Acórdão nº 0780/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDA MAÇÃS
Data da Resolução17 de Outubro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I-RELATÓRIO 1.

A……, S. A. (actualmente A’……, S. A.), com os sinais dos autos, deduziu, no Tribunal Tributário de Lisboa, impugnação judicial do despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra os actos tributários de liquidação das taxas de ocupação da via pública, relativos ao ano de 2007, no montante total de 346.137,25 euros, emitidos pelo Município de Lisboa, requerendo a sua anulação.

1.1.

A impugnação foi julgada totalmente procedente, porquanto “a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei nº. 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, deixando de lhes ser lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza, cuja cobrança se deve ter, pois, por ilegal”.

Reconheceu-se ainda o direito da impugnante a indemnização por garantia indevidamente prestada e cujo apuramento se relegou para a execução de sentença.

  1. A representante da Fazenda Pública, junto do Município de Lisboa, não se conformando com a decisão, veio interpor recurso para este Supremo Tribunal, tendo formulado as seguintes conclusões das suas alegações: “I. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 5 de Abril de 2012, que julgou a Impugnação Judicial procedente por considerar que a partir da entrada em vigor da Lei n.° 5/2004, de 10 de Fevereiro, a aplicação da taxa municipal de direitos de passagem afasta a taxa de ocupação da via pública, o que acarreta a ilegalidade dos actos de liquidação impugnados.

    1. A sentença Recorrida incorre em vício de erro de direito na interpretação e aplicação das normas jurídicas, designadamente da Lei n.° 5/2004, de 10 de Fevereiro, violando o disposto nos arts. 238°, n.° 4 e 241°, ambos da Constituição da República Portuguesa, bem como, o n.° 2, do art. 4°, da Lei Geral Tributária, o n.° 1 do art. 15º, da Lei das Finanças Locais, e n.° 1 do art. 6°, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais.

    2. A sentença Recorrida concluiu pela ilegalidade dos actos de liquidação da taxa de ocupação da via pública, com base na interpretação que realiza do art. 106° da Lei n.° 5/2004, de 10 de Fevereiro, por considerar que é vedada, à Recorrente, a possibilidade de liquidar à Recorrida taxa distinta da taxa municipal de direitos de passagem, a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.° 5/2004, de 10 de Fevereiro, o que representa a acumulação da taxa de ocupação da via pública com a taxa municipal de direitos de passagem, o que configura uma duplicação do tributo.

    3. Na verdade, e o contrário do propugnado na douta Sentença Recorrida, a actuação da Recorrente encontra-se devidamente legitimada e legalmente enquadrada, porquanto, respeita as normas legais e regulamentares vigentes, não padecendo, em consequência, os actos de liquidação de quaisquer vícios.

    4. Considera a Recorrente que a liquidação e cobrança da taxa de ocupação da via pública está devidamente legitimada e enquadrada nos poderes, atribuições e competências dos Municípios, consagrados na Constituição da República Portuguesa, na Lei das Finanças Locais e no Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, porquanto respeita as normas vigentes e os princípios subjacentes à criação dos diplomas legais e das taxas a cobrar.

    5. Face ao art. 238° da Constituição da República Portuguesa, as autarquias locais dispõem de património e receitas próprias (n.° 1 do art. 238 e art. 254°, n.° 2), incluindo estas, obrigatoriamente, as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços (n.° 3), podendo dispor de poderes tributários, nos casos e termos previstos na lei (n.° 4).

    6. Com efeito, podem os municípios cobrar taxas por qualquer licença da sua competência, de acordo com o art. 15º, n.° 1 da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n°2/2007, de 15 de Janeiro, diploma legal aplicável à data da verificação dos factos tributários relativos aos actos impugnados, “(...) nos termos do regime geral das taxas das autarquias locais”.

    7. Assim, “As taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares”, cfr. previsto no art. 3° do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, em vigor à data da liquidação (art. 18°).

    8. As taxas das autarquias locais podem incidir sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela actividade dos municípios, designadamente, pela concessão de licenças e pela utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado das autarquias locais - alíneas b) e c), do n.° 1, do art. 6°, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais.

