Acórdão nº 0861/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução04 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

1.1. A Associação Portuguesa de Facility Services (APFS) propôs contra o Ministério do Trabalho e da Segurança Social e diversos contra interessados providência cautelar de suspensão de eficácia de normas da Portaria n.º 1519/2008, de 24/12, que estendeu aos trabalhadores do sector o Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a requerente e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, com eficácia a partir de 1 de Janeiro de 2008.

1.2. O TAF de Lisboa julgou improcedente o pedido cautelar.

1.3. Em recurso para o TCA Sul, a sentença foi alterada e foi decretada a suspensão de eficácia do artigo 2.º, n.ºs 2 e 3 da Portaria.

1.4. Inconformado, o Ministério do Trabalho e da Segurança Social veio interpor recurso desse Acórdão, concluindo nas respectivas alegações: «

  1. A intervenção do STA só se justifica em matérias de maior importância, sob pena de se generalizar este recurso de revista, o que, se acontecesse, não deixaria de se mostrar desconforme com os aludidos fins tidos em vista pelo legislador.

  2. Porém, prevê o n.º 1 do artigo 150.º, do CPTA, que das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  3. Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 575.º, do Código do Trabalho, “a emissão do regulamento de extensão só é possível estando em causa circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem”.

  4. O Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, na oposição deduzida à Providência Cautelar interposta pela Associação Portuguesa de Facility Services deixou amplamente provado e demonstrado que foram essencialmente preocupações de rigor e de verdade, na defesa de interesses legalmente protegidos dos trabalhadores e no estrito e escrupuloso cumprimento da Constituição e da lei, nomeadamente do disposto nos artigos 56.º, n.º 4 e 81.º, alínea f), ambos da CRP e artigos 533.º, n.º 1, alínea c), segunda parte, 573.º a 576.º e 581.º, n.º 3, todos do CT, que motivaram e sustentam a posição assumida, como, aliás, é público e notório (vide o artigo 132.º da oposição).

  5. O comando dirigido ao Tribunal pelo n.º 5 do artigo 120.º, do CPTA, considera verificada a existência de lesão do interesse público mesmo que a autoridade pública não tenha contestado ou alegado (o que não foi o caso), desde que tal lesão seja manifesta ou ostensiva.

  6. A prova de que se cuida de factos públicos e notórios, que, enquanto tais, não carecem de alegação, reside nos fundamentos da própria portaria, expressamente invocados no §§ 6.º do seu preâmbulo: “A extensão da convenção tem, no plano social, o efeito de uniformizar as condições mínimas de trabalho dos trabalhadores e, no plano económico, o de aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo sector”.

  7. Dispõe o artigo 81.º, da Constituição da República Portuguesa, que uma das incumbências prioritárias do Estado é a de “ (...) garantir a equilibrada concorrência entre as empresas.” h) Logo, há manifesta e ostensiva lesão do interesse público pois existem empresas não filiadas na Associação Portuguesa de Facility Services que estão obrigadas ao cumprimento da Portaria 1519/2008, de 24 de Dezembro, desde a sua entrada em vigor.

  8. Empresas essas que, por força dos custos salariais a que estão obrigadas, estão numa situação concorrencial desfavorável e que é, neste momento, directamente resultante da concessão da providência cautelar, visto também elas não poderem reflectir nos custos os encargos resultantes dessa retroactividade, a ser verdade o que alega a Associação Portuguesa de Facility Services e que dependerá do que os contratos com os clientes prevejam sobre a revisão dos preços da prestação de serviços de limpeza.

  9. O Douto Acórdão recorrido, ao não proceder à ponderação prevista no n.º 2 do artigo 120.º, do CPTA, por considerar não serem ostensivos nem manifestos os prejuízos para o interesse público, violou o disposto no n.º 5 do mesmo preceito legal.

