Acórdão nº 01041/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução22 de Maio de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – A……., S.A., melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa sobre a autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2006 no valor de 7.115.632,78.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «1.O presente recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela A…… contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada do acto de liquidação de IRC respeitante ao exercício de 2006.

  1. A A……. entende que a interpretação levada a cabo pelo Tribunal a quo não corresponde nem à letra nem à ratio da lei aplicável aos factos, o que determina que a decisão recorrida enferme de erro na aplicação do Direito.

  2. A questão jurídica central em torno da qual se suscita a não conformação da A……. com a decisão recorrida é a do regime transitório aplicável às mais-valias realizadas por SGPS e da interpretação do n.º 8 do artigo 32º da Lei n.º 109-B/2001 4. Na interpretação que faz do nº 8 do artº. 32º da Lei n.º 109-B/2000, a decisão recorrida defendeu, em primeiro lugar, que o recurso ao regime nela instituído implica sempre a inclusão, na base tributável do sujeito passivo, do montante integral da diferença positiva entre mais-valias e menos-valias cuja tributação deixou de se efectuar ao abrigo do art. 44º do CIRC, e já não somente de uma parte desse montante (a parte proporcional ao valor do bem objecto de reinvestimento que se pretenda alienar).

  3. Contudo, o que resulta expressamente da letra da lei parece ser, precisamente, o contrário.

  4. Com efeito, o legislador, procurando fornecer o critério da sujeição a imposto do valor das mais-valias “diferidas” ou “suspensas” — conforme são vulgar e erroneamente designadas, como se mostrou —, utilizou expressamente o termo “parte” (“a parte da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, realizadas antes de 1 de Janeiro de 2001, cujo valor de realização tenha sido ou, no respectivo prazo legal venha a ser objecto de reinvestimento em bens não reintegráveis”). E é também essa parte que “pode (...) ser antecipadamente incluída na base tributável de qualquer exercício que seja anterior ao da alienação do correspondente activo a que está associada (...,)por metade do seu valor(...)” 7. O que parece razoável é que o legislador teve em mente as situações comuns, em que um sujeito passivo que experimenta mais-valias com a alienação de bens do seu activo canaliza o correspondente valor de realização para o reinvestimento na aquisição de uma pluralidade de bens, ficando a mais-valia não tributada — de acordo com o regime aplicável à data dos factos aqui em análise — associada a cada um desses bens, na proporção do respectivo valor ou custo de aquisição (esta seria sempre, de resto, a situação mais provável em face de sociedades dedicadas à aquisição e gestão de participações sociais). Se, mais tarde, esse mesmo sujeito passivo viesse a vender apenas uma parte desses bens em que se traduziu o seu reinvestimento, o valor a sujeitar a imposto corresponderia então à proporção representada por essa parte no montante global da mais-valia realizada (ou no valor total do reinvestimento efectuado, o que é dizer o mesmo).

  5. Há, na verdade, no texto da lei que aqui se trata de interpretar, uma preocupação em associar, de modo fraccionado, as mais-valias não tributadas aos bens objecto de reinvestimento, no sentido de que a cada um destes últimos anda ligada uma parte das primeiras.

  6. Além disso, se o legislador tivesse pretendido dispor no sentido imaginado pela decisão recorrida, se fosse esse realmente o seu objectivo, ter-lhe-ia sido muito fácil fazê-lo: bastaria que, em lugar de se referir à “parte da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas (..)“ tivesse antes optado por se referir à “totalidade da diferença positiva entre as mais-valias e as menos valias realizada”, ou simplesmente “à diferença positiva entre as mais-valias e as menos valias realizada”.

  7. Realmente, a interpretação sufragada pelo Tribunal a quo esbarra com um escolho insuperável: ela não logra explicar por que razão o legislador se teria referido à parte, se alegadamente se queria referir ao todo. E é, desde logo, essa falha que torna inaceitável e ilegal a decisão recorrida, de um modo, aliás, surpreendente, de tal maneira é ostensiva a sua contradição com o texto legal. Pode dizer-se, com a maior segurança, que no preceito em análise não existe qualquer referência, expressa ou subentendida, à obrigação de o sujeito passivo recapturar a totalidade do saldo entre as mais-valias e as menos-valias que fora previamente excluída da tributação, quando pretende alienar apenas uma parte dos bens em que se traduziu o seu reinvestimento.

  8. Mas a interpretação defendida na decisão recorrida não é apenas frontalmente incompatível com o texto da lei. Ela não dispõe também de qualquer suporte no plano teleológico — pelo menos, que seja inteligível para a recorrente, já que o não conseguiu descortinar na decisão recorrida.

