Acórdão nº 0801/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelVALENTE TORRÃO
Data da Resolução12 de Dezembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – A Fazenda Pública veio recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação deduzida pela sociedade A……... S.A., com os demais sinais dos autos, contra a liquidação adicional do imposto municipal de sisa, no montante de 1.695.912,85 euros, acrescido € 681.431,72 a título de juros compensatórios, resultante da celebração de um contrato de locação de universalidade de bens realizado no ano 2000, apresentando para o efeito, alegações nas quais conclui: A). A douta sentença recorrida dá por assente que a transferência da propriedade das infra - estruturas que integram o sistema multimunicipal de captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público do sul do Grande Porto pelo dito “contrato de locação de universalidade de bens” entre o Município e a empresa municipal e a impugnante em 27.03.2000, estando os contraentes Município e empresa municipal impedidos de, unilateralmente, resolverem o contrato antes do seu termo, seja por que motivo for, determina a caracterização do contrato como operando a transmissão da propriedade desses bens a título oneroso.

B). Assim, a douta sentença recorrida parte da premissa de se estar perante contrato que teve por escopo a transferência de propriedade das infraestruturas afetas à concessão detida pela impugnante, para centrar-se na questão de aferir da admissibilidade da transmissão de tais infra - estruturas do Município para a impugnante e, previamente, de aferir da sua integração no domínio público ou no domínio privado do Município.

C). A douta sentença recorrida sufraga então o entendimento de que, atendendo ao tipo de necessidades cuja satisfação implica a utilização dessas infraestruturas, tais bens estariam integrados no domínio público, pelo que tratar-se-iam de bens inalienáveis, pela sua própria natureza e afetação à utilidade pública, concluindo não se poder falar aqui em sujeição a Imposto Municipal de Sisa com base nesta transmissão de bens.

D). Não obstante, o que é certo, como assinalado na própria sentença recorrida, é que as partes quiseram por via do dito “contrato de locação de universalidade de bens”, efetivamente um contrato de compra e venda, transmitir a propriedade de uma coisa ou outro direito, mediante um preço (artº. 874° do Código Civil), in casu, transferir o direito de propriedade sobre as infraestruturas em benefício de pessoa coletiva de direito privado - a impugnante, sendo certo que a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisas determinadas se dá por mero efeito do contrato, salvas as exceções previstas na lei (artº. 408°, nº 1, do Código Civil).

E). A este respeito o artº. 10º da Lei Geral Tributária preceitua que o caráter ilícito da obtenção de rendimentos ou da aquisição, titularidade ou transmissão dos bens não obsta à sua tributação quando esses atos preencham os pressupostos das normas de incidência aplicáveis.

F). Se bem que o ato ou facto ilícito seja “um facto em desacordo ou em contrariedade com a ordem jurídica”, passível de um juízo de desvalor ou reprovação relativamente ao ato, esse ato ou facto ilícito “é, em primeiro lugar e acima de tudo, um facto jurídico”, e que o ato ou facto ilícito tem natureza voluntária, na “medida que reflete uma manifestação de vontade.” G). Como tal, embora o contrato possa estar afetado de ilicitude, designadamente no plano cível, a tributação, reportando-se unicamente às circunstâncias reveladoras de capacidade contributiva manifestadas no ato ou facto, é indiferente ao caráter lícito ou ilícito da obtenção ou disposição dos bens, sendo este um aspeto da natureza valorativamente neutra da tributação, doutrinalmente reiterada, e uma das vertentes da consideração económica dos factos ou atos com relevância jurídica tributária.

H). Cabe aqui traçar um paralelismo entre o direito fiscal, ao consagrar o critério da consideração económica dos factos ou atos com relevância jurídica tributária, e o direito civil no sentido que, apesar de juscivilisticamente cominar a nulidade dos negócios jurídicos de objeto físico ou legalmente impossível à ordem pública ou contrários aos bons costumes (cfr. artº. 280º do Código Civil), ignora esse vício quando é invocado pela pessoa que o praticou, por forma a impedir que essa pessoa seja beneficiada.

I). Também assim sucede no direito fiscal, em que quem atua de modo ilícito não pode tirar partido no âmbito fiscal da cominação de outro ramo de Direito, devendo sujeitar-se à tributação prevista na lei, razão pela qual desde que o Fisco tenha diante de si um ato ou contrato suscetível de, em abstrato, operar uma transmissão, não pode deixar de efetuar a liquidação do imposto correspondente.

J). A ilicitude do ato ou facto tributado e sua sanção deverá situar-se no domínio pré-tributário ou extratributário do Direito comum (civil, penal ou administrativo, p. ex.), subsistindo a tributação das atividades ilícitas em vista da capacidade contributiva detetada, em obediência, de resto, ao princípio geral do direito fiscal da igualdade tributária (horizontal e vertical).

K). Nem cabe arguir no caso que a tributação dos atos ou factos ilícitos exclui a tributação dos atos ou factos colocados fora do circuito económico, porque essa exclusão reporta-se à ilicitude absoluta, não da ilicitude relativa, derivada da falta de requisitos formais ou de autorização legal.

L). E, quanto à falta de autorização legal para a transmissão das infraestruturas aludidas, cabe salientar que esta não se revela impossibilidade tal que corresponda à mencionada ilicitude absoluta erigida pela doutrina como impeditiva da tributação de atos ou factos ilícitos, pois, como refere o STA, em acórdão de 08.09.2011 tirado no processo nº 0267/11, o facto das coisas públicas não poderem ser objeto de contratos de direito civil, nem reduzidas à propriedade privada ou ser objeto de posse civil, não significa que elas não possam ser subtraídas ao domínio público e integradas no domínio privado e que, na sequência desta alteração, não possam ser objeto de atos de comércio.

M). Assim, a autonomia do Direito Fiscal em...

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