Acórdão nº 0529/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução03 de Maio de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência, na secção de contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

1.1.

A A..., intentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, acção contra os RR. Estado Português, Eng. B..., GATTEL - Gabinete Para a Nova Travessia do Tejo em Lisboa, e C...., pedindo a condenação dos RR. numa indemnização a seu favor no montante de Esc. 362.991.456$00, acrescida de Esc. 120.997.152$00 por cada ano em que se mantenha a situação de danos nos imóveis que identifica.

Alega, em resumo, que tendo sido declarada a utilidade pública dos imóveis identificados no art. 1° da p.i., situados na margem sul do Tejo, no concelho de Alcochete, com vista à construção da Ponte Vasco da Gama, a entidade expropriante, depois de tomar posse administrativa dos mesmos, não promoveu o andamento do processo expropriativo, de que resultou a caducidade da declaração de utilidade pública; em consequência disso, a ré C... ocupa as ditas parcelas de terreno sem título que legitime a ocupação, impedindo a sua exploração económica pela A., de que resultam prejuízos para esta.

1.2.

Todos os réus contestaram.

1.3.

Na contestação do Estado, representado pelo Ministério Público, foi suscitada, entre o mais, a excepção de incompetência do Tribunal, em razão da matéria, por se discutir nos autos uma questão de direito privado, para o conhecimento da qual os tribunais administrativos são incompetentes.

1.4.

A autora replicou, respondendo, designadamente, à excepção de incompetência suscitada pelo Estado.

1.5.

Por despacho de fls. 857, o Tribunal demandado declarou-se incompetente para a acção, em razão da matéria, por ser competente o tribunal de comarca.

1.6.

Inconformada, a autora deduziu o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações concluiu: "1ª - A decisão recorrida é nula por violação do direito ao contraditório, como manifestação do direito constitucional a um processo equitativo e ao direito de intervenção processual efectiva da ora recorrente - como decorre do art. 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, n° 4 do art. 20 da CRP, e do n° 3 do art. 3° do CPC este aplicável ex vi art. 1° da LPTA, normas que, assim, foram violadas por não ter sido dada ocasião à recorrente de previamente se pronunciar sobre a questão decidida na sentença; 2ª - Sem prejuízo do que antecede, a decisão erra quando conclui que o TAC é incompetente para conhecer a caducidade da DUP de expropriação, pois, a doutrina em que se louva e a jurisprudência nela citada afirmam que o conhecimento de tal questão, além de pertencer ao contencioso administrativo também pode ser da competência dos tribunais judiciais - como o n° 4 do art. 13° do Cod. Exp. Lei 168/9 veio a clarificar; 3ª - Acresce que tal questão contende apenas com a apreciação de um dos requisitos jurídicos factuais da causa de pedir da acção sub judice, a qual se configura como uma acção de responsabilidade civil por factos ilícitos contra o Estado por ocasião e no exercício do seu jus imperii, sendo que o critério de apreciação da competência material decorre da relação processual, no seu conjunto global, e não apenas de um dos seus vários requisitos substantivos; 4ª - Assim, a decisão recorrida viola frontalmente o disposto em al. h) n°1 do art. 51 do ETAF; 5ª - Por outro lado, sendo controvertida nos articulados a alegação de que a DUP teria caducado, o tribunal a quo não podia deixar de pelo menos quanto a esta questão, julgar e fixar os factos provados e os não provados, pois o estado dos autos não permitia ao julgador a conclusão infundada que expressou; 6ª - É nula, por omissão total dos respectivos factos e direito, ou pelo menos, ilegal, a decisão segundo o qual a DUP em causa não teria caducado - sanções que se impõem por força dos preceitos de al. b) n°1 do art.510°, e al. b) n°1 do art.668 do CPC, aplicáveis ex vi n° 1 art.72 da LPTA; Termos nos quais deve revogar-se a sentença recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos no tribunal recorrido por ser o competente, e por o seu estado não permitir já sentença final - como é e se pede, de inteira justiça".

1.7.

A ré C... contra-alegou, concluindo: "A. Ao contrário do alegado pela recorrida, não é verdade que a questão da incompetência do Tribunal, em razão da matéria, seja uma questão nova, tendo as partes, designadamente a A., tido oportunidade de sobre ela se pronunciarem.

  1. Deve, por isso, improceder na sua integralidade a conclusão 1a das alegações de recurso, já que não se verificou no caso sub judice a violação do princípio do contraditório.

  2. O artigo 51° do ETAF consubstancia uma norma processual atributiva de competência, sendo que a questão controvertida não é processual, mas de direito substantivo, e sobre ela o ETAF não apresenta qualquer solução, razão porque a alegada violação desta norma é, em si, infrutífera.

