Acórdão nº 0477/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução13 de Março de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A…… e mulher, B……., por si e na qualidade de representantes legais do seu filho menor C……, instauraram, no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, contra o Hospital Maria Pia, acção ordinária de condenação para efectivar responsabilidade civil emergente de omissão de cuidados médicos ao C…….

Foram chamados e admitidos como intervenientes acessórios, primeiro, D…… e, depois, a “E……, SA”.

Pela sentença proferida a fls. 806-844, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto condenou o réu Hospital Maria Pia, no seguinte: A. No pagamento aos AA. Da quantia global de € 170 000,00, a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a data da citação – 06-01-2004 – até integral pagamento, nos seguintes termos: (i) € 80 000,00 ao C……; (ii) € 40 000,00 ao A. A……. e € 50 000, à A. B…….; B. No pagamento aos AA. das quantias de € 12 730,00 e € 175 000,00 a título de danos patrimoniais e bem assim da quantia que se vier a apurar em sede de liquidação em matéria de custo da frequência de Escola de Ensino Especial, tendo sempre como tecto máximo o valor reclamado a este título em sede de petição inicial, valores a que acrescerão juros de mora à taxa legal desde a data da citação – 06-01.2004 – até integral pagamento.

Inconformados com a sentença, recorrem para este Supremo Tribunal, o réu Hospital Maria Pia, bem como os intervenientes acessórios.

1.1. O Hospital Maria Pia apresenta alegações com as seguintes conclusões: 1º - A matéria assente e dada como provada é insuficiente para responsabilizar a Drª D…… e o H. Réu.

  1. - O doente C…… foi enviado pelo HPV ao H. Réu para consulta, não urgente, por apresentar “rouquidão e choro rouco desde lactente pequeno”, com suspeita de laringomalácia.

  2. - Foi observado pela médica otorrinolaringologista do H. Réu, Drª D……, na consulta de 23.10.2000.

  3. - Pela análise do registo da consulta verifica-se que a criança apresentava-se, nessa ocasião, assintomática, não tendo sido referida à médica, quer pela mãe que acompanhava a criança, quer pela médica pediatra do HPV quaisquer antecedentes relevantes para aquele efeito.

    Antecedentes, aliás, que efectivamente não existiam (fls. 677 e segs e 187).

  4. - Foi medicada para o choro rouco e secreções e marcada uma consulta de reavaliação para cerca de um ano depois (mais precisamente para 03.09.2001), com a recomendação de que se houvesse algum agravamento dos sintomas o H. Réu deveria ser contactado (resp. q. 74).

  5. - A médica, nessa consulta, colocou a hipótese de fazer à criança uma fibroscopia, se tal se viesse a justificar.

  6. - A sentença, ora recorrida, culpabiliza a Drª D…… pela demora na marcação da consulta de reavaliação, sendo esta demora causa adequada dos danos ocorridos na saúde do C…….

  7. - Com todo o respeito não se aceita esta argumentação que assenta numa errada percepção da posição da médica, em questão, no processo clínico desta criança.

  8. - O C…… foi observado pela Drª D…… uma única vez em 23.10.2000 por suspeita de laringomalácia, encontrando-se, nessa altura, totalmente assintomático.

  9. - Foi medicado e melhorou, conforme registo efectuado na consulta externa de Pediatria de 10.01.2001 do HPV: “não houve qualquer agravamento da rouquidão, pelo contrário segundo a mãe parecia melhor” (fls. 187), sem queixas, evolução normal (fls. 194 – v).

  10. - Só decorridos cerca de 5 meses após a consulta no H. Réu é que o C…… começou a apresentar sintomas graves de obstrução respiratória.

  11. - É o que resulta dos registos clínicos juntos aos Autos que comprovam que a mãe levou o C…… 7 vezes ao SU do HPV (resp. q. 14) tendo tido sempre alta apesar do agravamento da situação sobretudo a partir de fins de Março de 2001 (fls. 175/179, 181, 182, 183, 570, 571).

  12. - Recorreu, assim, ao SU do HPV nos dias 26 e 31.03.2001 com sintomas respiratórios graves; não obstante, foi-lhe dada alta.

  13. - A 19.04.2001, a criança recorreu ao Médico de Família (fls. 677/681) que a enviou ao SU do HPV com uma carta informativa (fls. 681) tendo também tido alta.

  14. - Com tais graves sintomas de obstrução respiratória nenhum dos médicos que observou o C…… teve o cuidado de o enviar, com urgência, a um Hospital Central com urgência de Otorrinolaringologia (que não era o caso do HC Maria Pia) ou à própria médica do H. Réu que o observara em 23.10.2000.

  15. - Na altura em que a Drª D…… observou a criança nada mais lhe era exigível fazer.

  16. - A marcação da consulta de reavaliação para cerca de 1 ano depois é absolutamente irrelevante para a situação, pois sempre poderia ser antecipada se fosse fornecida à médica em questão informação sobre a evolução da patologia que veio a ocorrer cinco meses após a consulta inicial.

  17. - Não há qualquer nexo de causalidade entre os danos sofridos pelo menor e a marcação da consulta de reavaliação para cerca de um ano depois.

  18. - A criança estava a ser acompanhada clinicamente pelo Médico de Família e pela Pediatra do HPV que, naturalmente, transmitiriam (poderia ser com um simples telefonema) à otorrinolaringologista qualquer alteração dos sintomas que se viesse a verificar.

