Acórdão nº 08/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Março de 2003

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução19 de Março de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A..., identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional do despacho saneador constante de fls. 292 e ss., em que, por ilegitimidade passiva, o Sr. Juiz do TAC de Coimbra absolveu da instância o Estado, o Conselho de Administração do Hospital Distrital de Aveiro e os cinco membros do júri de um concurso para provimento do lugar de Chefe de Serviço de Cirurgia Geral do mencionado hospital (..., ..., ..., ... e ... - todos identificados no processo), sendo esses absolvidos os réus na acção de condenação que o aqui recorrente intentara com vista ao ressarcimento dos danos patrimoniais e morais que diz ter sofrido em virtude daquele júri o ter colocado no 2.º lugar do dito concurso.

O recorrente terminou a sua alegação de recurso, formulando as conclusões seguintes: A - A Administração Pública é sempre representada, nas suas relações com os particulares, por pessoas colectivas públicas.

B - Todas as pessoas colectivas públicas são dirigidas por órgãos. A estes cabe tomar decisões em nome da pessoa colectiva, manifestar a vontade juridicamente imputável à pessoa colectiva.

C - Em sede de recurso contencioso, a legitimidade passiva radica no autor do acto recorrido, órgão ou agente.

D - A doutrina é unânime no que à legitimidade da autoridade recorrida diz respeito: "tem legitimidade, a esse título, o órgão da Administração Pública que tiver praticado o acto administrativo de que se recorre. É esse que virá ao processo dizer o que se lhe oferecer e, designadamente, se assim o entender, sustentar a legalidade do acto que praticou" - «in» Freitas do Amaral, Direito Administrativo, IV, pág. 182.

E - O art. 70º , n.º 1, da LPTA, é claro no sentido de que a acção tem de ser proposta contra o órgão competente, autor do acto administrativo.

F - Ora, se assim é, não pode deixar de dispor de personalidade e capacidade judiciária.

G - Seria, como refere o acórdão do STA de 9/6/99, proc. n.º 44.796, "uma aberração que a acção fosse contra ele dirigida e depois lhe recusasse a susceptibilidade de ser parte. Entendimento coerente tem de ser o de que o preceito expressamente reconhece personalidade e capacidade judiciária a esse órgão quando impõe que a acção seja contra ele proposta e do mesmo passo lhe confere legitimidade passiva".

H - Do imperativo legal - art. 70º, n.º 1, da LPTA - decorre que o preceito confere ao órgão competente para a prática dos actos administrativos personalidade e capacidade judiciária.

I - Não é necessário um litisconsórcio necessário passivo entre a pessoa colectiva pública e os titulares do órgão autores do facto danoso.

J - O alcance que se retira do n.º 2 do art. 3º do DL n.º 48.051 não é o que o juiz «a quo» alude, mas sim que, nesta hipótese (leia-se, em caso de procedimento doloso), o lesado pode exigir a indemnização à Administração ou ao titular do órgão ou agente, conforme melhor lhe parecer.

L - O litisconsórcio no domínio da responsabilidade extracontratual é, pois, voluntário e não necessário, sendo esta a regra geral para todas as obrigações solidárias, atento o disposto nos artigos 517º do Código Civil e 27º, n.º 2, do CPC.

M - Nem a natureza da relação jurídica, nem disposição especial da lei - art. 28º do CPC - impõem ao lesado que demande conjunta ou simultaneamente todos os responsáveis.

N - A produção do efeito útil da acção interposta pelo recorrente não exige a intervenção de todos os interessados, pois basta a intervenção de um deles para assegurar a legitimidade das partes (art. 27º, n.º 2, do CPC).

O - O réu Estado tem todo o interesse em contradizer (art. 26º, ns.º 1 e 2 ,do CPC, e art. 1º da LPTA), sendo, pois, parte legítima.

P - O STA já reconheceu (acórdão de fls. 220 a 232) que a petição inicial do então autor, ora recorrente, contém "potencialidade para sustentar o pedido nele formulado", contém "factualidade suficiente para sustentar a formulação daquele pedido".

Q - Não é lícito agora, como o não foi então ao Mm.º Juiz «a quo», fundamentar o seu juízo decisório numa questão já apreciada: a regularidade da petição inicial, pois tal, agora como então, "traduz-se objectivamente no não acatamento do decidido no citado acórdão".

R - A sentença recorrida viola o caso julgado formal, não podendo, pois, manter-se na ordem jurídica.

Disposições violadas: art. 70º, n.º 1, da LPTA, art. 3º, n.º 2, do DL n.º 48.051, de 21/11, artigos 27º, n.º 2, e 28º do CPC.

O Estado contra-alegou, dizendo que a decisão recorrida deve ser mantida na parte em que o absolveu da instância, aduzindo, a propósito, o seguinte: «Por um lado, a agravante não "ataca" nem questiona quaisquer dos fundamentos de direito em que se baseou a douta sentença absolutória, pois que se limita a afirmar que o réu Estado é parte legítima, sem invocar as razões em que assenta tal conclusão e não contrariando, portanto, aqueles fundamentos em que se apoiou sentença recorrida.

Quanto ao mais, reitera-se o que se alegou em sede da contestação formulada pelo Estado e que mereceu acolhimento na douta sentença recorrida.» Contra-alegou também o Conselho de Administração do Hospital Distrital de Aveiro (então já designado por Hospital Infante D. Pedro, de Aveiro), apresentando as seguintes conclusões: 1 - O presente recurso deverá improceder, já que o autor não demandou a pessoa colectiva pública de quem dependiam, quer o órgão, quer os agentes demandados contra quem se intentou a presente acção - o que acarreta a sua ilegitimidade (n.º 1 do art. 28º do CPC), pelo que, neste aspecto, se adere à douta sentença. Além disso, 2 - A argumentação em que se baseia a acção intentada incide sobre matéria insindicável - o carácter técnico da discricionariedade específica de um júri de um concurso público, ao abrigo da legislação que preside aos referidos concursos públicos.

3 - O autor/recorrente deveria ter-se socorrido, atempadamente e em local próprio, da figura da "suspeição" - caso entendesse ter razões para tal - antes de lançar mão de uma acção de indemnização, tentando fundamentá-la no conceito de "dolo", não tendo, de qualquer forma, conseguido apresentar indícios que minimamente permitam admitir o recurso.

4 - Não há qualquer relação, e muito menos prova, de uma possível articulação entre o trabalho do júri, a classificação atribuída...

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