  10. Outra das questões de considerável relevância social e jurídica prende-se com a delimitação das fronteiras entre a actividade administrativa e o poder judicial. A actividade regulamentar do Governo e o disposto no Código do Trabalho, no âmbito das relações laborais, é posta em crise por quem não utilizou adequadamente os mecanismos expressamente previstos na lei para a aprovação destes regulamentos, conseguindo-se através da via judicial o que não se consegue pela via administrativa, esvaziando-se por completo a letra da lei (artigos 573.º a 576.º do CT) de efeito útil.

  11. São, em suma, estas as questões que julgamos de considerável relevância social e jurídica, susceptíveis de colocar-se, repetidamente, nesta matéria, como provam as várias decisões jurisdicionais contraditórias que têm sido prolatadas, cujo melindre e complexidade bastantes justificam, em nosso entender, a intervenção dos sábios Conselheiros do S.T.A., no âmbito do recurso de revista excepcional.

Em conformidade com o exposto e nos mais de direito, sempre com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul”.

1.5. A recorrida alegou, concluindo: «1 O douto Acórdão recorrido revogou a Sentença do tribunal de 1ª instância que decidiu pela improcedência do pedido de suspensão da eficácia da norma do artigo 2. ° n. ° 2 e 3 da Portaria nº 1519/2008, de 24 de Dezembro.

2 A presente acção é meramente cautelar, regulando a situação apenas provisória e temporariamente, enquanto não seja proferida decisão definitiva na acção principal de que é dependente.

3 A decisão recorrida é necessariamente precária.

4 Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, “das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.” 5 Em processo cautelar a exigência de especial densidade na verificação dos pressupostos do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA é justificada pelo carácter provisório e auxiliar da decisão, que não se destina a definir o direito que regula o caso, mas a acautelar a eficácia da decisão que vier a defini-lo.

6 Portanto, a intervenção do STA fica restringida às situações em que é necessário melhorar a aplicação do direito, ou seja, quando exista uma corrente interpretativa de uma norma que importe orientar em sentido diferente por essa interpretação implicar uma lesão muito profunda, grave e inaceitável de direitos privados ou interesses públicos.

7 Relativamente aos requisitos vertidos no artigo 120.º do CPTA, relativos à concessão da providência cautelar, a jurisprudência e as decisões dos tribunais de 1ª e 2ª instância seguem o sentido da jurisprudência do STA.

8 O presente recurso tem em vista uma reapreciação dos requisitos e das regras do artigo 120.º do CPTA, por manifesta inconformidade do Recorrente com a decisão de que recorre.

9 Por estes motivos, a admissão do presente recurso não reveste importância fundamental nem é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 10 O Tribunal recorrido baseou a sua decisão directamente na apreciação da prova que foi obtida e nos factos materiais fixados.

11 Nos processos cautelares a decisão prende-se essencialmente com a ponderação e a valoração de matéria de facto.

12 O nº 4 do artigo 150.º do CPTA determina que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.” 13 Em momento algum o Recorrente alega ou invoca a violação pelo Tribunal recorrido de alguma norma sobre a exigência ou a força de determinado meio de prova.

14 Alega apenas a violação do requisito da ponderação de interesses para o decretamento da providência cautelar (artigo 120.°, n.º 2 e 5 do CPTA).

15 A decisão do Tribunal recorrido, por estar em causa processo cautelar, constitui uma valoração da prova indiciária obtida no mesmo.

16 Nomeadamente, a ponderação de interesses a que alude os nº 2 e 5 do artigo 120.° do CPTA está intrinsecamente ligada à valoração que o Tribunal recorrido fez de tal prova.

17 Não cabendo ao STA conhecer de erros de apreciação de prova e não levantando o Recorrente qualquer questão de direito que mereça apreciação em sede de recurso de revista excepcional, caso admita o recurso, o STA não pode conhecer desta questão.

18 Alega o Recorrente que é manifesta e ostensiva a lesão de interesses públicos, mormente, a igualdade salarial e o equilíbrio da concorrência.

19 Tal lesão será notória e de conhecimento público, o que não poderia deixar de ser do conhecimento do Tribunal recorrido.

20 A valoração...

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