Acórdão nº 041291 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução12 de Novembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - O CENTRO DE SOLIDARIEDADE E APOIO SOCIAL DE VILA NOVA DE CERVEIRA e a ESCOLA PROFISSIONAL DE OFÍCIOS ARTÍSTICOS interpuseram recurso contencioso do despacho do SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO EDUCATIVA n.º 194/ME/96, de 20/8/96, que determinou o encerramento daquela escola, declarou ser clandestina a denominação de «Escola Propedêutica de Vila Nova de Cerveira» e impôs aos serviços do ministério a realização de vários actos complementares.

Os recorrentes imputaram ao acto recorrido vícios de violação de lei e de forma.

Por acórdão da Secção de 10-5-2000, foram apreciados os vícios de violação de lei imputados ao acto recorrido pelas recorrentes (revogação ilegal e violação do contrato-programa), que não foram julgados procedentes, e foi anulado o acto recorrido, por vício de forma consubstanciado em violação do art. 100.º do C.P.A., considerando-se prejudicado o conhecimento da restante matéria da impugnação.

Tendo a Autoridade Recorrida interposto recurso daquele acórdão para o Pleno da Secção, veio aquele a ser revogado, por se ter entendido que não ocorreu violação daquele art. 100.º, sendo ordenada a baixa do processo à Secção para conhecimento da restante matéria da impugnação.

Baixando o processo à Secção, foi apreciada a matéria da impugnação que ainda não havia sido apreciada que era - a da violação do referido art. 100.º, em vertente não apreciada no anterior acórdão da Secção (omissão na notificação para a audiência de elementos necessários para emissão de pronúncia); - falta de decisão sobre o pedido de realização de diligências formulado aquando do exercício do direito de audiência; - falta de fundamentação; - «erros de facto» - ofensa dos princípios da boa fé, da tutela da confiança, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade; - violação de normas da Lei n.º 46/86.

A Secção julgou improcedentes todas estas questões, negando provimento ao recurso contencioso.

Inconformadas, as Recorrentes interpuseram o presente recurso jurisdicional para este Pleno, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1.ª - O acto recorrido violou o princípio de audiência prévia consagrado nos arts. 100º e segts. do CPA, realizando uma verdadeira fraude à lei, ao conceder o prazo mínimo legalmente previsto - 10 dias -, prazo desrazoável e notoriamente insuficiente para contestação e pronúncia num processo já então com mais de 1000 páginas de documentos, colhidos em 5 meses. O que se traduziu na violação do direito fundamental de defesa no procedimento sancionatório, não só pelo motivo exposto - insuficiência do prazo de pronúncia - mas também, uma vez que o "auto de audiência" de fls. 1032 e segts. não forneceu "os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito" (art. 101º do CPA), tendo-se limitado a alinhar imputações não especificadas, e meras expressões conclusivas, sem qualquer referência de direito; 2.ª - Não obstante, entendeu o Tribunal a quo, quanto à insuficiência de prazo alegada pelos ora recorrentes, que não só o respectivo quantum incumbia ao órgão instrutor, como a complexidade do inquérito e as circunstâncias do caso concreto não justificavam que o prazo devesse exceder os dez dias, argumentos estes que os ora recorrentes não podem acompanhar, face à natureza e dimensão do processo, relativamente ao qual, e ao contrário do alegado, os ora recorrentes não dispunham de todos os elementos.

  1. - Como é unanimemente reconhecido o prazo fixado aos interessados deve ser razoável, tendo que se ajustar à questão a apreciar, sob pena de se autorizar um verdadeiro fraude à lei ao permitir que a Administração observe nominalmente a imposição de audiência prévia, prevendo prazos de pronúncias insuficientes para qualquer contraposição séria de elementos e argumentos.

  2. - O acórdão recorrido enferma, salvo o devido respeito, de erro de julgamento ao afirmar que não seria necessário um prazo superior a 10 dias visto grande parte dos elementos provirem dos arquivos dos ora recorrente e o relatório do instrutor ter sido elaborado em apenas dois dias, pois não só os ora recorrentes não estavam a par de muitos dos elementos do processo e aqueles que efectivamente conheciam terem que ser apreciados numa perspectiva de defesa que antes se nunca tinha colocado como também, independentemente das questões levantadas pela Administração, nada obsta a que os interessados, após uma análise cuidada do processo, suscitem questões não levantadas pela Administração, aleguem nova matéria de facto, ou ofereçam meios de prova anteriormente não disponíveis, tarefa para a qual precisam de tempo ...

