Acórdão nº 0371/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelPIMENTA DO VALE
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A... e mulher B..., residentes na Rua ..., nº.../..., Porto, não se conformando com o acórdão do Tribunal Central Administrativo que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto que julgou procedente a impugnação judicial que aqueles deduziram contra a liquidação adicional de IRS, respeitante ao ano de 1990, no valor de 21.880.456$00, dele vêm interpor o presente reverso, formulando as seguintes conclusões: 1. As informações que o douto acórdão recorrido designa como sendo de «fls. 7, 8 e 10 do relatório da IGP de exame à escrita da ...», não podem ter qualquer relevância probatória, uma vez que esse alegado "relatório da IGP" não consta dos autos nem do processo administrativo apenso; dessas citadas folhas avulsas não consta o nome, a categoria ou a assinatura de quem as escreveu, nem a data em que as mesmas foram redigidas, para além de não serem fundamentadas.

  1. O douto acórdão recorrido enferma de erro evidente quando estabeleceu (nos seus pontos 21 a 29) os "critérios legais de eficácia probatória" partindo do pressuposto de que os Recorrentes eram obrigados a ter contabilidade organizada, quando, na verdade, não eram legalmente obrigados a ter contabilidade organizada nem quaisquer livros de escrita.

  2. O art. 44°-1 do Cód. Com. é legalmente inaplicável ao caso sub judice, uma vez que os Recorrentes não são nem nunca foram comerciantes, não são nem nunca foram obrigados a ter escrituração comercial ou livros de escrituração comercial, não estão em causa "factos ou actos de comércio" e da matéria de facto não resulta se os livros da "..." estavam ou não devidamente arrumados.

  3. Atendendo a que a cessão do crédito em causa não se encontrava sujeita a forma escrita (art. 578° do CC) e só produzia efeitos relativamente ao devedor desde que lhe fosse notificada (art. 583° do CC), para prova dessa cessão de créditos era admissível, para além da prova documental produzida, a prova testemunhal também produzida.

  4. Ao decidir não conferir relevância probatória ao documento de fls. 223, o douto acórdão recorrido enferma de erro decorrente de não ter levado em consideração que a declaração exarada em tal documento não foi proferida apenas pelo Recorrente, e que esse documento serviu de suporte a um lançamento contabilístico feito pela ... na sua contabilidade.

  5. Para além de ilegal e de efeitos nefastos, a interpretação que é feita no douto acórdão recorrido das normas dos arts. 44°-1 do Cód. Com., 347°, 376°-2, 392°, 293°-1 do CC e 134°-1 do CPT, sempre seria claramente inconstitucional, por violação, designadamente, do disposto nos arts. 103° e 104° da CRP.

  6. Da matéria de facto dada como assente, mesmo depois das alterações que a esta foram feitas pelo tribunal a quo, não poderá concluir-se que os Recorrentes se recusaram a exibir os documentos relativos a rendimentos, custos, despesas e abatimentos para efeitos de IRS.

  7. A liquidação impugnada enferma, aliás, de duplicação da colecta, na medida em que nela não foram tidos em consideração os montantes de IRS que ao Recorrente comprovadamente foram retidos na fonte pelas entidades pagadoras dos respectivos rendimentos, e que têm a natureza de pagamentos por conta do imposto devido a final.

  8. Não sendo os Recorrentes comerciantes nem se encontrando a cessão de créditos especialmente regulada no Código Comercial nem em qualquer outra legislação comercial, o contrato através do qual a sociedade "..." cedeu ao Recorrente marido e ao seu sócio o crédito que detinha sobre a "...", não pode ser considerado como um acto de comércio.

  9. Ainda que da referida cessão de créditos tivesse resultado para os Recorrentes o ganho que foi alegado pela administração fiscal (no que não se concede), esse ganho, para além de não se integrar na previsão da norma do art. 4º-2/g do CIRS, não se encontrava sujeito a tributação à luz de qualquer outra norma de incidência prevista nesse mesmo diploma.

  10. Assim, o douto acórdão recorrido, ao qualificar a referida cessão de créditos como um «acto de comércio objectivo» e ao submeter os ganhos alegadamente daí derivados (mas, na verdade, inexistentes) ao disposto no art. 4°-2/g do CIRS (na versão anterior àquela que a esta norma foi dada pelo DL 257-B/96, de 31/12), enferma de erro manifesto.

  11. A referida norma do art. 4°-2/g do CIRS, quando interpretada e aplicada com o sentido que lhe foi dado na decisão recorrida, sempre estaria enferma de inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 103°-2 da CRP, bem como do direito à certeza e à segurança jurídica que constitui o fundamento da configuração do princípio da legalidade como reserva absoluta de lei formal (arts. 103°-2-3 e 165°-1/i da CRP).

  12. Perante os factos documentados no processo administrativo, é inequívoca a insuficiência legal da fundamentação da decisão de fixação do rendimento colectável por métodos indiciários, o que inquina a liquidação impugnada de vício de forma.

  13. De todo o modo, sempre a fundamentação da notificação da mesma decisão seria legalmente insuficiente, por dela não constarem os elementos essenciais (v.g., o alegado «relatório da IGP de exame à escrita da ...

    ») através dos quais os Recorrentes pudessem tomar conhecimento dos fundamentos da liquidação, mantendo-se ineficaz o acto notificado, sob pena de violação do disposto nos arts. 268º-3 da C.R.P., 124º e 125º do CPA, 21º e 22º do CPT, e 67º-2 do CIRS.

  14. O douto acórdão recorrido julgou improcedente o invocado vício de insuficiente fundamentação porque se baseou numa leitura errada e parcial de trechos da reclamação dos Recorrentes retirados do respectivo contexto, e porque não levou sequer em consideração que do processo administrativo apenso não constam sequer todas as folhas do alegado "relatório da inspecção tributária", e que nem as folhas que dele constam foram notificadas ao Recorrente.

  15. Para além de o teor da reclamação apresentada pelos Recorrentes contra a decisão de fixação do rendimento colectável infirmar e contrariar claramente o sentido que, despropositadamente, dela foi retirado pela decisão recorrida, a verdade é que, para ser havida como confissão uma qualquer alegação vertida em acto processual que não seja um articulado, o mesmo tem de ser firmado pela parte ou por «procurador especialmente autorizado», o que não aconteceu.

  16. A decisão recorrida incorre, pois, em erro manifesto, quer na parte em que refere que qualquer das alegações vertidas na reclamação da decisão de fixação do rendimento colectável constitui «confissão judicial escrita, coberta por força probatória plena» quanto ao conhecimento do mencionado relatório, quer quando considera provado terem os Recorrentes sido notificados do «relatório da inspecção tributária».

  17. O douto acórdão recorrido violou as seguintes normas jurídicas (art. 690°-2/a do CPC): a. arts. 712°-1/a/b do CPC, 76°-1 da LGT e 134°-1-2 do CPT (correspondente ao actual art. 115°-1-2 do CPPT); b. arts. 2° e 44°-1 do Cód. Com., 347°, 392° e 293°-1 do CC; c. arts. 158° do CPC e 205° da CRP; d. arts. 44°-1 do Cód. Com., 347°, 376°-2, 392°, 293°-1 do CC, 134°-1 do CPT, e arts. 103° e 104° da CRP; e. art. 4°-2/9 do CIRS (na redacção anterior...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT