Acórdão nº 01009/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução03 de Maio de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório A..., recorreu para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou improcedente o recurso contencioso de anulação que interpusera da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 12 de Novembro de 2002, que cancelou o seu registo como membro do Conselho de Administração de Administração da sociedade ...- Gestão de Patrimónios, S.A.

Concluiu as alegações, formulando as seguintes conclusões: A) o presente recurso vem interposto da decisão de fls. ..., proferida nos presentes autos, em 13 de Fevereiro de 2004, nos termos da qual o Tribunal a quo decidiu negar provimento ao recurso contencioso da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 12 de Novembro de 2002, que cancelou o registo de A... como administrador da sociedade ...- Gestão de Patrimónios, S.A., por considerar que tal acto administrativo não enfermava dos vícios que o aqui Recorrente lhe imputava: a nulidade por violação do princípio da presunção de inocência, conjugado com os princípios do in dubio pro reo e da proporcionalidade; a anulabilidade por violação de violação; e a anulabilidade por erro nos pressupostos de facto.

  1. No entanto, a decisão recorrida não pode aceitar-se, quer no que respeita à matéria de facto seleccionada pelo Tribunal a quo, quer no que respeita à interpretação e aplicação do Direito a esses factos.

    Quanto à matéria de facto C) Para além de o Tribunal a quo, na selecção dos factos considerados assentes com relevância para o presente caso, apenas se ter baseado na versão dos factos apresentada pela Autoridade Recorrida com algumas incorrecções, tal Tribunal não apresentou uma análise crítica das provas que conduziram à referida selecção, nem invocou sequer qualquer fundamento ou meio de prova para a formação da sua convicção quanto a essa matéria.

  2. Tal situação enferma a decisão recorrida de nulidade por falta de fundamentação, violando o disposto no artigo 653º n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 102º da LPTA, bem como no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

  3. Cautelarmente, sempre se dirá que a matéria de facto seleccionada se mostra obscura, excessiva ou deficiente nalguns pontos, pelo que, atento (i) o facto de se encontrarem nos autos os elementos suficientes para o efeito e (ii) os poderes de cognição desse Supremo Tribunal, deverá essa matéria de facto ser alterada ao abrigo do disposto nos artigos 21° do ETAF, 690.º-A, 712.°, 737.° e 759.°, todos do Código de Processo Civil, estes aplicáveis ex vi do artigo 102.° da LPTA, nos termos indicados na alegação e sumariamente referidos nas presentes conclusões.

  4. o ponto 4 dos factos assentes deve ser eliminado por a não ser relevante, por si só, para os presentes autos.

  5. No caso de se entender que tal matéria é relevante, deverão os pontos 4 e 5 dos autos ser alterados nos seguintes termos: Ponto 4.: "Em estudo datado de Julho de 1999 previram-se dois cenários alternativos para reestruturação da ...: o lançamento de uma OPA pela ..., sem determinação da respectiva data da operação e a redução do capital social da empresa." Ponto 5.: "Em estudo datado de Agosto de 1999 previram-se dois cenários alternativos para reestruturação da ...: o lançamento de uma OPA pela ..., coincidente com a efectivamente montada e a redução do capital social da empresa".

  6. Isto porque, os estudos preparados pelo BPP apresentaram duas alternativas de reestruturação lançamento de uma OPA, encontrando-se esses autos (cfr. fls. 447 a 578 do processo instrutor).

  7. O ponto 9 dos factos assentes também deverá ser eliminado, por irrelevante para a matéria sub judice e, fundamentalmente, por a matéria aí consignada - a alegada abertura de uma conta, em nome da ..., pelo Recorrente - não se encontrar demonstrada (não se refere a data em que foi aberta nem se menciona sequer a identificação dessa conta), devendo, em consequência, a menção à titularidade de uma conta em nome da ... ser eliminada do ponto 10 dos factos assentes.

  8. No caso de se considerar que o ponto 9 deve ser mantido deverá ser acrescentado um novo ponto aos factos assentes com a seguinte matéria que, efectivamente, ficou demonstrada e mostra relevante para o caso sub judice: "Não ficou demonstrado que o Recorrente é o beneficiário económico da conta bancária aberta em nome da sociedade ...".

  9. A expressão "por instrução do Recorrente" deve ser eliminada dos pontos 11 e 12 dos factos assentes, por não ter ficado demonstrada qualquer ligação do Recorrente aos movimentos bancários referidos nas alíneas C), D) e J) da Nota da CMVM, que estariam em causa nos presentes autos.

  10. O ponto 12 dos factos assentes deverá passar a ter a "Entre 6.7.1999 e 19.8.1999, a ... adquiriu em bolsa 77.993 acções ordinárias e 11. 001 Acções preferenciais sem voto da ..., ao preço médio unitário de € 4,27 e € 5,10 respectivamente, sendo a maior parte delas adquiridas entre 17 e 19.8.1999 por instruções emitidas em 17 e 18.8".