  9. Por último, quanto a este particular aspecto, a interpretação vertida na Sentença afigura-se também desadequada no plano mais vasto do conjunto dos mecanismos típicos do sistema fiscal para proteger as mais-valias em nome do incentivo ao reinvestimento do correspondente valor de realização. Em todos esses mecanismos ou regimes, o legislador preocupou-se sempre em estabelecer uma proporção entre o valor da mais-valia realizada e o valor do reinvestimento efectuado, fazendo depender o beneficio que concede à primeira da proporção em que o segundo se concretiza. Todos esses regimes, na verdade, admitem expressamente a sua aplicação parcial.

  10. Por todas as razões expendidas, a decisão recorrida interpreta o n.º 8 do artigo 32º da Lei n.º 109-B/2001 de um modo absolutamente contrário ao respectivo teor literal, contrário à correspondente ratio e inserção sistemática, sendo, por isso, anulável.

  11. Em segundo lugar, o Tribunal a quo entendeu ainda que, independentemente do que atrás ficou dito, a opção pelo regime transitório em referência teria de ser manifestada em momento anterior ao da alienação do activo objecto de reinvestimento, no sentido de que a própria declaração fiscal em que o Contribuinte revela a sua escolha teria necessariamente que ser submetida em momento anterior ao da realização formal da venda projectada.

  12. Trata-se agora de um problema de tempestividade: independentemente de se saber se a A……. poderia ou não sujeitar a tributação uma parte da mais-valia correspondente às participações detidas na B……, o Tribunal considera que, de qualquer forma, o fez fora do prazo alegadamente exigido pelo nº 8 do art. 32º da Lei nº 109-B/2001.

  13. Mais uma vez, contudo, não se consegue encontrar correspondência entre a letra da norma citada e a interpretação que dela faz a decisão recorrida — não é, de facto, perceptível também em que medida se pode inferir da redacção daquele preceito que a recaptura das mais-valias fiscais apenas poderá ser incluída na base tributável de uma declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, referente a qualquer exercício anterior ao da alienação de um bem objecto de reinvestimento, desde que tal declaração tenha sido submetida em momento anterior ao da mesma alienação.

  14. O que vai dito atrás expressa a leitura que a recorrente fazia, ao tempo dos factos de que tratou a decisão recorrida, da legislação aplicável às mais-valias realizadas por SGPS. Essa leitura, como é sabido, é frontalmente contrária à interpretação adoptada pela Administração fiscal e sufragada pelo Tribunal a quo, a qual se reputa de ilegal.

  15. O referido Tribunal, contudo, não estava limitado à escolha entre a tese da Administração fiscal e a posição sustentada pela A…….: no âmbito da sua competência para definir e defender a legalidade fiscal, poderia ainda ter explorado outros caminhos interpretativos que lhe fossem oferecidos pela evolução no tempo da legislação aplicável às mais-valias realizadas por SGPS.

  16. Ora esses outros caminhos interpretativos existiam e existem, de facto, a tal ponto que se pode dizer que a recorrente, com o seu conhecimento actual, não teria procedido como procedeu. É que essa alternativa de interpretação, que o Tribunal ad quem pode e deve conhecer, salvo o devido respeito, produziria um resultado fiscal ainda mais favorável à recorrente.

  17. Com efeito, em 2006, a alienação das participações na B……, realizada pela A……., reunia todas as condições para beneficiar imediatamente da aplicação da redacção do art. 31º do EBF. De acordo com a redacção do preceito em referência à data em que a A……. procedeu à alienação da sua participação na B…….. as mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS com a alienação de participações sociais deixaram de concorrer, de todo, para a formação do respectivo lucro tributável, no caso de se encontrarem verificados alguns requisitos quanto às participações alienadas.

  18. Este regime de isenção das mais-valias e menos-valias não se encontrava vedado pelo direito transitório. A referência aos regimes transitórios efectuada na mesma Lei que atribui ao art. 31º do EBF a redacção que prevê a referida isenção deve ser compreendida numa lógica de abertura de uma faculdade: tais regimes foram mantidos em vigor para deles poderem lançar mão os que ainda não pudessem cumprir as novas condições impostas pelo art. 31º do EBF. De facto, ao introduzir na nossa ordem jurídica um regime de não tributação das mais-valias realizadas pelas SGPS, o legislador só podia estar imbuído de um princípio de tratamento mais favorável; a referência aos sobreditos regimes transitórios não pode ler-se como o...

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