Acórdão nº 0539/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Outubro de 2005

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução11 de Outubro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em subsecção, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

1.1.

A..., sociedade comercial com sede na ..., em Matosinhos, pessoa colectiva número 501142959, intentou, no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, acção declarativa de condenação, por responsabilidade civil extracontratual, contra o Estado e ..., Director Geral da Pecuária.

A acção vinha fundada na responsabilidade do Estado por acto lícito, consistente na proibição de importação de 20000Kg de coelho congelado provenientes da República Popular da China, com base em motivos de ordem sanitária. A responsabilidade do 2.º réu derivava de ter sido ele, na qualidade de Director-Geral da Pecuária, que impedira a importação.

1.2.

Pelo despacho saneador-sentença, de fls. 66 a 80, o TAC do Porto julgou a acção improcedente, por não provada, e absolveu os réus do pedido.

1.3.

Não se conformando, a autora interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, o qual, pelo acórdão de fls. 131-146, revogou aquela decisão quanto à absolvição do Estado e confirmou-a quanto à absolvição do réu ..., e ordenou a baixa dos autos ao TAC do Porto para ali prosseguirem os seus termos com a elaboração de especificação e questionário.

1.4.

Pela sentença de fls. 310 a 346, o TAC do Porto julgou a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenou o Estado Português a pagar à autora a quantia de trinta e cinco mil oitocentos e quarenta e três euros e quarenta e nove cêntimos, a titulo de indemnização por danos emergentes, quantia essa acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação até efectivo pagamento.

1.5.

Inconformado com a sentença, o Estado Português interpôs o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formula seguintes conclusões: "1- Como resulta dos autos, a A. instaurou a presente acção, pretendendo efectivar a responsabilidade civil extracontratual do Estado Português, decorrente de acto lícito de gestão pública praticado por agentes do Estado, que consistiu na proibição de importação de 20.000Kgs de carne de coelho congelada proveniente da República Popular da China, com base em motivos de ordem sanitária (saúde pública).

2- Tem-se entendido que a responsabilidade por actos lícitos depende de uma série de requisitos, uns de ordem geral, outros que são específicos desta modalidade.

3- Em relação aos específicos, face ao disposto no art°. 9º, do Dec. Lei n° 48.051, de 21.11.1967, exige-se: a) a prática de um acto administrativo ou material lícito por parte do Estado ou doutra pessoa colectiva pública; b) uma causa de interesse público; c) um prejuízo; d) a existência de um sacrifício especial e anormal; e e) um direito subjectivo violado.

4- Em relação aos requisitos de ordem geral, exige-se: a) nexo de imputação do facto ao responsável; e b) nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado danoso provocado.

5- Face à factualidade dada como assente e provada, ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, não se verificam os pressupostos enunciados nas al.s d) e e), em relação aos específicos e o enunciado na al. b), em relação aos de ordem geral.

6- Na verdade, no caso em análise, não se está perante um sacrifício especial e anormal, nem que tenha sido violado um direito subjectivo, nem se mostra preenchido o nexo de causalidade entre a conduta do agente e os prejuízos sofridos pela A..

7- Dessa forma, fez a Mmª Juiz "a quo" uma errada interpretação e uma errada subsunção jurídica da factualidade apurada.

8- Para além disso, a douta sentença recorrida contém afirmações/conclusões que estão para além e contrariam a factualidade dada como assente e provada.

9- Desde logo, ao contrário do que refere a douta sentença recorrida, a A. não adquiriu por contrato de compra e venda a carne de coelho congelada em causa, já que aquilo que se provou foi apenas o teor do contrato constante de fls. 169 dos autos, donde consta que a entidade compradora foi a Fish Vigo. S. A. e não a A..

10- Depois, ao contrário do referido na douta sentença recorrida, a proibição de importação de carne de coelho e a sua posterior destruição pela Alfândega do Porto não se traduziu na impossibilidade de a A. poder dispor dessa mercadoria, já que não é isso que resulta da factualidade apurada (vide resposta aos quesitos 15e 28).

11- Depois, ao contrário do referido na douta sentença recorrida, da factualidade apurada não resulta minimamente que a A. tenha feito todas as diligências no sentido de obter mercado para a colocação da dita carne de coelho, tendo-lhe sido de todo impossível consegui-lo.

12 - Por um lado, não é isso que resulta sequer do documento junto a fls. 42 dos autos, pois o mesmo contém apenas uma informação do despachante relativamente ao mercado comunitário, deixando antever que nada foi feito em relação ao mercado extra-comunitário, o único viável.

13 - E por outro lado, estava vedado à Mmª Juiz "a quo" na apreciação da matéria de facto ir para além da factualidade apurada, como aconteceu.

14 - Mais grave ainda é concluir, como o fez, que a impossibilidade de a A. conseguir mercado para a reexportação daquela carne se apresentar como facto notório, não necessitando de alegação e prova.

15- Depois, ao contrário do que é referido na douta sentença recorrida, o art° 2°, do Dec. Lei n° 28467, de 14.02.1938, não faz depender a reexportação da mercadoria na detecção de qualquer afectação de carácter contagioso. Diz antes que os animais poderão ser mandados abater sem direito a indemnização desde que se verifique a impossibilidade da sua reexportação. E no caso em apreço, foi ordenada a reexportação da mercadoria… 16 - Finalmente, ao contrário do referido na douta sentença recorrida, o exame laboratorial de diagnóstico à mercadoria em causa não competia às entidades oficiais, mas antes à A., através de um pedido formal, como resulta inequivocamente do art° 7°, do regulamento ( C. E. E. ) n° 4151/88, do Conselho, de 21.12.1988.

17- Violou, assim, a Mmª Juiz "a quo" tais disposições legais, bem como o disposto nos art°.s 264°, 514°, 659°, n°2 e 664°, do C. P. Civil.

18- Por isso mesmo, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando - se a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra que absolva o R. Estado do pedido".

1.6.

A autora não contra-alegou.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

2.1.

A sentença considerou, em sede de "FACTOS PROVADOS": 1) No início de Novembro de 1988, a autora iniciou com a firma chinesa "Cofco Srangso, Br" - doravante apenas Cofco - um processo de importação de coelho congelado, originário da República Popular da China (RPC); 2) Em carta datada de 16 de Novembro de1988, a autora solicitou à Direcção Geral de Comércio Externo (DGCE) a emissão de uma declaração de importação (DI) para 20.000 quilos de "carne de coelho doméstico congelado" originária da RPC; 3) No dia 21 de Novembro de 1988, foi emitida pela DGCE, em favor da autora, a solicitada DI - n°698058 - cujo teor se encontra a folha 33 dos autos, dada por reproduzida; 4) Em 24 de Fevereiro de 1989, a mercadoria em questão foi apresentada à Alfândega do Porto; 5) Em 1 de Março de 1989, na sequência de contactos estabelecidos pela autora com a Direcção Geral de Pecuária (DGP), esta comunicou-lhe que o assunto se encontrava em estudo - ver folha 7 dos autos, dada por reproduzida; 6) Por despacho de 30 de Março de 1989, não foi autorizada a concretização da importação da carne de coelho - ver folha 40 dos autos, dada por reproduzida; 7) No dia 31 de Março de 1989, a DGP comunicou à autora que, de momento, não era possível a emissão de pareceres sanitários favoráveis, indispensáveis à importação de coelho congelado de origem chinesa - ver folha 8 dos autos, dada por reproduzida; 8) Em 31 de Março de 1989, a autora foi notificada para proceder à...

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