Acórdão nº 0431/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução22 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório A…, com melhor identificação nos autos, vem recorrer, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão do TCA Norte, de 13.1.11, que, revogando o acórdão do TAF de Braga, considerou improcedente a acção administrativa especial que interpôs contra o Ministro da Administração Interna onde se pedia que fosse “(...) declarada a nulidade do despacho do Comandante da Brigada de Trânsito da GNR, datado de 01.03.1999”, que lhe aplicou a pena de oito dias de detenção “e do despacho de indeferimento expresso de Recurso Hierárquico, da autoria do Secretário de Estado da Administração Interna, datado de 06.02.2009, constante do Parecer n° 63- HM/2009 da Direcção dos Serviços Jurídicos e de Contencioso do MAI, e que lhe foi notificado em 12.02.2009”.

Terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões: 1- As normas constantes do artigo 92º n.º 1, da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (LOGNR), aprovada pelo Decreto-Lei nº 231/93, de 26 de Junho e do artigo 5º, nº 1, do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (EMGNR), aprovado pelo Decreto-Lei nº 265/93, de 31 de Julho, na parte em que tornam aplicáveis aos elementos da GNR as penas privativas da liberdade, previstas no RDM, são materialmente inconstitucionais.

2- Na expressão militares constante do nº 3 do artigo 27º da CRP como excepção ao princípio da liberdade só podem compreender-se os elementos das Forças Armadas, em sentido estrito e já não os membros das “forças militarizadas” (como a GNR ou como a Guarda Fiscal) ou de “forças de segurança” (como a PSP).

3- Assim tem entendido o Tribunal Constitucional através de diversos Acórdãos (o Ac. 521/03 é a única voz discordante); o Supremo Tribunal Administrativo cujas decisões têm sido uniformes; e 2 Acórdãos do TCA Sul.

4- Na sua versão original, a Constituição de 1976, no artigo 27º, instituía o princípio de que ninguém podia ser privado da liberdade a não ser em consequência da sentença judicial condenatória, prevendo apenas 2 excepções: prisão preventiva em flagrante delito; e prisão ou detenção por entrada ilegal no território nacional.

5- Aquando da ratificação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, uma das seis reservas então formuladas foi a de que o artigo 5º da Convenção não obstaria à prisão disciplinar imposta a militares, ficando excluídos do conceito de militares os agentes militarizados.

6- Na revisão da Constituição de 1982, foi acrescentado ao n.º 3 do artigo 27º uma alínea c) a admitir a aplicação da pena de prisão disciplinar imposta a militares das Forças Armadas onde não se incluem as forças militarizadas.

7- Historicamente, e como se pode comprovar pelos trabalhos parlamentares relativos à aprovação da referida alínea, patente que se pretendeu resolver uma situação que constituía uma realidade incontornável imposta pela hierarquia das Forças Armadas.

8- Analisado este problema sob o aspecto de índole literal, e tendo em conta o preceituado nos artigos 270º, 275º, 46º, nº 4 e 146º, al. o) da CRP, conclui-se, de igual modo, que há uma distinção entre “militares” e “agentes militarizados”.

9- Também o legislador infraconstitucional tomou idêntica posição, como se comprova pela análise dos nºs 1 e 12 da Lei Orgânica da GF (LOGF) aprovada pelo DL 375/85 de 20/09 e artigo 69 da Lei 29/82, ao mandar aplicar o Regulamento de Disciplina Militar não só aos “militares da GF” mas também “aos respectivos agentes militarizados”; ou seja, como o pessoal da GF, nos termos do artigo 21 da LOGF compreendia oficiais, sargentos e praças do seu quadro privativo e militares das Forças Armadas, adidos ou em diligência, forçoso é concluir que militares das Forcas Armadas e agentes militarizados são realidades distintas.

10- Também a Lei 11/89, autonomiza claramente as Forças Armadas dos restantes corpos militarizados; e o artigo 21º da Lei 29/82 refere que as Forças Armadas compreendem apenas os órgãos militares de comando e os três ramos: Marinha, Exército e Força Aérea.

11- Tratando-se de um conceito usado na Constituição, a interpretação deve fazer-se dando prevalência aos elementos interpretativos recolhidos do texto e do espírito daquele diploma fundamental, devendo-se acentuar que os casos de prisão que não resultem de sentença judicial condenatória ou aplicação de medida de segurança nos termos do nº 2 do artigo 27º, que a Constituição excepcionalmente permite, são os taxativamente enunciados nas alíneas do nº 3 do mesmo artigo, cuja interpretação, quer pelo carácter excepcional que revestem, quer pelo princípio expresso no velho brocardo “odiosa restringenda” não admite extensões de qualquer espécie”.

12- E o que se diz da GF, deve dizer-se por identidade de razões, da Guarda Nacional Republicana.