    9. Atendendo ao principio da especialidade, dispõe o n.° 1 do art. 8° do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais que as taxas das autarquias locais são criadas por regulamento aprovado pelo órgão deliberativo respectivo, competindo à Assembleia Municipal estabelecer as taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos sob proposta da Câmara, nos termos das alíneas a) e e) do n° 2 do art. 53° da Lei das Autarquias Locais, aprovada pela Lei n°169/99, de 18 de Setembro.

    10. Desta forma, no uso das competências atribuídas, no que respeita à taxa de ocupação da via pública impugnada vigora o Regulamento Geral do Mobiliário Urbano e Ocupação da Via Pública, aprovado pelo Edital n°101/91, cujo montante se encontra fixado anualmente na Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais, que para o ano financeiro de 2007, foi aprovada pela Deliberação n° 97/AM/2006 (Deliberação n° 566/CM/2006), publicada no 2.° Suplemento ao Boletim Municipal n°670, de 21 de Dezembro de 2006.

    11. É indiscutível que os actos impugnados têm suporte constitucional, legal e regulamentar, podendo a Recorrente cobrar taxas pela ocupação do domínio público e privado municipal, a que se reconduz a taxa de ocupação da via pública impugnada.

    12. A Recorrente no exercício do seu direito, pode, assim, taxar por licenciar o uso especial ou uso privativo da coisa pública municipal, calculado em função da ocupação concreta.

    13. Existe, na relação entre a Recorrente e Recorrida, uma contraprestação inequívoca, com carácter de bilateralidade, em benefício exclusivo desta última, que retira vantagens económicas, em proveito próprio, da ocupação do domínio público municipal, como consequência da titularidade de licenças de ocupação da via pública concedidas pela Recorrente.

    14. E, ao invés do uso comum do domínio público que obedece à regra da gratuitidade, o uso privativo observa a regra da onerosidade, sendo, pois, legítimo que quem retira especiais proveitos da utilização do domínio público retribua pela obtenção dos mesmos.

    15. A interpretação do Tribunal a quo, redundaria em flagrante desigualdade perante as restantes empresas utilizadoras do domínio público e privado municipal para exercício das respectivas actividades, com base em títulos jurídicos individuais, pelos quais pagam as correspondentes taxas.

    16. A interpretação do art. 106° da Lei n.° 5/2004, perfilhada pelo Tribunal a quo não é consentânea com os normativos constitucionais, coagindo os poderes tributários e regulamentares das autarquias locais, estatuídos nos art.s 238° e 241°, ambos da Constituição da República Portuguesa.

    17. A entrada em vigor da Lei n.° 5/2004, de 10 de Fevereiro, que aprovou a Lei das Comunicações Electrónicas, veio transpor para o nosso ordenamento jurídico as Directivas 2002/20/CE (directiva-autorização) e 2002/21/CE (directiva-quadro), e veio permitir aos municípios a cobrança da taxa municipal de direitos de passagem, como contrapartida dos direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, para todos os clientes finais do correspondente município, de acordo com o n.° 2 do art. 106°.

    18. Contudo, tal normativo, além de permitir a cobrança da taxa municipal de direitos de passagem, não veda aos municípios a possibilidade de cobrança de outras taxas municipais de outra natureza que não a taxa municipal de direitos de passagem, nem tal proibição se extrai daquelas directivas comunitárias.

    19. Em matéria de direito comunitário, a douta Sentença recorrida limita-se a referir as directivas comunitárias invocadas pela Recorrida, sem que contudo explicite a razão pela qual se consideram ilegais os actos de liquidação da taxa de ocupação da via pública impugnados, em virtude da transposição para a Lei n.° 5/2004, de 10 de Fevereiro.

    20. A Directiva 2002/20/CE, de 7 de Março de 2002 (directiva-autorização), prevê no seu art. 13°, sob a epígrafe “Taxas aplicáveis aos direitos de utilização e direitos de instalação de recursos” que os “Estados-Membros podem autorizar a autoridade competente a impor taxas sobre os direitos de utilização das radiofrequências, ou números ou direitos de instalação de recursos em propriedade pública ou privada que reflictam a necessidade de garantir a utilização óptima desses recursos. Os Estados-Membros garantirão que tais taxas sejam objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionais relativamente ao fim a que se destinam e terão em conta os objectivos do art. 8° da Directiva 2002/21/CE (directiva-quadro).”.

    21. Por sua vez, a Directiva 2002/21/CE (directiva-quadro), de 7 de Março de 2002, veio estabelecer um quadro regulamentar comum para as redes e serviços...

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