Acórdão nº 048104 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Fevereiro de 2003

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

"A..., S.A", "... S.A.", "..., S.A", "..., ..., S.A", "..., S.A", "..., S. A", "..., S.A", "..., S.A", "..., S.A", "..., S.A", "..., S. A", "..., S.A" e "..., S.A", interpuseram neste Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 2.º, n.º 1, do DL 134/98, de 15/5, recurso contencioso pedindo a anulação dos despachos do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas e do Sr. Ministro das Finanças, de 20/8 e 7/9, de 2001, respectivamente, proferidos no concurso público internacional para a Concessão de Lanços de Auto Estrada e Conjuntos Viários na Zona Norte do Distrito de Lisboa, na parte em que aprovaram a selecção do concorrente "..." para passagem à fase de negociação, alegando que os mesmos estavam feridos de diversos vícios de violação de lei e de forma.

Por Acórdão da Secção, de 16/5/02, esse recurso foi rejeitado "por manifesta ilegalidade da sua interposição, nos termos do § 4.º do art. 57.º do RSTA" por ter sido considerado que o acto de selecção dos concorrentes era irrecorrível, irrecorribilidade essa que decorria (1) da falta de lesividade desses actos, e (2) da natureza meramente confirmativa dos mesmos, face à prévia admissão da ... em acto público.

Decidiu-se, além disso, que o DL 134/98 regia apenas os recursos contenciosos dos actos administrativos relativos à formação dos contratos de empreitada de obras públicas, de prestação de serviços e de prestação de bens e que, por isso, era inaplicável aos recursos contenciosos de anulação de actos administrativos praticados no âmbito de concursos públicos destinados à celebração de contratos de concessão de obras públicas.

Inconformadas, as Recorrentes contenciosas agravaram para o Tribunal Pleno tendo formulado as seguintes conclusões : 1. A decisão recorrida viola por errada interpretação e aplicação, o disposto no art. 1.º do DL n.º 134/98, de 15/5 e no art. 1.º da Directiva n.º 89/665/CEE do Conselho de 21/12, ao decidir que os actos administrativos praticados no âmbito de concursos públicos para a celebração de contratos de concessão de obras públicas, não se enquadram no âmbito de aplicação do DL n.º 134/98 e da Directiva que este visou transpor - a Directiva 89/665/CEE.

  1. A Directiva 89/665/CEE delimita o respectivo âmbito de aplicação por referência aos contratos de direito públicos versados nas Directivas n.º 71/305/CEE, de 26/7 e n.º 77/62/CEE, de 21/12.

  2. A Directiva 71/305/CEE foi revogada pela Directiva 93/37/CEE de 14/6, a qual se aplica aos "contratos públicos de obras", no âmbito dos quais estão agora enquadrados os contratos de concessão de obras públicas.

  3. A decisão recorrida baseia-se numa interpretação puramente literal e cristalizadora do disposto no art. 1.º da Directiva 89/665/CEE, ao invés de fazer uma interpretação evolutiva daquele preceito.

  4. A decisão recorrida esquece que existe uma disposição expressa que determina a extensão do âmbito de aplicação da Directiva 89/665/CEE. Essa disposição consta do art. 36.º n.º 2 da Directiva 93/37/CEE, segundo o qual "todas as remissões para a directiva revogada devem entender-se como sendo feitas para a presente directiva".

  5. Ora, no âmbito das "remissões para a directiva revogada" estão, obviamente, incluídas as remissões constantes de outras directivas, e designadamente, da Directiva 89/655/CEE.

  6. A aplicabilidade da Directiva 89/665/CEE às concessões de obras públicas, designadamente do seu art. 1.º, resulta tão clara e óbvia, que a esse respeito a Comissão Europeia se limita a afirmar, em Comunicação Interpretativa sobre as Concessões em Direito Comunitário, que o referido art. 1.º "é aplicável às concessões de obras públicas", sem se alongar em explicações que se revelariam supérfluas perante a clareza do texto legal.

  7. Por força do princípio do primado do Direito Comunitário, as autoridades nacionais, designadamente, os tribunais, têm o dever de desaplicar o Direito Interno incompatível , veja-se o Acórdão do TJ Ac. Simmenthal, proc. 106/77 de 9/3/77, e de interpretar o Direito Interno conforme ao Direito Comunitário, caso se suscitem dúvidas na interpretação do primeiro.

  8. Os particulares podem invocar qualquer disposição comunitária pertinente para, em face dela obterem nos tribunais nacionais uma interpretação das normas internas conforme ou compatível com as prescrições comunitárias.

  9. Em regra as Directivas Comunitárias carecem de ser transpostas para a ordem jurídica interna para produzirem efeitos jurídicos junto dos particulares.

  10. Todavia, o art. 1.º da Directiva n.º 89/665/CEE, que estabelece de forma clara e incondicional a necessidade de formas de recurso céleres e eficazes das decisões tomadas em sede de procedimentos prévios à celebração de contratos públicos, abrange os actos praticados no âmbito dos contratos públicos de obras - que, na acepção da Directiva 93/37/CEE, abrangem quer as empreitadas de obras públicas, quer as concessões de obras públicas.

