Acórdão nº 0811/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelFREITAS CARVALHO
Data da Resolução03 de Novembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I. A… e Município de Leiria recorrem da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra de 11-11-2002, que, julgando parcialmente procedente a acção de responsabilidade civil extracontratual proposta pelo primeiro recorrente, condenou o segundo a pagar àquele a quantia de 12.500 € (sendo 7.500 € a título de danos patrimoniais e 5.000 € a título de danos não patrimoniais), acrescidos de juros moratórios vincendos, calculados à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento.

O primeiro recorrente formula as conclusões seguintes : I. Impunha-se que fosse dado por provado o facto constante do quesito 8º, ao contrário do sucedido, atenta a prova documental que se encontrava junto dos autos como documento 3 que acompanhou o requerimento de prova junto ao abrigo do artigo 512º do Código de Processo Civil, com data de entrada de 27.10.2000, pois que tal documento é uma certidão do Tribunal do Trabalho de Leiria do auto de exame médico e do auto de conciliação em que se descreve com clareza de que o Recorrente foi vítima de um acidente de trabalho no 22 de Outubro de 1993 e que lhe determinou uma I.P.P. de 0.10 desde 24/09/95; II. O referido documento é um documento autêntico e como tal faz "prova plena dos factos...que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora", e a força probatória dos factos nele insertos só poderiam ter sido colocados em crise mediante prova da sua falsidade, o que não sucedeu - artigos 371º e 372º n.º 1, ambos do Código Civil, pelo que a factualidade neles inserta deveria de ter sido atendida quer para efeitos de danos patrimoniais, quer de danos não patrimoniais, ao contrário do que sucedeu - artigo 659º n.º 3 do Código de Processo Civil, cometendo o Tribunal recorrido uma nulidade ao abrigo do disposto nos artigos 201.º e 202.º, ambos do C. P. C.; III. Não obstante o valor atribuído a título de danos patrimoniais já de si ser de diminuto valor, acresce que pelos motivos supra expostos a incapacidade do A. não "é apenas de 10%", pois que os presentes 10% vêm agravar a situação de incapacidade de que o A. já era portador na outra perna (e não considerada pelo Tribunal). Sendo o Réu o Município este é responsável também por este agravamento, por se tratar de uma situação em que o A. fica incapacitado dos seus meios de locomoção: as duas pernas que ficam incapacitadas; IV. Padecer de uma incapacidade de 10% numa perna, e posteriormente ver-se incapacitado em 10% na outra perna, conduz a que o A. veja a sua situação, a sua incapacidade, e os seus esforços, agravados em mais de 10%, pois que antes o A., como é notório, conseguia colmatar a incapacidade que afectava a sua perna direita forçando e socorrendo-se de maiores esforços da perna esquerda. É óbvio que a partir deste acidente de que foi vítima a sua situação se irá agravar, pelo que o valor a ter em conta como incapacidade deveria ser superior a 10%, melhor dito fixado em 15%.

V. Conforme consta do doc. 3 junto pelo A. com o requerimento entregue ao abrigo do artigo 512º do C.P.P., quando este foi vítima de um acidente de trabalho no ano de 1993, foi fixado, em 24.09.95, em função de uma semelhante incapacidade, também na perna, e também de 10%, o pagamento de PTE 75.637$00 ano, contravalor de € 377,28 por ano, detendo à data 36 anos; VI. Atendendo ao facto de que a esperança média de vida para os homens se situar nos 75 anos, conclui-se então que a referida indemnização pretendeu fazer face ao nível de qualidade de vida do A. ao longo dos seus remanescentes 39 anos de vida, o que ao valor da indemnização corresponde a PTE 2.949.843$00 com o contravalor de € 14.713,75, quase metade da indemnização aqui atribuída de € 7.500,00.

