Acórdão nº 04/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Setembro de 2011
Magistrado Responsável | ANTÓNIO MADUREIRA |
Data da Resolução | 20 de Setembro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Conflito n.º 4/11 Acordam no Tribunal de Conflitos: 1. RELATÓRIO 1. 1. A…, SA, devidamente identificada nos autos, intentou, no Tribunal Judicial da comarca de Vila Real, acção comum, sob a forma ordinária, contra B…, S.A.
, na qual pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia em dívida decorrente da execução do denominado “contrato de empreitada de concurso público para fornecimento de 1 reservatório criogénico de GNL de 120m3”, entre elas celebrado, bem como as despesas relativas à cobrança judicial desse crédito.
Por despacho do 3.º Juízo dessa comarca de 10/7/2009, esse tribunal declarou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer da acção nele proposta, considerando competentes os tribunais da jurisdição administrativa.
Com ele se não conformando, a Autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 27/5/2010, negou provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida.
Também com ele se não conformando, a Autora interpôs recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 721.º - A, do CPC, que, por acórdão de 28/10/2010, decidiu rejeitar o recurso, por o considerar inadmissível.
Na sequência, a recorrente requereu que o STJ procedesse à reforma desse acórdão, convolando o recurso de revista excepcional em recurso para o Tribunal de Conflitos, ou que, para a hipótese de se entender que a formação de admissão do recurso de revista excepcional a não podia fazer, os autos baixassem ao Tribunal da Relação do Porto para que essa convolação fosse ponderada pelo Relator do processo.
A Ré, ora recorrida, pronunciando-se sobre essa convolação, opôs-se a que a mesma fosse efectuada.
O STJ, por acórdão de 13/1/2011, indeferiu a reforma do acórdão, por considerar que a formação não tinha cometido qualquer lapso, porquanto apenas decidiu aquilo para que tinha competência – a admissibilidade do recurso de revista excepcional –, e, por considerar que não lhe competia pronunciar-se sobre a requerida convolação do recurso, entendeu que esse requerimento devia ser entendido como um requerimento dirigido ao Exm.º Desembargador relator, tendo ordenado a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para esse efeito.
No Tribunal da Relação do Porto, o relator do processo, com invocação do disposto no artigo 107.º, n.º 2, do CPC procedeu a essa convolação, tendo ordenado a remessa dos autos a este Tribunal.
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2.
Nas alegações de recurso de revista, que são as que sustentam o presente recurso – o objecto da revista era o mesmo, a competência material dos tribunais da jurisdição administrativa –, a recorrente formulou as seguintes conclusões: 1. O douto Acórdão recorrido deve ser revogado.
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No caso dos autos estão verificados todos os pressupostos do recurso de revista excepcional previstos no nº 1 do artigo 721º-A do CPC.
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Tudo começa nos autos de procedimento cautelar de arresto nº 480/09.GTBVRL-A, que correm termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real (e que correm por apenso aos autos de acção declarativa ordinária com o nº 480/09.9TBVRL, do mesmo Juízo daquele Tribunal Judicial).
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Com efeito, a fls. desses autos – que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para todos os legais efeitos – foi requerido o arresto de bens da recorrida B…, S.A., tendo o arresto sido deferido por sentença de fls.
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A providência de arresto assenta no incumprimento das obrigações emergentes para a aí requerida/ora recorrida do contrato denominado de “Contrato de Empreitada de Concurso Público para fornecimento de 1 reservatório criogénico de GNL de 120 m3”, cf. documento 3 junto com o requerimento inicial de arresto, celebrado entre a A…, S.A. e a B…, S.A.
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Notificada do arresto, a B…, S.A. veio deduzir oposição, a fls., suscitando a incompetência material (e absoluta) do Tribunal Judicial.
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Assim, e em remate dessa argumentação, concluiu a B…, S.A. pela incompetência material do Tribunal Judicial de Vila Real – e da jurisdição comum (civil) – para apreciar a questão, por se tratar de matéria da competência dos Tribunais Administrativos, cf. o disposto na al. f) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).
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A fls., em 2.06.2009, o Sr. Juiz do Tribunal Judicial de Vila Real proferiu despacho no qual se julgou incompetente, absolvendo a B… da instância.
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Assim, a questão fundamental de direito está delimitada: o contrato “sub judice” é um contrato de direito público? Está submetido a normas de direito público? Integra, ou não, o âmbito objectivo de competência da jurisdição administrativa, traçado pelo artigo 4°, no 1 do ETAF, em particular, da respectiva al f? 10. Inconformada, a aqui recorrente interpôs recurso desse despacho para o Tribunal da Relação do Porto.
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Em 26.10.2009 foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto – de que foi Relator o Exm.° Sr. Juiz Desembargador SOUSA LAMEIRA, e que teve por Adjuntos os Exm°s Srs. Juizes Desembargadores TEIXEIRA RIBEIRO e MARIA CATARINA – o qual deu provimento ao recurso interposto, “considerando-se o Tribunal Judicial de Vila Real o competente em razão da matéria para conhecer da presente providência cautelar de arresto, que deverá prosseguir os seus ulteriores termos”.
