Acórdão nº 01112/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Novembro de 2005
Magistrado Responsável | RUI BOTELHO |
Data da Resolução | 23 de Novembro de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório A Câmara Municipal da Ribeira Grande, na qualidade de autoridade recorrida, e B...
, na de recorrido particular, vieram recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Ponta Delgada, de 2.3.04, que concedeu provimento ao recurso contencioso interposto por A...
, com melhor identificação nos autos, da deliberação camarária de 7.8.01, que deferiu, à referida sociedade, um pedido de informação prévia visando a edificação de dois armazéns.
Terminaram a sua alegação formulando as seguintes conclusões: A Câmara Municipal: A) Apenas são impugnáveis contenciosamente os actos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos - Artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa; B) Nos autos, o acto recorrido é a deliberação da Câmara Municipal da Ribeira Grande que deferiu o pedido de informação prévia formulado pela sociedade comercial B..., no âmbito de um processo de licenciamento de obras, ao abrigo do disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro (alterado pela Lei n.º 29/92, de 5 de Setembro e Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro) - Regime Jurídico do Licenciamento Municipal de Obras Particulares; C) O pedido de informação prévia é uma faculdade reconhecida a qualquer legítimo interessado de requerer à Câmara Municipal informação sobre a viabilidade de realização de determinada obra, sujeita a licenciamento municipal, e respectivos condicionalismos legais ou regulamentares; D) É este o seu objecto, sendo certo que o eventual deferimento do pedido diminui os riscos de não aprovação do projecto apresentado, tendo o conteúdo dessa informação prévia natureza vinculativa para a Câmara Municipal (sublinhado nosso); E) Ao contrário do que se refere na sentença recorrida - o deferimento de um pedido de informação prévia não implica, por si só, o deferimento do pedido de licenciamento (sublinhado nosso); F) Desde logo, porque ao deferir o pedido de informação prévia, a Câmara Municipal apenas fica vinculada ao objecto do pedido do interessado (assim, João Pereira Reis e Margarida Loureiro, "Regime Jurídico da Urbanização e Edificação", 2.ª edição, Almedina); G) O que significa que poderá haver aspectos do processo de licenciamento propriamente dito que não foram detalhados e concretizados pelo particular no pedido de informação prévia e que, mais tarde, poderão impor o seu indeferimento; H) Depois, porque o pedido de licenciamento pode nem vir a ser requerido (relembre-se que a Câmara Municipal apenas está vinculada ao conteúdo da informação pelo prazo de um ano).
I) Assim, forçoso é concluir que a deliberação que sobre aquele pedido recaia é «destituída de lesividade relativamente a terceiros, por nada decidir sobre o licenciamento» (Ac. STA, de 13/12/2000, in Ac, STA www.dgsi.com); J) O acto não é susceptível de lesar direitos ou interesses de terceiros, como é o caso da recorrente, pelo que não era recorrível; K) A audiência dos interessados deverá ocorrer obrigatoriamente antes da decisão final de deferimento ou indeferimento do pedido de licenciamento e não nesta fase; L) No artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo pretende abranger-se apenas os interessados obrigatórios no procedimento (assim, Mário Esteves de Oliveira e outros, "Código do Procedimento Administrativo", 2.ª edição, Almedina); M) No caso concreto, a recorrente não é titular do direito de audiência. Porquanto; N) A recorrente não é interessada directa e obrigatória no processo de informação prévia. E; O) O acto em causa não é lesivo de interesses ou direitos de terceiros, nos termos já expostos; P) A recorrente é tão interessada como os restantes munícipes; O) Nem no processo de licenciamento de obras o legislador impôs à Administração uma fase de discussão pública, como o faz para os pedidos de licenciamento de operações de loteamento; R) Reconhecer à recorrente um direito de audiência no procedimento que conduz ao deferimento ou indeferimento de um pedido de informação prévia é instaurar uma fase de discussão pública neste tipo de procedimento.
S) A preterição de audiência prévia não é causa de nulidade, antes tornando o acto anulável (Ac. STA, 1.ª secção, de 15/12/1994, AD n.º 403, pág. 783); No original avançou-se do S para o CC.
CC) Qualquer condicionalismo que a recorrida quisesse impor ao pedido de informação prévia, teria de basear-se na lei ou em regulamento; DD) Da mesma forma, qualquer indeferimento daquele pedido teria que se basear em disposições legais ou regulamentares e não em juízos de discricionariedade de natureza estética ou paisagística; EE) Na sequência da solicitação pela CMRG de emissão de parecer sobre o pedido de informação prévia apresentado pela sociedade B... (N.º 78/2000), pronunciaram-se desfavoravelmente a Direcção Regional do Turismo, do Ordenamento do Território e Recursos Hídricos e da Cultura. Porém; FF) Nenhuma invocou qualquer fundamento enquadrado ou enquadrável no supra citado artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 445/91. Assim; GG) Estando a CMRG adstrita a critérios de legalidade, outra não podia ter sido a sua deliberação.
