Acórdão nº 046339 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Abril de 2005

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução19 de Abril de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A… intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa acção de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado Português.

Numa primeira decisão, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou procedente a excepção da prescrição.

O Recorrente interpôs recurso da decisão para o Supremo Tribunal Administrativo, que lhe negou provimento.

Do acórdão proferido pelo Supremo foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que lhe concedeu provimento.

O Supremo Tribunal Administrativo proferiu então novo acórdão em que concedeu provimento ao recurso que tinha sido interposto da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ordenando a baixa dos autos para neste prosseguirem os seus termos.

O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa veio a proferir nova sentença, em que julgou a acção improcedente.

Novamente inconformado, o oponente interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões 1 - A douta sentença recorrida, para julgar como o fez, arrimou-se na chamada "teoria da indemnização". Mas, 1.1 - Salvo o merecido respeito, aplicável aqui é a "teoria do vencimento".

2 - Na verdade, a revisão em matéria disciplinar é qualificável como de "revogação de acto legal", pelo que o art. 83.º, nº 6, do Estatuto Disciplinar aponta para a responsabilidade da Administração no domínio dos "actos lícitos".

2.1 - Diferentemente, o Recorrente arranca de acto ilegal, contenciosamente anulado, pelo que, assim, tudo se passa como se o acto nunca tivesse sido praticado (eficácia "ex tunc") 3 - O direito ao trabalho constitucionalmente reconhecido "abrange necessariamente o direito a trabalhar" (e "tem como corolário o direito de ocupação efectiva do trabalhador" - sendo que a "inactividade" constitui "um factor de desvalorização pessoal para o trabalhador, que afecta a sua dignidade social bem como o seu direito ao_bom nome e reputação": cfr. acórdão do S.T.J., de 22/Setembro/93 - in_"Col. Jur." Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Ano I Tomo III 1993, págs. 272).

3.1 - O Recorrente não exerceu as funções por motivo que lhe é inimputável: a entidade empregadora privou-o, ilegalmente como se apurou, do seu "direito ao trabalho". Assim, 3.2 - Mercê da anulação contenciosa do acto punitivo e da eficácia "ex tunc" do julgado tudo se passa como se a relação de emprego do Recorrente nunca tivesse cessado.

3.3 - Deste modo, não tendo cessado validamente a relação de emprego do Recorrente manteve-se o seu "direito à remuneração" (cfr. art. 39, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro).

4 - A retribuição, em aferição com a Constituição e os princípios nela consignados (e "jura novit curia"), não é correspondente à contraprestação pelo efectivo exercício de funções ou do cargo mas, outrossim, a contrapartida quanto à entidade empregadora da disponibilidade e dação de trabalho pelo trabalhador.

4.1 - Aliás, mantendo orientação há muito firmada (e de que são exemplos o art. 16º, corpo, do Decreto com força de lei nº 19478, de 18 de Março de 1931, e o art. 129 do Decreto-Lei n.º 26115, de 23 de Novembro de 1935) o Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro, postula que "a remuneração base integra a remuneração de categoria e a remuneração de exercício", sendo aquela "igual a cinco sextos da remuneração base" e esta "igual a um sexto da remuneração base" e "as situações e condições que se perde o direito à remuneração de exercício constam da lei" (cfr. art. 5.º, nºs 1 a 4).

4.2 - Ora, e repetindo, o não exercício de funções por parte do Recorrente radica em acto ilegal, contenciosamente anulado.

4.3 - Ou seja: foi-lhe, ilegalmente, imposto o não exercício.

4.4 - Assim, e salvo o merecido respeito, a situação do Recorrente há-de configurar-se como de prestação efectiva de serviço, para todos os efeitos legais.

5 - O art. 243.º, n.º 2, da Constituição, dispõe que "é aplicável aos funcionários e agentes da administração local o regime dos funcionários e agentes do Estado, com as necessárias adaptações, nos termos da lei" - o que se analisa numa verdadeira e própria "cláusula de equiparação de regimes", o que postula a obrigatoriedade de tratamento igual ou semelhante das situações iguais ou relativamente semelhantes "ex vi" do princípio da igualdade.

5.1 - Ora, os funcionários e agentes da Administração Local são também abrangidos pelo Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro.

5.2 - Assim, não se consegue ver qual o fundamento material, assente em valores constitucionais (designadamente "direito ao trabalho", princípio da igualdade), para, em caso de anulação contenciosa de acto punitivo com aplicação de pena expulsiva os funcionários e agentes da Administração Central e Regional terem um tratamento "diminuído/diferente" relativamente aos funcionários e agentes da Administração Local.

5.3 - Destarte, na interpretação e aplicação que deles fez a douta sentença recorrida, o art. 839, n.º 6, do Estatuto Disciplinar o art. 7.º, parágrafo único, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 46001, de 2 de Novembro de 1964 e o art. 538.º n.º 4 do Código Administrativo, são materialmente inconstitucionais por colisão com os arts. 13.º, 243.º, n.º 2, e 277.º, n.º 1, da Constituição, e com o art. 3.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro, em leitura conjugada.

Nestes termos, e nos mais de direito que forem doutamente supridos, DEVE ser revogada a douta sentença recorrida, com todas as suas legais consequências, como é de direito e da melhor JUSTIÇA! O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa contra-alegou, concluindo da seguinte forma: 1. O valor indemnizatório dos danos patrimoniais sofridos por funcionário que esteve em situação de aposentação compulsiva por força de acto sancionatório que veio a ser contenciosamente anulado pode ser aferido pelo valor dos vencimentos que deixou de...

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