  3. - Salvo o devido respeito, improcede, igualmente, o argumento do Tribunal a quo nos sentido de que é irrelevante que as imputações de natureza disciplinar e criminal fossem parcas na menção do direito que lhes corresponderia pois constitui jurisprudência e doutrina pacíficas - para além de imposição legal (cfr. art. 124º e 125º CPC) - que a comunicação deve conter todos os elementos de facto e de direito considerados relevantes pela Administração para o caso concreto. O que implica que aos interessados seja, pelo menos formulada uma síntese compreensiva e fundamentada dos factos e razões de direito que sustentam o sentido provável da decisão final (art. 100º/1 do CPA); sendo ainda certo que a necessidade de densificação e concretização dos factos e razões de direito é maior quanto maior for a índole sancionatória do procedimento e eventual decisão final, porquanto, o direito de audiência prévia reveste aí a natureza de Direito Fundamental de defesa.

  4. - Finalmente, no que respeita ainda à violação do direito de audiência prévia, com fundamento na circunstância de a decisão sobre a produção das diligências instrutórias suplementares requeridas pelos interessados na sua pronúncia, e cuja decisão o instrutor deferiu às instâncias superiores nunca ter ocorrido, o Tribunal a quo fez equivaler o silêncio da Administração a um indeferimento, quando as diligências suplementares de prova tinham de ser objecto de decisão expressa pois dentro do espírito de discricionariedade que o órgão instrutor detém sobre o mérito da diligência instrutória cabe um rigoroso "papel de análise do objectivo pretendido com a sua realização, de modo a observá-la se for pertinente e negá-la se a achar, inoportuna e dilatória" (cfr. Acórdão do TCA, datado de 24 de Janeiro de 2002, no âmbito do Proc. n.º 3023/99, in www.dgsi.pt).

  5. - Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo errou ao considerar encontrar-se o acto recorrido devidamente fundamentado em virtude da remissão para o que se apurou em sede de inquérito, quando esta modalidade de fundamentação, tal como configurada no nosso ordenamento jurídico, implica uma declaração expressa de concordância com os pareceres ou informações anteriores, o que manifestamente se não verificou no caso presente em que não só não é perceptível para que informações ou pareceres se remete em concreto, como também os mesmos não revestem as características de fundamentação legalmente exigida, inquinando o acto final de vício de forma.

  6. - Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no Processo n.º 029685, de 28/03/2001 "II - A fundamentação por referência, por remissão ou per relationem, para ser válida, tem de consistir numa declaração expressa e inequívoca de concordância com anterior parecer, informação ou proposta.

    IV - Está insuficientemente fundamentada a decisão de indeferimento de recurso hierárquico que manifestar concordância com parecer ou pareceres anteriores de conteúdo diferente, sem esclarecer se a concordância se reporta a todos os fundamentos neles invocados." (in www.

    dgsi.pt).

  7. - Mais, o acto recorrido viola o disposto nos arts. 268º/3 da CRP, 124º/1/a)/c)/d)/e) e 125º/1 do CPA, ao não conter qualquer fundamentação de facto ou de direito, utilizando meras fórmulas rituais e conclusivas, repetidas em outros actos similares praticados pela entidade, que constituem expressões passe partout sem qualquer aderência à realidade, sendo o seu teor claramente contraditório, obscuro e insuficiente, não permitindo a um destinatário médio apreender a ratio das decisões, e não tendo adicionalmente operado qualquer fundamentação por remissão válida ou suficiente, ou esclarecido as razões pelas quais não atendeu às razões expostas na pronúncia em sede de audiência prévia.

  8. - O acórdão recorrido, salvo melhor opinião, erra ao entender que "o acto não está fundamentado por inexplicavelmente contrastar com relatórios anteriores", pois não estando em causa que o facto de a Administração não ter num dado momento detectado determinadas irregularidades não invalida que, mais tarde, as venha a encontrar, há que reconhecer que impende sob cada órgão da Administração um especial dever de cuidado na fundamentação e comprovação dos factos alegados, quando sabe contrariar não só as suas próprias decisões anteriores como de outros órgãos dessa mesma Administração, sobre o mesmo assunto ou assunto semelhante.

  9. - O acto recorrido enferma de manifestos erros de facto, não existindo quaisquer irregularidades financeiras, pedagógicas e administrativas que possam justificar a medida adoptada. Esta circunstância ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo encontra-se devidamente comprovada ao longo de todo o processo, onde é notório que face às circunstâncias do caso concreto - nomeadamente a responsabilidade da Administração tanto do ponto de vista processual como financeiro, como a disponibilidade da EPOA para proceder sempre à correcção das irregularidades detectadas - teria sido possível encontrar uma solução de viabilização do projecto educativo prosseguido pela EPOA, desde que se verificasse a necessária coordenação entre Direcções-Gerais, e o pagamento atempado das verbas devidas em função dos...

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