HH) O acto recorrido não resulta qualquer violação - actual ou potencial - das normas substantivas relativas ao Ambiente, atendendo a que este não define como será concretizada a futura construção; II) Ao longo do procedimento de licenciamento, a CMRG teria a oportunidade de apreciar se o particular requerente irá cumprir todas as normas legais existentes e aplicáveis que se destinam a salvaguardar o ambiente e património; JJ) Veja-se o Ac. TCA de 07/01/99, Proc. n.º 0181/98, in www.dgsi.pt, que, a propósito de um pedido de suspensão de eficácia, dispõe no seu sumário: «Para que um dano (irreparável ou de difícil reparação) possa considerar-se consequência provável do acto administrativo, deve existir entre o acto e o dano um nexo de causalidade adequada (...); III - Não existe causalidade adequada entre um acto administrativo de deferimento de um pedido de informação prévia sobre a viabilidade de construção, ao abrigo do disposto no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e eventuais danos no "ordenamento territorial e aquífero" resultantes da possível futura construção. É que o deferimento do pedido de informação prévia não é condição necessária do deferimento do futuro licenciamento (que pode ocorrer sem tal informação), nem a existência de tal deferimento é condição suficiente para obtenção do licenciamento de construção (a construção pode ser indeferida, mesmo tendo havido deferimento do pedido de informação prévia»; Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, assim se fazendo Justiça.
O Recorrido particular: 1a) A, aqui recorrida, não tem interesse directo, no procedimento administrativo de informação prévia em causa nos autos, nem nele tem sequer interesse legítimo, já que a construção projectada se situa fora da área legal de protecção do seu imóvel. Por conseguinte; 2a) Não lhe assistia no mesmo procedimento qualquer direito de audiência prévia, nos termos do artigo 100° do CPA.
3a) Entendendo em contrário a sentença recorrida violou aquele preceito do CPA, que deve ser interpretado conforme o defendido nas presentes alegações de recurso.
4a) Mesmo assim se não entendendo - o que só por hipótese académica se admite - e porque a, ora, recorrida, já se pronunciara - aliás profusamente - no processo sobre as questões a ele atinentes sempre essa audiência seria dispensável (art.º 103°, nº 2, a) do CPA).
Sempre sem prescindir; 5a) Sendo as causas de indeferimento do licenciamento taxativas (e apenas elas que, igualmente, podem validamente fundamentar o indeferimento do pedido de informação prévia) a sua não verificação vincula as câmaras municipais ao deferimento de tais pedidos. Assim; 6a) Admitindo - sem conceder - tal vício de forma, resultante do não cumprimento da formalidade de audiência prévia dos interessados, «não tem carácter invalidante sempre que através de um juízo de prognose póstuma, o tribunal conclua que a decisão era a única concretamente possível» (Ac. do STA, 1.ª secção, de 28/05/1998 in www.dgsi.pt) Todavia e sem prescindir; 7a) É entendimento pacífico o de que «Manifesta afectação da estética das povoações, adequada inserção no ambiente urbano ou da beleza das paisagens» são conceitos vagos ou indeterminados, nos quais é livre a escolha da câmara municipal dos pressupostos de facto que os hão-de preencher. Daí que; 8a) Tais actos são contenciosamente insindicáveis, excepto quando se alegue desvio do poder ou vício relativo a aspectos vinculados, o que não é o caso, nem foi alegado. - Cfr. Ac. do STA de 23-10-80, in Ac. doutrinais, n.° 228, pág. 1420.
9a) Incapaz de invocar uma - qualquer uma - lei ordinária que valida e expressamente a sustente, a sentença recorrida invoca a Constituição da República Portuguesa, designadamente o seu artigo 66°, n.º 1. Porém; 10a) Fá-lo tendo por base não juízos de legalidade objectiva, mas apreciações subjectivas, claramente de mérito e oportunidade, invadindo competências próprias das Câmaras no âmbito da restrita discricionaridade técnica (como, designadamente, saber se o projecto que se pretende viabilizar se enquadra esteticamente, ou não, na paisagem envolvente). Assim; 11a) É nula a sentença recorrida, por apreciar e conhecer de questões, de oportunidade e mérito, que lhe estava vedado conhecer.(artigo 668°, n° 1 -d) do CPC, "ex vi" do artigo 1° da LPTA, então em vigor).
12a) Ainda que assim não se entenda, não há qualquer suporte, de facto, no processo instrutor que permita afirmar - como o faz a sentença recorrida - que a construção cuja viabilidade, em sede de informação prévia, se requereu constitua «um atentado ao ambiente ecologicamente equilibrado».
Pelo que; 13a) A deliberação camarária em causa não viola - nem de perto, nem de longe - o conteúdo essencial de qualquer direito fundamental, não padecendo da...
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