  11. Este segmento do art. 1.º da Directiva n.º 89/665/CEE é apto e por si mesmo suficiente para conferir direitos aos particulares ou para lhes impor obrigações susceptíveis de tutela jurisdicional, pelo que deve ser considerada como susceptível de produzir efeitos directos, sendo portanto possível que os tribunais nacionais procedam a uma interpretação das normas internas com ela conforme.

  12. A norma constante do art. 1.º do DL 134/98 é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.

  13. Esta norma, ao restringir o âmbito de aplicação do regime de recurso urgente aos contratos de empreitadas de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimentos de bens, deixando de fora, designadamente os contratos de concessão de obras públicas, confere aos administrados concorrentes no âmbito de concursos públicos para a celebração de contratos de empreitadas de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento bens, o direito de acederem a um processo urgente, e a negar esse mesmo direito aos administrados concorrentes no âmbito de concursos públicos para a celebração de contratos de concessão de obras públicas.

  14. O motivo que aparentemente determinou uma tal diferença de tratamento - a natureza do contrato administrativo em cujo procedimento prévio ocorre o acto lesivo - não justifica um tratamento diferenciado dos concorrentes ao nível dos meios de tutela contenciosa ao seu dispor.

  15. Assim, o legislador, ao arrepio da norma constitucional, conferiu às duas situações supra referidas um tratamento diferenciado para o qual não se vislumbra justificação minimamente razoável.

  16. Acresce que, ao impossibilitar o acesso ao meio de recurso contencioso urgente a norma do art. 1.º do DL 134/98 está também a violar o direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrada nos art.s 20.º e 268.º da CRP, designadamente na vertente do direito à obtenção de uma decisão judicial num prazo razoável.

  17. Tal restrição decorreu de uma deficiente apreciação das situações de facto, geradora de uma lacuna "por incompleta apreciação das situações de facto" e o afastamento da discriminação será possível por via de uma interpretação conforme à CRP, por recurso à aplicação analógica das normas que concedem o direito ao grupo restrito, repondo a igualdade através do recurso à analogia.

  18. A liberdade de conformação do legislador é nesta sede praticamente inexistente, porquanto esta solução é já vinculativa para o próprio legislador, não podendo este eliminar "a disparidade de tratamento através da pura e simples supressão do beneficio".

  19. O órgão jurisdicional não actua como se fosse o legislador, não existe qualquer intervenção criativa da sua parte, limita-se a extrair as consequências do que já decorre do ordenamento jurídico - do que já decorre da aplicabilidade directa das normas constantes da Directiva 89/665/CEE.

  20. A solução proposta não entra, assim, em colisão com o princípio da separação de poderes.

  21. Por outro lado, a extensão do regime constante do DL n.º 134/98, às concessões de obras públicas surge como imposição do princípio da certeza e segurança jurídicas.

  22. Não pode existir "certeza" num sistema jurídico que comporta normas jurídicas que apontam simultaneamente para sentidos distintos e incompatíveis.

  23. Assim, a "coerência" do sistema jurídico opera ao serviço da "certeza" e ambas visam o mesmo objectivo - acautelar e prosseguir a segurança. A necessidade de colmatar a contradição entre duas normas de um mesmo sistema jurídico surge como corolário do princípio da segurança, nas vertentes da coerência e da certeza.

  24. As Recorrentes gozam de legitimidade activa, porquanto mantêm a sua qualidade de directas interessadas no âmbito do procedimento pré - contratual para a selecção do co - contratante, pelo que, os efeitos da anulação do acto de selecção de do concorrente n.º 4 para a fase de negociação, incidem de forma directa e pessoal na sua esfera jurídica.

  25. A procedência do recurso terá efeitos benéficos com incidência directa e pessoal na esfera jurídica das Recorrentes, uma vez que estas deixarão de estar sujeitas à concorrência de uma entidade que por ter beneficiado de privilégios especiais, e por esse motivo reunir condições que lhe permitam negociar numa posição de vantagem, foi ilegalmente admitida e seleccionada.

  26. Os actos objecto do recurso configuram actos recorríveis, já que consubstanciam actos finais que seleccionaram, de forma definitiva, os concorrentes para negociação, determinando de forma conclusiva a situação jurídica dos concorrentes, independentemente de terem sido ou não seleccionados para a fase de negociação.

  27. A sua potencialidade lesiva é inquestionável, como de resto decorre implicitamente do art. 11.º do DL 9/97, que, sob a epígrafe "Competência para a prática dos actos finais de cada fase", estabelece que compete aos Ministros das Finanças e do Equipamento Planeamento e Administração do Território (actual Ministro do Equipamento Social) seleccionar os dois concorrentes que negociarão com a Comissão os termos da Concessão.

  28. A lesão que para...

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