  11. Consequentemente, requer-se a introdução do seguinte facto assente: "Entre 6.7.1999 e 19.8.1999, a ... adquiriu em bolsa 77.993 acções ordinárias e 11. 001 acções preferenciais sem voto da ... a um preço € 1,22 e € 1,39, respectivamente, abaixo do preço oferecido pela oferente, i.e., 20% a 27% abaixo da contrapartida da OPA" N) Com efeito, ficou provado (cfr. fls. 73 a 119), e aceite pela Autoridade Recorrida, que o preço médio unitário de compra das acções ordinárias e das preferenciais sem voto da ... foi de € 4,27 e € 5,10, respectivamente, e que tais valores ficaram € 1,22 e € 1,30, respectivamente, abaixo da contrapartida da OPA, o que corresponde a 20% a 27% abaixo da oferta da oferente na OPA.

  12. Além do mais, deverá o Tribunal ad quem alterar a matéria de facto seleccionada, introduzindo novos pontos assentes, dos quais constem factos que contrariam a alegada utilização de informação privilegiada e que, dessa forma, se mostram relevantes para demonstrar que a Autoridade Recorrida deliberou o cancelamento do registo de A..., não só sem a existência de uma condenação por sentença judicial, como sem qualquer fundamento factual que lhe permitisse sequer suscitar a dúvida razoável quanto a tal alegada utilização de informação.

  13. É que o Tribunal a quo não considerou (i) que o acordo de assessoria do BPP com a ... não foi assinado pelo Recorrente (cfr. documento nº 7 da petição de recurso), (ii) a confidencialidade inerente e expressamente prevista nesse acordo (cfr. fls. 124 e seguintes), (iii) as funções do Recorrente no BPP e a organização deste Banco (cfr. fls. 124 e seguintes) com a consequente impossibilidade de o Recorrente ter recebido qualquer informação sobre o possível lançamento de uma OPA, (iv) a situação da ... no mercado e os rumores de lançamento de OPA, e (v) a actuação eficaz do Recorrente na sociedade ...- Gestão de Patrimónios, S.A. que permitem concluir que o mesmo habitualmente procede de forma sã e prudente.

  14. O Tribunal a quo igualmente não situou ou conjugou os referidos factos no tempo com aqueles que foram tomados como assentes na decisão de que ora se recorre.

  15. Assim, requer a V. Exas. se dignem introduzir como factos como assentes: "O Recorrente não assinou o acordo de assessoria celebrado entre a ... e o BPP - o qual era confidencial - nem fez parte da equipa designada para a execução desse acordo." "A área de actividade do Recorrente no BPP centrava-se na supervisão da estruturação e monitorização dos investimentos feitos por conta dos clientes, na qual não se inclui a tomada de decisões ou análise de situações de reestruturação de empresas clientes dessa instituição bancária." "Antes do anúncio do lançamento da OPA pela ..., havia rumores no mercado de que seria lançada uma OPA sobre a ...." "Por via da actuação ponderada e criteriosa do Recorrente, no período em que a sociedade ...- Gestão de Patrimónios, S.A. iniciou a sua actividade, e em que a rendibilidade do Índice MSCI World registava um valor negativo de 40,5% e o do Índice PSI20 um valor negativo na ordem dos 48,57%, a rendibilidade média líquida acumulada das carteiras de gestão discricionária dos clientes daquela sociedade registava um valor positivo de 7,58%, sendo que a pior carteira num período de doze meses apresentava um valor positivo na ordem dos 2,5% de rendibilidade líquida." "Foi graças à avaliação cuidada e ponderada dos riscos de investimento dos clientes por parte dos administradores da sociedade ..., ..., Gestão de Patrimónios, S.A. e da preocupação fundamental dos respectivos administradores em conter perdas e evitar períodos de doze meses negativos nas carteiras os clientes que a rendibilidade das carteiras destes se mantinha positiva, sem variações significativas." Quanto à matéria de Direito: S) A interpretação do Tribunal a quo do disposto no art. 30º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, conjugado com o disposto no art. 70º, n.º 4 do mesmo diploma legislador, contrariando os elementos literal e sistemático (cfr. artigo 9.º do Código Civil) e viola o principio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32º, nº 2 da C. Portuguesa, o princípio do in dubio pro reo que é uma decorrência daquele e o princípio da proporcionalidade, previsto nos artigos 18º e 226º da Lei Fundamental e no artigo 5º do Código de Procedimento Administrativo.

  16. A interpretação, em termos objectivos, do disposto no n.º 2 do artigo 30º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras implica a consideração da alínea c) do nº 3 do mesmo artigo que não permite o cancelamento do registo do Recorrente sem ter havido uma sentença condenatória transitada em julgado pela prática de um dos crimes aí previstos, o que não sucedeu, não tendo ficado demonstrado ou sido alegado que o Recorrente foi condenado na prática de qualquer desses crimes.

  17. A objectividade do preceituado no...

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