Acórdão nº 0363/06 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução07 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A... e ..., com melhor identificação nos autos, vêm recorrer da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto (TAC), de 18.11.05, que negou provimento à acção emergente de responsabilidade civil extracontratual que intentaram contra a Câmara Municipal do Porto e os Caminhos de Ferro Portugueses, EP.

Terminaram a sua alegação formulando as seguintes conclusões: 1.ª O loteamento titulado pelo alvará n.º 41/80 da CMP, emitido a favor dos Recorrentes, dispensava quaisquer obras e trabalhos especiais de urbanização, por isso que, nos termos do disposto no n.º 1, do art. 19.º, do DL 289/73, se dispensou a apresentação de projecto definitivo de obras.

  1. Não era necessária a construção de qualquer arruamento novo, nem havia infra-estruturas urbanísticas a realizar.

  2. As obras a realizar, de pavimentação da estrada e de canalização das águas das chuvas, estiveram paradas durante dezassete meses, sem que tivesse ocorrido qualquer embargo, ou sequer revogada a respectiva licença.

  3. Os problemas dos Recorrentes iniciaram-se em 24 de Março de 1980, com a suspensão daqueles trabalhos, ordenada por funcionário da CMP, sendo que, apenas em 1987 foi possível iniciar as edificações previstas para o local.

  4. Do que resultaram avultadíssimos prejuízos para os interessados, fora no agravamento do custo da construção, entre 1982 (momento em que se deveria ter iniciado) e 1987, fora nos rendimentos que deixaram de auferir dos imóveis, durante a sua exagerada tramitação, fora nos lucros desses rendimentos, de que se viram privados.

  5. No procedimento administrativo relativo ao alvará n.º 41/80, encontrando-se o mesmo concluído, pois que o alvará havia sido emitido, não pode entender-se que faltavam quaisquer elementos ou documentação, para a correcta instrução do processo.

  6. E, ainda que assim fosse, essa omissão, porque ultrapassados todos os legais e razoáveis prazos para o saneamento do processo, não podia já ser assacada aos Recorrentes a responsabilidade dessa omissão. Os requerimentos presumiam-se devidamente instruídos (art. 3.º, n.º 2, do DL 289/73, de 6-6).

  7. Se o loteamento não justificava nem originava a necessidade de infra-estruturar o local, o que já se verificava, não estavam os Recorrentes obrigados na apresentação de projectos definitivos de obras de urbanização.

  8. A solicitação da CMP os Recorrentes apresentaram memória descritiva relativa à pavimentação do armamento e à colocação de um colector para recepção de águas pluviais, assim se cumprindo o disposto no art. 9.º, n.º 1, do DL 289/73, de 6-6.

  9. Apesar da junção daquela memória descritiva, os Recorrentes obrigaram-se a apresentar novos projectos de infra-estruturas, em 8 de Maio de 1981, em 6 de Julho de 1981, em 6 de Outubro de 1981, e em 22 de Dezembro de 1981, sempre em resposta a solicitações arbitrárias e desnecessárias da CMP, sem que as obras fossem embargadas, ou revogada a licença.

  10. As obras a realizar, em consideração à sua extrema simplicidade, não reclamavam que o respectivo termo de responsabilidade fosse firmado por engenheiro civil, em vez de o ser por arquitecto (art. 4.º, n.º 3, do DL 73/73, de 28-02).

  11. Os arquitectos podiam projectar instalações simples, cujo dimensionamento dispensasse outra justificação, como era o caso (art. 5.º, n.º 4, do DL 73/73, de 28-02).

  12. Não era regra que os projectos de infra-estruturas devessem ser elaborados por engenheiros (art. 3.º, n.º 2, do DL 73/73, de 28-02).

  13. Foi igualmente arbitrária a exigência, efectuada em 1982 por funcionários da CMP de construir um muro de suporte de terras em betão armado, quando, no inicial alvará se previa a mesma construção em pedra.

  14. Aceitaram, depois, os mesmos funcionários a construção do muro em betão ciclópico, após a aceitação dos Recorrentes dessa obra, em alteração ao projecto de loteamento inicialmente aprovado.

  15. Os atrasos na execução dos trabalhos resultaram de actos ilícitos e culposos de funcionários das RR., desde logo porque os AA., ora Recorrentes, foram obrigados à suspensão dos trabalhos, sem que houvesse legítima fundamentação para tanto, e sem que fossem cumpridos quaisquer trâmites. A obra nunca foi embargada, nem a licença revogada.

  16. Todas as formalidades impostas de seguida foram excessivas, logo porque, a final, a obra ter acabado executada como fora previsto no Alvará n.º 41/80, de 9-7.

  17. Relativamente aos processos respeitantes aos pedidos de construção (o primeiro apresentado em 7 de Setembro de 1982, sendo o respectivo alvará emitido apenas em 7 de Janeiro de 1987), não se aceita que a servidão "non aedificandi" criada pelo Dec. Reg. n.º 51/82, de 19-8, pudesse brigar com o Alvará n.º 41/80, inviabilizando aqueles pedidos, ainda que em conformidade com a licença de loteamento.