  3. O argumento da recorrente de que a causa de pedir da acção sub judice se estrutura sobre a responsabilidade civil da Administração Pública é falacioso, dado que confunde o meio processual com o pedido e a respectiva causa de pedir. Na verdade, a causa de pedir não é, nem podia ser, a responsabilidade civil, mas o facto constitutivo complexo que desencadeia a responsabilidade civil; no caso sub judice, a prática pelos RR. de actos ilícitos de ocupação sem título de parcelas de terreno propriedade da A., face a uma alegada caducidade da declaração de utilidade pública. E. A caducidade não é um acto administrativo que possa ser objecto de recurso contencioso para os tribunais administrativos, nem pode ser encarada como um vício da declaração de utilidade pública.

    Pelo contrário, a caducidade é uma causa extintiva da vigência ou dos efeitos de um acto jurídico em virtude da superveniência de um facto com força bastante para tal.

  4. No processo expropriativo, especificamente, a caducidade não é um facto intrínseco à declaração de utilidade pública de determinada expropriação mas consequência duma situação jurídica posterior, ou seja, a inércia da entidade expropriante durante mais de dois anos.

  5. Sendo a caducidade da declaração de utilidade pública uma questão de conhecimento oficioso do tribunal que procede à adjudicação da propriedade e estando, para mais, dependente da apreciação e valoração pelo tribunal do comportamento da entidade expropriante - dado que a mesma é configurada como uma sanção para a inércia desta entidade - , o tribunal melhor posicionado para julgar a questão será, sem dúvida, o tribunal perante o qual decorre o processo judicial de expropriação.

  6. A recorrente já suscitou, aliás, a questão da caducidade da declaração de utilidade pública no Tribunal do Montijo onde decorrem os processos de expropriação relativos às Parcelas, sua propriedade, n°s 11.1, 12.1, 12.2 e 12.3 do troço do Viaduto Sul, sob, respectivamente, os n°s 179/99 do 1° Juízo, 174/99 do 2° juízo, 178/99 do 2° juízo e 183/99 do 3° Juízo, não tendo sido a questão conhecida apenas e tão só porque a expropriada, ora recorrente, já a havia previamente suscitado nos presentes autos.

    I. Em abstracto, os tribunais administrativos poderão declarar a caducidade de uma dada declaração de utilidade pública, designadamente quando, por inércia da entidade expropriante, o processo expropriativo não haja sido remetido a tribunal e, portanto, não exista tribunal judicial específico a quem o interessado se possa dirigir - situação manifestamente distinta do caso que nos ocupa.

  7. No que respeita à R. C..., sempre o tribunal administrativo seria incompetente, em razão da matéria, para apreciar da sua responsabilidade, dado que, enquanto entidade privada, é-lhe aplicável o regime geral constante da lei civil e não o regime privativo do Estado e demais pessoas colectivas públicas consagrado no Decreto-Lei n.° 48 051, de 21 de Novembro de 1967.

  8. Face ao exposto, deve improceder integralmente quanto alegado nas conclusões 2ª, 3ª e 4ª das alegações sob resposta.

    L. A decisão recorrida não fez mais que declarar a incompetência do Tribunal, em razão da matéria, por ser competente o Tribunal de Comarca. Esta a decisão sob recurso, não outra. E esta decisão fundamentou-a longamente o Tribunal a quo, razão porque deve igualmente improceder o alegado nas conclusões 5a e 6a do recurso sob resposta, pois não se verifica a alegada nulidade por falta de fundamentação".

    1.8.

    O réu B... e o Instituto de Estradas de Portugal, que sucedeu na posição do réu GATTTEL (despacho de fls. 914), também contra-alegaram. Não tendo apresentado conclusões, a respectiva peça pronunciou-se pela insubsistência de todos os fundamentos do recurso.

    1.9.

    Contra-alegou, igualmente, o Estado, concluindo: "1 - A questão decidida na sentença - a excepção da incompetência absoluta do tribunal - é só uma, não se transformando em várias questões ao ser diversamente configurada pela A., pelo R., ou pelo Juiz.

    2 - A questão da competência do tribunal em razão da matéria foi efectivamente discutida pelas partes antes de ser proferida decisão: foi suscitada pelo Ministério Público, na Contestação que apresentou em representação do R. Estado Português, e sobre ela pronunciou-se a A. na Réplica que apresentou, aduzindo então os argumentos que considerou pertinentes.

    3 - A A. estrutura a causa de pedir a partir da invocada caducidade da declaração de utilidade pública, que determina a alegada ocupação sem título dos imóveis, pelo que a definição do quantum indemnizatório pressuporia - independentemente da ocupação dos terrenos da A. se tratar de uma questão de direito privado - que o tribunal conhecesse de questão para a qual não é competente.

    4 - Em todos os actos e formalidades posteriores à declaração de utilidade pública, quer na fase amigável, quer na fase litigiosa, a entidade expropriante aparece despida do poder público, numa posição de paridade com os particulares.

    5 - Com a caducidade da declaração de utilidade pública o expropriado fica colocado na mesma situação em que se encontrava anteriormente a ser proferida tal declaração, pois a...

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