VII. Acresce aquela ter sido fixada 7 anos antes da presente, e ainda no facto de a actual incapacidade acrescer a outra incapacidade de que o A. já padecia, e que se situa também ao nível de um membro inferior; VIII. E nem a sentença atentou ou pareceu atentar que o Autor já em 1999 auferia um salário mensal ilíquido de 138.640$00 (resposta ao quesito 15) e que o acidente lhe afectou a capacidade de ganho e de destreza ao ponto de com os anos sentir que cada vez é menos igual aos outros, e ainda no facto de ano para ano o tempo médio de vida vir a aumentar, fruto, entre outros, de maiores conhecimentos científicos e médicos, pelo que é legítimo prever que o A. tenha uma duração de vida superior à média hoje fixada para os homens em 75 anos e por isso o documento agora junto não peca por extemporâneo (Doc. 1); IX. E veja-se que o Autor por claudicar na marcha não sofre apenas de uma menor mobilidade funcional geral e parcial, mas também de uma menor capacidade profissional, face à situação actual de maior variabilidade do emprego aliada à variabilidade funcional no próprio local de trabalho. Atentos todos os motivos expostos, a que se junta a subida na carreira e aumento de salário e o valor da inflação, considera-se mais do que justo o valor peticionado a título de danos patrimoniais de € 19.951,91 = PTE 4.000.000$00 com juros de mora a calcular desde a citação dos demandados, o que se pede e que a pecar é só e apenas por defeito; X. O A. reputa de manifestamente insuficiente o valor da indemnização /compensação a título de danos morais face aos factos alegados e provados, e que resulta também do facto de o Tribunal a quo não haver considerado para este efeito que o A. padecia de uma I.P.P. de 10% no outro membro inferior, e que releva também a este nível; XI. Com a duração média de vida para os homens hoje fixada em 75 anos, e tendo em consideração que a vida activa termina aos 65 anos, certo é que o A. terá pelo menos 10 anos para gozar na qualidade de reformado, e nessa altura, as suas dores e dificuldades de locomoção, para se calçar, para se deslocar, para transportar objectos, para carregar coisas, e até mesmo para conduzir, atingirão o seu pico; XII. A incapacidade e o agravamento da situação de saúde do A. não é apenas uma perda patrimonial, pois que será muita a amargura de quem trabalhou uma vida inteira não poder realizar a totalidade dos seus sonhos e desejos que guardou e reservou para aquela fase da vida em que o tempo lhe deu disponibilidade para os poder concretizar. Certamente mais cedo deixará de poder acompanhar os seus amigos, pois que as suas pernas o atraiçoaram; XIII. Muito custará ao A. passar os seus anos limitado a passeios mais curtos, bem como de precocemente se ter de fazer acompanhar da ajuda de uma bengala pela fragilização dos membros inferiores, e mais cedo do que esperava deixará de conseguir ultrapassar os testes para a ver a sua carta de condução renovada, causando-lhe, inegavelmente, muita tristeza e frustração, pelo que se impõe que o quantitativo compensatório atribuído a título de danos morais venha a ser significativamente melhorado para o valor que na acção se pediu. Por isso se entende como justo e adequado a título de danos morais o valor de PTE 3.500.000$00 = € 17.457,93, o que se pede.

XIV. Foi entendimento do Tribunal recorrido de que "...

nos termos do disposto nos artigos 804º n.º 1 e 805º n.º 3, ambos do Cód. Civil, o A. tem direito a pedir juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento." "Porém, os montantes atribuídos já tiveram em atenção o período de tempo decorrido desde a citação (20/1/2000 - fls. 51 dos autos) e a data da prolação desta sentença, pelo que apenas se vencerão juros a partir desta data, sob pena de se estarem a duplicar os juros.", ou seja, os juros de mora só correm a partir de 11 de Novembro de 2002 ; XV. Caso se venha a entender que o montante atribuído já incorpora os juros vencidos na pendência da lide, fica a parte sem saber efectivamente qual o capital indemnizatório que foi fixado a título de danos patrimoniais e morais, pelo que o A. tem acrescidas razões para refutar de inapropriadas e desconformes os valores fixados, por se revelarem manifestamente insuficientes; XVI. Acresce o facto de que se for este o entendimento, falecem de todo as considerações de que "...apenas se vencerão juros a partir desta data, sob pena de se estarem a duplicar juros.", pois que se assim entendermos os valores indemnizatórios propostos incluem capital e juros vencidos até à data do recorrido aresto, e que só a partir desta data é que se vencem juros, o que implica vencerem-se juros sobre juros ao arrepio do que comina a lei. Depois é de referir que o A. não sabe qual foi o valor do capital fixado! XVII. Caso o tribunal a quo haja entendido de que não existe lugar ao pagamento dos juros que se venceram durante a pendência da acção, considerando que o valor já se encontra actualizado, tal argumento padece de qualquer razão, pois que tem sido entendimento do S.T.J. que "IV - O mecanismo da actualização da indemnização por correcção monetária é compatível com a fixação de juros nos termos do n.º 3 do artigo 805º do Código Civ'" Ac. do Supremo Tribunal de Justiça in www.dgsi.pt com o n.º de processo 01B1140, e ver ainda no mesmo site o Ac. Do Supremo Tribunal de Justiça com o número de 99B005, publicado in BMJ n.º 484, Ano 1999, pg. 359; XVIII. As duas obrigações têm fontes e natureza distintas: a obrigação de indemnizar tem por fonte a responsabilidade civil por facto ilícito e a obrigação de juros tem por fonte a mora, e daí que a obrigação de juros de mora é fixada em função de uma taxa fixada em portaria (artigo 561º do Código Civil), e a obrigação de indemnizar por facto ilícito, numa soma pecuniária que tem como critério a medida da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente, e a que teria se não existissem danos - artigo 566º n.º 2 do Código Civil; XIX. Os juros não constituem forma de "actualização" de prestações devidas nem têm essa função, mas a mora significa e assenta a sua razão de ser na falta de cumprimento em tempo do demandado, pelo que inexiste...

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