13- Quanto ao sistema organizatório, é verdade que as forças de segurança apresentam um conjunto significativo de índices típicos da instituição militar e que se verificam na GNR, ex-GF e PSP. Apesar dessa similitude, no entanto, a GNR não se identifica plenamente com as Forças Armadas, como faz crer o Acórdão recorrido, pois que, constituindo uma Força de Segurança ambivalente, apresenta características de natureza militar e policial, aproximando-se nalguns aspectos mais com as Forças Armadas e noutros com a PSP; deste modo, 13- Os postos dos agentes militarizados da GNR não correspondam em absoluto aos postos das Forças Armadas, em especial do Exército, entidade com que mais se assemelha.

14- Os serviços, armamento e a cadeia de comando não correspondem, em absoluto, aos das Forças Armadas, aproximando-se mais da PSP.

15- Os agentes militarizados da Guarda não constituem pessoal aquartelado como se refere expressamente no Acórdão 308/90.

16- O uso de fardas é comum aos elementos das forças militarizadas, de segurança e das Forças Armadas.

17- Os Oficiais pertencentes aos quadros privativos da GNR e da GF, não podiam ascender a todos os postos existentes nas Forças Armadas; anteriormente à publicação do DL 465/83, de 31 de Dezembro, que aprovou o Estatuto do Militar da Guarda Nacional Republicana (EMGNR) só lhes era permitido a promoção até ao posto de Capitão, ao passo que os Oficiais das Forças Armadas podiam ser promovidos aos postos seguintes da hierarquia militar: Major, Tenente-Coronel, Coronel, Brigadeiro (posteriormente Major-General) e General (posteriormente Tenente-General).

18- Só posteriormente lhes foi permitida a promoção aos postos de Major e Tenente-Coronel, numa 1ª fase, e a Coronel numa fase seguinte, continuando vedada aos oficiais da GNR a promoção a Oficial General, o mesmo se passando com a GF.

19- Esta dualidade de situações só pode ter como razão justificativa o facto dos Agentes Militarizados da GNR não integrarem as Forças Armadas.

20- O próprio DL 465/83, no artigo 1 do Estatuto do Oficial da GNR faz uma nítida distinção entre oficiais do quadro permanente da Guarda e oficiais das Forças Armadas.

21- Em face da discrepância existente entre a alínea c) do nº 3 do artigo 27º da CRP, quando se refere a “militares” e do artigo 27º (quando se refere a “militares” e “agentes militarizados”) - não se afigura, na verdade, legítimo estender a possibilidade da aplicação de tais penas de “prisão disciplinar”, para além desse domínio, a simples “agentes militarizados”.

22- Os agentes militarizados e as forças militarizados não são tratados na Constituição como estando sujeitos a um estatuto constitucional de garantia de direitos igual aos militares, são considerados como agentes que se encontram integrados numa estrutura organizatória semelhante à dos militares, mas apesar de tudo com menores exigências em termos disciplinares, de modo que apenas para os militares permitiu a restrição de direitos que é a pena disciplinar de prisão e não para os agentes militarizados ou que integram serviços e forças de segurança.

23- Além disso, é perfeitamente convincente o argumento que se retira da reserva efectuada pelo artigo 2º al. a) da Lei n.º 65/78 de 13 de Outubro que aprovou para ratificação a Convenção dos Direitos do Homem; com efeito, conforme ali se refere, a reserva de que o artigo 59 da Convenção não obstará à prisão disciplinar imposta a militares, em conformidade com o RDM aprovado pelo DL 142/77, de 9 de Abril, tinha de referir-se necessariamente só a militares, e nunca ao pessoal da GF, porque àquela data não lhe era aplicável o RDM, mas o seu próprio regulamento disciplinar aprovado pelo Decreto nº 46969 de 23.4.1966 e, o RDM só passou a ser-lhe aplicável após a entrada em vigor do DL 143/de 21/5 (artº 1º).

24- Sendo assim, como o legislador constitucional de 82 não podia desconhecer o texto da Convenção que aprovara, também não podia estender o conceito de militares a outros corpos militarizados e de segurança.

25- O Tribunal Constitucional, nos Acórdãos 103/87 e 308/90, julgou inconstitucionais diversos normativos respeitantes a penas disciplinares de prisão e detenção, relativos à PSP e ao pessoal do Quadro Pessoal dos Agentes Militarizados da Marinha, porque esses normativos foram julgados incompatíveis com o artigo 27 da Constituição, que não consente a aplicação desse tipo de penas a agentes militarizados mas unicamente a militares das Forças Armadas.

26- Deste modo, conclui-se que além do elemento histórico, também os elementos literal e sistemático da interpretação apontam para que o conceito de militar constante da alínea c) do artigo 27 da CRP se restrinja aos militares das Forças Armadas. Tratando-se, aliás, de uma restrição de um direito Fundamental, o artigo 18 da Constituição sempre imporia a adopção de uma interpretação restrita (princípio do carácter restritivo das restrições).

27- Em face do que fica referido, torna-se irrelevante que determinadas leis ordinárias estendam aos membros da Guarda Fiscal ou da Guarda Nacional Republicana regimes inicialmente previstos para os militares das Forças Armadas ou que apelidem mesmo aqueles membros de...

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