  19. - Encontrando-se a criança assintomática e sem antecedentes relevantes não havia razão para a Drª D……. antecipar a consulta nem fazer a fibroscopia, pois, que não havia (nem nunca tinha havido até à data (dificuldades respiratórias, sendo este exame invasivo e comportando riscos que, nessa situação, não era necessário correr.

  20. - Aliás, nada permite afirmar que a papilomatose que vitimou o C…… já estivesse instalada na data em que foi observado pela Drª D……, sendo certo que o papiloma é um temor benigno recidivante de uma capacidade proliferativa intensa (fls. 711-87) e os sintomas de obstrução respiratória só começaram a sentir-se cerca de 5 meses após a consulta de 23.10.2000.

  21. - Não é, pois, legítimo responsabilizar a Drª D…… – e o H. Réu – pela crise e patologia do C…….

    Sem prescindir, 23º- O valor condenatório dos danos patrimoniais e não patrimoniais atribuídos encontra-se empolado e não justificado.

  22. - Por outro lado, os juros só devem contar a partir do trânsito em julgado da sentença, porque os valores foram actualizados e fixados põe equidade nessa data (A. STJ de 09.10.08 – proc. 07 B4792) 1.2. A interveniente D……, por sua vez, oferece alegações que remata com as seguintes conclusões: 1ª- A decisão recorrida considerou que a recorrente era responsável pela demora da segunda consulta e que tal demora é causa adequada dos danos ocorridos na saúde do C……, em termos de concluir pela existência de negligência e pela violação do direito de acesso a cuidados médicos de saúde e prevenção da doença; 2ª Estas conclusões, com o devido respeito, são erradas e significam uma deficiente análise da situação; 3ª A criança foi observada pela recorrente por uma única vez em 23.10.2000 (resposta aos quesitos 56º e 57º), por suspeita de laringomalácia, segundo indicação do Médico de Família e da Pediatra que a assistia (RQ 6º, 8º,54º e 55º), não tendo sido assinalado à recorrente nenhum antecedente relevante para o efeito, seja pela Médica Pediatra, seja pela mãe, que a acompanhava (RQ 58º), apresentando-se a criança assintomática (RQ 58º); 4ª A recorrente receitou dois medicamentos para o choro rouco e secreções (RQ 58º) e marcou consulta para daí a um ano (RQ 60º) com a recomendação de que a mãe se mantivesse vigilante e contactasse o Hospital no caso de agravamento de sintomas (RQ 74º), nada mais sabendo do processo de evolução da criança, depois desta data; 5ª E, de facto, na consulta externa da Pediatria de 10.1.2001, após a realização de exames complementares determinados na consulta de 14.11.2001 (fls. 187), foi observada e a Médica Pediatra assinalou que não houve qualquer agravamento da rouquidão, pelo contrário segundo a mãe parecia melhor (sic.) sem queixas, evolução normal (fls. 194 - verso): Ou seja, após a consulta da recorrente a criança esteve bem; 6ª Os processos clínicos juntos aos autos comprovam que a mãe levou a criança 7 vezes ao Serviço de Urgência do Hospital da Póvoa (RQ 14º), onde foi dada alta ao menor, apesar do agravamento sucessivo da sua situação clínica (fls. 175/179, 181, 182, 183, 184, 570 e 571), marcadamente a 26.3.2001 (fls. 570) e a 19.4.2001 (fls. 681, com o Médico de Família) que culminaram na crise de 22.4.2001 (RQ 20º e 21º); e que a criança também foi consultada pelas diversas vezes pela Pediatra e pelo Médico de Família, até lhe ser detectada a doença da RQ 26º (fls. 187 e 677); 7ª No dia 26.3.2001 a criança recorreu ao Serviço de Urgência do Hospital da Póvoa pelas 22h24 (fls. 570) e ainda foi mais duas vezes ao Hospital da Póvoa, em 31.3.2001, ao Serviço de Urgência (fls. 175) e em 19.4.2001 ao Médico de Família (fls. 677-681) e só em 19-4-2001 é que o Médico de Família ficou preocupado e mandou a criança ao Serviço de Urgência do Hospital da Póvoa, com uma carta informativa (fls. 681, carta esta que não aparece no processo – fls. 569); com estes sintomas graves, de urgência, o Médico de Família e a mãe nada fizeram, 3 dias antes da crise final (RQ 22º e 81º); 8ª Todas esta situação revela que a conduta da recorrente de 23.10.2000 foi absolutamente indiferente à evolução subsequente do menor, que os sintomas graves começaram a aparecer cerca de 5 meses depois, numa altura em que o menor estava acompanhado pelos pais e outros médicos que não souberam ler os sintomas nem providenciar por adequado tratamento ou comunicação à recorrente (especialista) ou a um hospital central; 9ª Na altura em que a recorrente observou o menor nada mais lhe era exigível fazer, porque estava assintomático, teve uma evolução normal, sem queixas e até parecia melhor (fls. 187 e 194 – verso); 10ª Não é pois legítimo responsabilizar a recorrente pela crise e patologia do doente; 11ª A recorrente aceitou como boa a hipótese de diagnóstico, que vinha de trás da Médica Pediatra, de...

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