Acórdão nº 0526/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução20 de Junho de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1. A…… e B……, com os demais sinais dos autos, recorrem da sentença que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, julgou improcedentes os embargos de terceiro que deduziram no âmbito da execução fiscal nº 3255200801038982 instaurada a C……, por reversão de dívidas fiscais da sociedade D……, Lda.

1.2. As recorrentes terminam as alegações formulando as conclusões seguintes: 1ª. As Recorrentes nunca tiveram qualquer intervenção no processo de execução fiscal em causa, de que resultaram os presentes autos, nem dele tomaram expresso conhecimento nem mesmo das penhoras nele decretadas, até à data em que tomaram conhecimento da projectada venda do imóvel supra identificado.

  1. O qual se encontra descrito na Conservatória de Registo Predial de Sintra sob o nº 2948, com penhora decretada e registada em 6 e 27 de Agosto de 2010, e inscrito na matriz urbana sob o artigo 4267 e cuja venda judicial havia sido designada para o dia 8 de Fevereiro de 2011, às 10,30 horas.

  2. Resultando as quantias exequendas, ao que consta, da falta de pagamento do IVA – conforme certidões 4961, 4962, 4963, 4964 e 4965 – por parte da firma “D……, Lda.”, da qual as Recorrentes nunca fizeram parte, quer como sócias quer como gerentes, de facto ou mesmo de direito.

  3. Tendo a mãe das Recorrentes, E……, falecido em 31/05/2010, e da qual são herdeiras ambas as Embargantes – conforme certidão da escritura de habilitação de herdeiros, de 14/12/2010, celebrada no Cartório Notarial de Sintra, sito na Rua João de Deus, 23-A, Sintra, 5ª. O imóvel acima descrito e inscrito faz parte do acervo da herança, ainda indivisa, daquela sua falecida mãe, sendo o cônjuge sobrevivo, seu pai, e ambas as filhas, ora Recorrentes, os únicos herdeiros legitimários daquela, nos termos do art. 2157º do C. Civil.

  4. Ao contrário do que entende a douta sentença proferida pelo tribunal a quo, entendem as Recorrentes que, tanto a penhora decretada e registada em data posterior à morte da mãe (06/08/2010), como a projectada venda do imóvel para o dia 8 de Fevereiro/2011 – ou para qualquer outro dia – ofendem a posse legítima das Recorrentes e o seu direito à titularidade de uma parte da herança.

  5. A douta sentença, ora recorrida, admitiu a existência de dois dos requisitos ou pressupostos legais para a dedução dos embargos de terceiro: a tempestividade e a qualidade de terceiros, por parte das Recorrentes.

  6. Não é válido o entendimento perfilhado na douta sentença recorrida, de que, «permanecendo indivisa a herança e não sendo as Recorrentes ainda proprietárias do bem imóvel penhorado, mas sim do quinhão hereditário, não haveria, lugar a posse nem esta se poderia, assim, considerar ofendida pela penhora» – tese com a qual não se concorda, nem admite, ofendendo, além do mais, o disposto nos arts. 1251º e 1255º do C. Civil… 9ª. Também não é válido o argumento aludido na douta sentença recorrida de que as Recorrentes “não exercem posse directa e autonomamente sobre o bem imóvel penhorado...” ou que, imagine-se (!), o entendimento de que, ainda que as embargantes possuíssem o imóvel esse direito não seria incompatível com a diligência ordenada – facto que, a ser aceite, seria de bradar aos céus este entendimento, pois a venda projectada iria frustrar e anular todas as suas expectativas e direitos sobre a herança deixada pela mãe.

  7. Nos termos do disposto no art. 1255º do mesmo diploma, “por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa”, pelo que, no caso vertente, por morte da mãe, transmitiu-se para as Recorrentes a posse sobre o prédio em questão, a qual se mantém até, pelo menos, à partilha da herança.

  8. Logo, caso a projectada venda do imóvel se concretizasse, a favor de terceiros, tal venda e a própria penhora já anteriormente decretada, ofenderiam não só os legítimos direitos do cônjuge sobrevivo, seu pai – já proprietário da metade indivisa do prédio e agora também herdeiro em relação à outra metade – bem como e principalmente a posse e o direito das Recorrentes à herança de sua falecida mãe, na qual se integra a metade indivisa do prédio em questão.