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Inconformada com o teor do Acórdão supra referido, tirado pelo Tribunal da Relação do Porto no sobredito processo cautelar, 13. A B…, S.A. interpôs recurso de revista junto do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), cf. fls. dos autos de procedimento cautelar de arresto.
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Em 4.03.2010, o STJ, 2ª Secção, tirou Acórdão de Revista que confirmou o Acórdão recorrido do Tribunal da Relação do Porto, cf. documento que se junta e dá por integralmente reproduzido, nos termos e para os efeitos do disposto na al. c) do nº 2 do artigo 721º-A do CPC.
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Acórdão que já transitou em julgado.
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Assim, o STJ escalpelizou todo o enquadramento legal subjacente ao contrato “sub judice”, 17. Concluindo que o mesmo não é um contrato administrativo, nem um contrato regulado por normas de direito administrativo, 18. Reconhecendo competência à jurisdição comum para apreciar litígios contendentes com o mesmo, 1 9. Afastando a aplicação de qualquer das hipóteses previstas no n° 1 do artigo 4° do ETAF, e confirmando o entendimento sufragado pelo Tribunal da Relação do Porto.
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A par dos autos de procedimento cautelar foram correndo os autos de acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário – no âmbito da qual veio a ser proferido o presente Acórdão.
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Nesses autos, em sede de contestação, e como se poderá ver a fls., a B…, SA excepcionou a incompetência absoluta do Tribunal Judicial de Vila Real, replicando os argumentos já aduzidos na oposição de fls nos autos de processo cautelar de arresto.
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Debalde a réplica de fls apresentada pela A ora recorrente, o Sr Juiz “a quo”, junto do Tribunal Judicial de Vila Real decidiu julgar-se incompetente em razão da matéria, determinando a absolvição da R da instância, replicando, ‘ipsis verbis” os fundamentos com que decidira em sede cautelar.
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Inconformada, a A…, S A interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que tirou o Acórdão “sub judice”.
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O referido Acórdão, assentando na mesma questão fundamental de direito (i e, a natureza do contrato denominado de “Contrato de empreitada de concurso público para fornecimento de 1 reservatório criogénico de GNL para 120 m3 e a sua eventual subsunção a qualquer das alíneas do n° 1 do artigo 4° do ETAF, em particular, à alínea f) do referido normativo), confirmou a decisão de 1ª Instância.
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Note-se que o douto Acordão ora recorrido foi relatado pelo Exm.º Senhor Juiz Desembargador Dr. Pedro Lima Costa, bem como pelos Exm°s Senhores Juizes Desembargadores Adjuntos Drs. Maria Catarina e Filipe Caroço (o_que importa a peculiariedade de, sobre a mesma matéria, nos autos principais, e no processo cautelar apenso, um mesmo Juiz Desembargador ter considerado o Tribunal Judicial de Vila Real competente e incompetente para a decisão da mesma questão!).
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É evidente por todo o histórico e enquadramento processual, que estamos perante uma questão cuja apreciação é absolutamente necessária para que se promova uma melhor aplicação do direito.
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Com efeito, estamos perante uma questão técnica em torno da delimitação do perímetro da competência dos Tribunais Administrativos.
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Com base no regime jurídico subjacente à licença efectivamente titulada pela B… (e aos direitos e deveres do titular de licença no âmbito do serviço público de fornecimento de gás natural (GNL), 29. E considerando o âmbito de aplicação do n° 1 do artigo 4°, em particular da a). f), 30. O STJ entendeu, no douto Acórdão-fundamento, de 4.03.2010, não estarmos perante um contrato administrativo, nem uma relação jurídico-administrativa.
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Entendendo que o contrato não manifesta qualquer “administratividade”, “de per si”, e por vontade das partes (que, em bom rigor, até quiseram submetê-lo à jurisdição do Tribunal da Comarca de Vila Real...).
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Ora, com base no mesmo enquadramento normativo (e não cremos que os Srs. Juízes Conselheiros que prolataram o douto Acórdão retro referido ignorassem ou desconhecessem o regime subjacente a tal contrato...), 33. O Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão recorrido, e em processos “irmãos”, tira uma conclusão COMPLETAMENTE DIFERENTE da conclusão anteriormente tirada pelo mesmo Alto Tribunal, e pelo STJ.
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Sendo que, entre os dois Arestos, i.e., o Aresto “sub judice” e o Acórdão do STJ, não foram introduzidas quaisquer mudanças legislativas que justificassem a ‘mudança de entendimento”.
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Estando em causa uma questão atinente aos limites e fronteiras das atribuições da justiça administrativa e da jurisdição comum, 36. Entre as noções de “relação jurídica administrativa” e conceitos de “actos de gestão pública”, “actos de gestão privada”, “licença” e “interesse público.” 37. E, sobretudo, estando em causa o prestigio dos nossos mais Altos Tribunais – em especial do STJ – perante a manifesta...
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