Acórdão nº 0411/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução11 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.

Relatório O CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO INSTITUTO NACIONAL DE FARMÁCIA E DO MEDICAMENTO - INFARMED e A..., recorreram para este Supremo Tribunal da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que, no recurso contencioso de anulação, interposto por B..., anulou a deliberação que homologou a classificação final dos concorrentes ao concurso público para instalação de uma nova farmácia na área urbana de Monção, publicitada pelo Aviso n.º 10824/2002 (2ª Série), publicado no Diário da República, II Série, n.º 240, de 17 de Outubro de 2002.

O Infarmed, terminou as suas conclusões com as seguintes conclusões: 1ª É manifesta a procedência do presente recurso, porquanto a aliás douta sentença ora recorrida não fez correcta interpretação e aplicação das normas aplicáveis; 2ª A sentença é nula por se ter pronunciado sobre matéria que estava fora do objecto do processo, uma vez que o vício de violação do princípio do inquisitório não é um facto superveniente à petição inicial e não foi nela invocado expressamente pelo Recorrente, mas apenas nas suas alegações finais. E caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se pondera, sempre se dirá que, 3ª O atestado de residência da Contra-interessada exarado pelo Presidente da Junta de ... e o seu cartão de eleitor são documentos autênticos com força probatória plena, nos termos dos artigos 369° e seguintes do CC; Uma vez que, 4ª A entidade pública competente apenas atesta que determinada pessoa declarou tal facto (que é verdade a declaração), conferindo a esse facto, mediante a declaração, determinado efeito probatório, sem confirmar só por si ou mediante inquirição a veracidade desse facto; e 5ª A falsidade de um documento autêntico ou autenticado será atestada pela confrontação posterior entre o facto que origina a declaração objecto do documento em causa e a realidade. Pelo que, 6ª Um documento autêntico ou autenticado, por exarado nos termos legais, sem ser a competência da entidade posta em causa ou julgada procedente a arguição da sua falsidade, terá sempre força probatória plena e valem juridicamente enquanto tal; Por outro lado, 7ª O bilhete de identidade e o cartão de contribuinte da Contra-interessada, documentos dotados de força probatória plena, não desmentiram ou não deixam em causa o atestado de residência da Contra-interessada exarado pelo Presidente da Junta de ... e o seu cartão de eleitor, não tendo a Autoridade Recorrida ou o Júri do Concurso que recorrer ao poder inquisitório, não se violando, consequentemente esse princípio; pois, 8ª Se foi julgado que o atestado de residência da Contra-interessada exarado pelo Presidente da Junta de ... e o seu cartão de eleitor não tem força probatória plena, ao invés do BI e do cartão de contribuinte daquela, então teria a Autoridade Recorrida que decidir o concurso conforme o constante nestes documentos, não tendo, neste caso, que recorrer ao poder inquisitório; 9ª Em qualquer caso, o artigo 82° do CC permite uma dupla residência jurídica, o que seria suficiente, atendendo como se alega à força probatória plena do atestado de residência da Contra-interessada exarado pelo Presidente da Junta de ... e do seu cartão de eleitor, para atribuir classificar os candidatos como o acto em crise fez; 10ª E sempre se dirá que o conteúdo do BI ou do cartão de contribuinte da Contra-interessada não invalida ou obsta ao conteúdo do atestado de residência que lhe foi exarado pelo Presidente da Junta de ... ou do seu cartão de eleitor pois (i) além de exarados pelas entidades competentes (no caso do atestado nos termos da alínea p) do n.° 6 do artigo 34° e da alínea n) do n.° 1 do artigo 38° da Lei 169/99, de 18 de Setembro, na versão da Lei 5- A/2002, de 11 de Janeiro), (ii) atestam validamente a residência para efeitos de procedimentos administrativos concursais (nos termos do n.° 1 do artigo 33° do Decreto-Lei n.° 135/99, de 22 de Abril); 11ª Além de que, tendo o cidadão juridicamente dois domicílios não é obrigado a concentrar neles todas as suas obrigações cívicas, não tendo que, nomeadamente, alterar o "domicílio eleitoral" de acordo com o "domicílio do registo civil" ou o "domicílio fiscal" se efectivamente tiver em termos jurídicos duas residências - daí o efeito útil do artigo 82° do CC; 12ª Nas palavras deste venerando Tribunal, em Acórdão de 19/12/2000, Proc. 046146: "Tendo o interessado na concessão da licença de instalação de farmácia feito prova da sua residência no concelho da localização dela, por apresentação de atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia respectiva, representada ou não pelo seu Presidente, o facto de noutros documentos constar como residente noutro local não determina a falsidade daquele atestado»; 13ª Assim sendo, qualquer domicílio em caso de duplo domicílio jurídico pode validamente confirmar a residência de alguém de forma bastante, independentemente do disposto noutros documentos, para os respectivos efeitos legais, salvo por arguição procedente da sua falsidade - no caso vale plenamente o "domicílio eleitoral" para efeitos do concurso; 14ª De referir ainda que o documento exarado pelo Presidente da Junta de ... atesta que a Contra-interessada reside na respectiva circunscrição não apenas há dois anos mas há mais de dois anos, facto confirmado por prova testemunhal, tudo como resulta dos factos H e K dados como assentes, situação que justifica a complementaridade interpretativa com o disposto no cartão de eleitor, legitimando assim a deliberação do Júri do Concurso.