  9. O herdeiro, como as Recorrentes, conserva, em relação à herança, até à sua integral liquidação e partilha, todos os direitos e obrigações que tinha para com o falecido, à excepção dos que se extinguem por efeito da morte deste, conforme resulta dos arts 1255º e 2074º do C. Civil.

  10. Logo não tendo ocorrido ainda liquidação e partilha da herança, onde e integra o imóvel em causa, mantêm as Recorrentes integralmente, não só a posse como o seu direito ao quinhão hereditário, o qual não pode ser afectado por qualquer decisão judicial ou extra-judicial, à qual, no caso, são totalmente alheias.

  11. Nos termos dos arts. 824º e 862º do CPC e 315º do CPT não pode penhorar-se determinado bem da herança indivisa ou fracção do mesmo, à qual concorre o executado. (Ac. Do STA, de 2/7/1997, 2ª Secção, Proc.: 016778 – Nº Conv.: JSTA00052487, Nº Documento: SA19970702016778, in http://ww.dgsi.pt).

  12. Por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material. (art. 1255º do C.Civil); e, 16ª. ...violada a posse por meio da penhora antes de o herdeiro ter entrado na detenção real e efectiva do único prédio da herança, os embargos de terceiro que propuser assentam na posse efectiva do autor da herança, que passou para o herdeiro; e, 17ª. ...o fundamento dos embargos de terceiro é sempre a posse efectiva, ainda que o herdeiro tenha a posse jurídica.

    Vide, nestes casos, o Ac. Do STA, de 8/10/1997, 2ª Secção, Proc.: 018457 – Nº Conv.: JSTA00047851, Nº Documento SA219971008018457, in http://www.dgsi.pt).

  13. Ora, provado que o embargante era titular de um direito pessoal à herança não adquirido ao executado e tendo a penhora sido efectuada sobre bens que integram essa mesma herança, é, assim, patente que aquele direito é afectado por essa penhora, na medida em que o impede de exercer sobre eles os direitos inerentes à qualidade de herdeiro, designadamente, o de adquirir todos os bens imóveis ou alguns deles na partilha respectiva; e, 19ª. ...sendo assim, os embargos não podem deixar de proceder, uma vez que a penhora dos bens imóveis que integram a herança é incompatível com esse direito adquirido pelo embargante, que lhe assiste defender”.

    Vide, nestes casos, o Ac. Do STA, de 11/02/2009, 2ª Secção, Proc.: 0796/08, N° Conv.: JSTA00065539, Nº Documento SA2200902110796, in http://www.dgsi.pt.

  14. O tribunal a quo, ao considerar improcedentes os embargos, violou frontalmente as disposições dos arts. 1251º, 1255º e 2074º do Código Civil; art. 237º do CPPT e arts. 351º, 824º e 825º do C.P.Civil, pelo que, sendo a sentença ilegal, deve a mesma ser revogada.

    Terminam pedindo o provimento do recurso e a revogação da sentença recorrida, devendo considerar-se procedentes os embargos e, consequentemente, ser suspensa, de imediato, a execução fiscal, ser cancelada a penhora e dada sem efeito a projectada venda judicial sobre o imóvel em causa e quaisquer outras que vierem a ser designadas.

    1.3. Não foram apresentadas contra alegações.

    1.4. O MP emite Parecer no sentido da improcedência do recurso, nos termos seguintes, além do mais: «Para que os embargos de terceiro possam ter êxito necessário se torna que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: 1. Tempestividade da petição de embargos; 2. Qualidade de terceiro; 3. Ofensa da posse ou outro direito incompatível com a realização da ou âmbito da diligência de que seja titular um terceiro (artigos 351º/1 do CPC e 237º/1 do CPPT).

    No presente recurso jurisdicional apenas se discuta o terceiro requisito, isto é, se houve ou não ofensa da posse.

    Posse é o direito que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade

    .

    A doutrina...

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