  18. O Alvará de loteamento n.º 41/80 teve aptidão suficiente para atribuir, aos respectivos beneficiários, direitos subjectivos relativos às características da edificação permitida.

  19. E esses direitos adquiridos mereciam a tutela jurídica que não tiveram.

  20. Em face da ocorrência de inúmeras diligências burocráticas, repartidas entre as RR., CMP e CP, apenas em Outubro de 1985, puderam os Recorrentes ver retomar o andamento dos licenciamentos de construção.

  21. Estando os Recorrentes na posse de alvará que titulava as suas pretensões, tornando-se necessária, para aplicação da faixa "non aedificandi" a alteração daquela licença, ou, como na sentença em crise se reconhece, a aprovação de novo licenciamento, não se vê como desresponsabilizar as RR. de repetidas exigências colocadas aos primeiros.

  22. Um despacho de prorrogação de prazo para apreciação de projecto de arquitectura não tem virtualidade suficiente para operar uma revogação implícita, pois que do mesmo não resulta qualquer vontade quanto à decisão a proferir. Por isso que o invocado e admitido deferimento tácito daquele pedido, de 7 de Setembro de 1982, relativo à construção no lote n.º 4, não pode haver-se por implicitamente revogado.

  23. Os trâmites dos procedimentos em apreço foram ainda perturbados pelo processo de integração do lote n.º 6 no domínio público, que, tendo-se extraviado naqueles serviços camarários, tramitou na CMP de 1983 a Julho de 1986.

  24. Naquele lote n.º 6, que serviu para alargar a via pública já existente, depois da respectiva pavimentação e da conclusão dos trabalhos (em 22 de Outubro de 1982), resultou a imediata afectação ao domínio público. O que não podia ser de outra maneira, a não ser que naquela via fosse vedado o acesso público, o que nunca ocorreu.

  1. A afectação ao domínio público do lote n.º 6 ocorreu em 22 de Outubro de 1982, com a conclusão dos trabalhos de pavimentação, e com a sua afectação à utilidade pública.

  2. Por isso que se revelou absolutamente incompreensível, negligente e, por isso, ilícita, uma tramitação de quatro anos, para operar uma cedência ao domínio público ocorrida e operada logo em 1982.

  3. Mais quando o alvará de ocupação da construção do lote n.º 4 estava condicionado pela conclusão deste processo de aquisição.

  4. Os diversos processos burocráticos eram interdependentes e as tramitações decorreram em paralelo, assim como os respectivos atrasos.

  5. A desatenção e descortesia repetidamente sofridas pelos Recorrentes, quando se deslocavam aos serviços da CMP, merecem tutela jurídica, porque, perdendo incontáveis dias de trabalho, ali foram maltratados, desgastados em esperas intermináveis, enervados e afectados de forma muito sensível. Por isso que é legítimo o pedido efectuado a título de danos não patrimoniais.

  6. Da verificada omissão de velar por que os pareceres e resoluções respeitantes aos processos de licenciamento fossem emitidos e proferidos dentro dos prazos legalmente fixados resulta a ilicitude do comportamento, gravemente negligente, que presidiu à condução dos processos administrativos em apreço.

A recorrida Câmara Municipal do Porto concluiu assim a sua contra-alegação: A- A administração pública responde, no quadro da responsabilidade por factos ilícitos, culposos ou não, não só pelos prejuízos que causa directamente, mas também por aqueles que provoca pelo não exercício, da actividade de vigilância que por lei lhe compete.

B- Não lograram os recorrentes em mostrar verificados nos presentes autos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público por actos ilícitos e culposos.

C- Não se retira da matéria dada como provada que as exigências feitas aos recorrentes no âmbito dos processos de licenciamento, bem como dos eventuais atrasos na execução das obras de urbanização de loteamento, resultasse de qualquer acto ilícito ou culposos dos funcionários da ora recorrida.

D- Outrossim, resulta da matéria dada como provada o cumprimento de normas legais e regulamentares por parte dos referidos funcionários, sem qualquer desvio ou abuso de poder.

E- Os danos não patrimoniais peticionados, da forma como foram configurados, não merecem a tutela do direito, nomeadamente de acordo com o estipulado no art.° 496 n° 1 do Código Civil.

E a recorrida Caminhos de Ferro Portugueses, EP, assim, a sua:

  1. As alegações de recurso dos recorrentes, aliás doutas, traduzem-se num vago lamento, sem conclusões e sem indicação de qualquer norma jurídica violada.

  2. O que implica, se tal nulidade não for adequadamente suprida - art°. 690º. do C.P. Civil - o não conhecimento do recurso.

  3. De qualquer modo, a douta decisão em apreço apreciou exaustivamente a matéria de facto assente nos autos e dela fez correcta subsunção jurídica, não violando qualquer preceito jurídico (daí a sua não indicação conclusiva pelos recorrentes).

  4. Deve, como tal e de qualquer jeito, aquela douta decisão ser integralmente mantida, na improcedência do recurso.

O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer: "A sentença sob recurso, julgando improcedente a acção de responsabilidade civil...

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