15ª Donde resulta que não se justificava ao caso qualquer uso do poder inquisitório pela Autoridade Recorrida (ou pelo Júri do Concurso), já se trata de um poder discricionário que a entidade em causa usa, se assim o entender, e que a Contra-interessada fez prova plena e bastante da sua residência para efeitos do Concurso, sem se pôr em causa a veracidade do facto atestado em tais documentos (de que aquela afinal não reside em ..., Monção) mediante a adequada arguição e correspondente procedência do incidente de falsidade; 16ª Termos em que andou bem a Autoridade Recorrida (e o Júri do Concurso) ao atribuir 5 pontos pelo período de residência na Contra-interessada na Freguesia de ..., Monção, para efeitos do Concurso em apreço, uma vez que efectivamente esta tem residência desde 1986 naquele local, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 10º da Portaria n.° 936-A/99, de 22 de Outubro, não violando qualquer norma ou princípio de direito administrativo ao caso aplicável, em especial o princípio do inquisitório, tal como lhe assaca a douta sentença ora recorrida.

A contra-interessada e ora recorrente A..., terminou as suas alegações, com as seguintes conclusões:

  1. O douto Tribunal "a quo" deu por provado que "No atestado de residência (...) declara-se "por nos ter sido pedido", que A..., ora contra-indicada, "é residente há mais de dois anos no lugar da ... desta freguesia", mas tal não é o que resulta do documento junto aos autos, tendo o douto Tribunal invertido a redacção constante daquele atestado de residência.

  2. Na verdade, o conteúdo que a Junta de Freguesia atesta é que a Recorrente é «residente há mais de dois anos no Lugar da ...» e, posteriormente, num outro parágrafo, a Junta de Freguesia, representada pelo seu Presidente, declara que tal afirmação corresponde à verdade e que o atestado é passado porque a Recorrente solicitou que o fosse, e não foi porque uma terceira pessoa o pediu.

  3. São realidades distintas: o conteúdo dos atestados de residência que têm de ser o espelho da verdade e a razão pela qual os mesmos são emitidos.

  4. Deve, por isso, ser alterada a redacção da alínea H) dos factos provados, nos termos do ponto B) destas conclusões.

    Em todo o caso, E) A douta sentença não se podia ter debruçado sobre a eventual deficiência instrutória da actuação da entidade administrativa, por se tratar de matéria que se encontrava do objecto do recurso contencioso, por não ter sido especificamente alegado tal vício na petição de recurso contencioso.

  5. Ainda que se entenda que o aqui Recorrido ao mesmo chegara a fazer referência nas suas alegações de recurso, tal não bastaria para que o Tribunal se pudesse legitimamente sobre ele debruçar, porquanto é doutrina e jurisprudência assentes que «(...) apenas excepcionalmente podem ser invocados, nas alegações finais, vícios novos que tenham chegado ao conhecimento do recorrente posteriormente à interposição do recurso» (cfr. por todos, o Acórdão do Pleno deste Tribunal, de 21.01.1988, in A.D. p 324).

  6. Desta forma, a sentença violou a lei, por ampliar o objecto do julgamento, sendo, por isso, nula, devendo, em consequência, ser revogada e ver-se mantido na ordem jurídica o acto administrativo praticado pelo INFARMED.

  7. Ainda que assim não se entenda, o que não se concebe, nem concede, então, sempre teria de considerar errada a apreciação jurisdicional do douto Tribunal "a quo" porquanto estava provado, no processo administrativo que, à data da abertura do concurso, a contra-interessada, aqui Recorrente, residia na freguesia de ..., concelho de Monção, e que lá residia, pelo menos, desde 11.05.1986.

  8. Na verdade, a ora Recorrente apresentou-se a residir em ... e instruiu a sua candidatura de acordo com os preceitos legais regentes do concurso em causa, tendo apresentado vários documentos, entre os quais, o atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia de ... e assinado pelo Presidente da mesma, com o cartão de contribuinte e com a certidão de eleitor.

  9. Nos termos conjugados do disposto nos artigos 363.°/2, 369.°/ 1 e 371.°/ 1 do Código Civil, o atestado da Junta de Freguesia é um documento autêntico, porque elaborado e subscrito por uma autoridade pública (o Presidente da Junta de Freguesia de ...) no âmbito das suas...

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