumo de ramas", do "pagamento das facturas (financiamento externo )" e "primeiras despesas" constantes de fls. 268 a 301 do vol. I do processo administrativo apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido.

  1. A recorrente "A..." enviou ao "Fundo de Abastecimento"...

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