Acórdão nº 0888/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Abril de 2018
Magistrado Responsável | CARLOS CARVALHO |
Data da Resolução | 12 de Abril de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.
MINISTÉRIO PÚBLICO, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante «MP»], instaurou contra a “ÁREA METROPOLITANA DO PORTO” [doravante «AMdP»] e os contrainteressados “JUNTA METROPOLITANA DO PORTO”, “PRESIDENTE DA COMISSÃO EXECUTIVA METROPOLITANA DO PORTO”, “1.º VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO EXECUTIVA METROPOLITANA DO PORTO” e “2.º VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO EXECUTIVA METROPOLITANA DO PORTO”, a presente ação administrativa especial, para impugnação de ato, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial [cfr. fls. 03 a 11 dos autos - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], a declaração de nulidade da deliberação de 29.01.2010 da Junta Metropolitana do Porto quanto aos «pontos n.ºs 1 e 3, A) e B): 1) “Delegar no órgão constituído pelo Presidente e pelos dois Vice-presidentes da Junta Metropolitana do Porto, de acordo com a parte final do n.º 2 do artigo 13.º da Lei n.º 46/2008, de 27 de agosto, a autorização de realização de despesas e o respetivo pagamento para os contratos até ao montante de 206.000,00 € e a abertura dos competentes procedimentos concursais nos termos do Código dos Contratos Públicos, Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro (CCP)”, e, 3) Delegar no Presidente da Comissão Executiva Metropolitana do Porto: a) A autorização de realização de despesas e o respetivo pagamento para os contratos até ao montante de 75.000,00 € e abertura dos respetivos procedimentos, nos termos do CCP; b) A realização de despesas correntes, como o pagamento de vencimentos dos funcionários da Área Metropolitana do Porto, o pagamento de água, telefone, seguros, serviços de limpeza, prestação de serviços de assistência técnica e outras que se enquadrem no âmbito de despesas necessárias e imprescindíveis ao regular e normal funcionamento dos serviços da AMP».
-
O «TAF/P», por decisão de 12.07.2012 [cfr. fls. 137 a 149], julgou a ação procedente, anulando a deliberação da Junta Metropolitana do Porto objeto de impugnação.
-
Inconformado, a R. interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Norte [doravante «TCA/N»] que, por acórdão de 18.03.2016, negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida, julgando ainda improcedente a matéria de exceção [inimpugnabilidade] [cfr. fls. 500 a 519].
-
Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA a R., de novo inconformada com aquele acórdão proferido pelo «TCA/N», interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 549 e segs.
], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz: «...
I - O presente recurso de revista tem por objeto a impugnação do douto Acórdão do TCAN, datado de 18/03/2016, que julgou improcedente o recurso interposto pela ora Recorrente contra o Acórdão do TAF do Porto, datado de 24/09/2013, que tinha indeferido a reclamação apresentada contra o douto despacho saneador-sentença, datado de 12/07/2012, e julgado procedente a ação administrativa especial intentada pelo Ministério Público junto ao TAF do Porto, anulando a deliberação da Junta Metropolitana do Porto de 29/01/2010 quanto aos seus pontos n.ºs 1 e 3, alíneas a) e b), e que foi proferido na sequência da declaração de nulidade por parte do STA, a 4/11/2015, do Acórdão do TCAN de 20/11/2014, com fundamento na omissão de pronúncia quanto à questão da inimpugnabilidade do ato impugnado.
-
A Recorrente manifesta sua total discordância quanto ao mérito da decisão proferida pelo Tribunal a quo, porquanto entende, em primeiro lugar, o ato de delegação de competências - enquanto ato com eficácia meramente interna, que apenas respeita a relações interorgânicas em matéria de organização administrativa, não podia ser objeto de impugnação autónoma pelo Ministério Público, dado que o n.º 1 do artigo 51.º do CPTA assim o impedia em razão da inimpugnabilidade contenciosa desse mesmo ato.
-
Consequentemente, sendo a inimpugnabilidade do ato uma exceção dilatória insuprível e de conhecimento oficioso, que foi expressamente invocada em sede de recurso de apelação do douto Acórdão do TAF do Porto (ver conclusões IV a VI), devia o Tribunal a quo ter revogado a decisão de primeira instância, absolvendo a Ré da instância (cfr. artigo 89.º, n.º 1, alínea c) do CPTA).
-
Não podia, portanto, o Tribunal a quo, nem o TAF do Porto, ter anulado a Deliberação da Junta Metropolitana do Porto, dado não possuir, em concreto, poderes jurisdicionais para este efeito. E, ao fazê-lo, violou, para além do mais, a norma do artigo 4.º do ETAF e o princípio constitucional da separação de poderes (artigo 111.º, n.º 1 da CPR).
-
Sem prescindir, e por dever de ofício, deve-se considerar que a Deliberação da Junta Metropolitana do Porto de 29/01/2010 é plenamente válida e eficaz, tendo sido cumpridas todas as normas aplicáveis ao instituto da delegação interna de competências no âmbito das áreas metropolitanas.
-
Pretende-se através do presente recurso, que, sendo julgados procedentes os vícios de violação de lei processual e de lei substantiva explicitados nas presentes alegações, o Tribunal ad quem proceda à revogação do Acórdão do Tribunal a quo, mantendo a Deliberação da Junta Metropolitana na ordem jurídica e absolvendo a Ré da instância ou do pedido, como se impõe.
-
O presente recurso de revista tem por fundamento a violação de normas jurídico-administrativas de fonte legal e de natureza jurídico-processual e jurídico-material.
-
O Tribunal a quo, ao anular um ato de delegação de poderes com eficácia meramente interna, violou, pelo menos, as normas dos artigos 51.º, n.º 1 e 89.º, n.º 4, alínea i), do CPTA, bem como as normas dos artigos 4.º do ETAF e 111.º, n.º 1, da CRP, pois não possuía poderes jurisdicionais bastantes para apreciar a legalidade do ato e, muito menos, para o anular.
-
Por outro lado, o Tribunal a quo, ao considerar inválida a deliberação da Junta Metropolitana do Porto de 29/01/2010, com fundamento em alegada falta de lei habilitante, procedeu a uma errada determinação das normas aplicáveis à repartição interna de competências nas áreas metropolitanas, bem como, quanto às normas que aplicou, a uma errada interpretação e aplicação, com consequente violação, pelo menos, dos artigos 7.º, 15.º, n.º 2, 18.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 46/2008, 18.º, n.º 1, alínea b) e 29.º do Decreto-Lei n.º 197/99, e 35.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 36.º do CPA/91, bem como, dos princípios constitucionais da desconcentração administrativa (artigo 267.º, n.º 2 da CRP), da autonomia de organização dos municípios e das áreas metropolitanas, e ainda dos princípios da unidade, eficácia e eficiência da gestão administrativa e financeira (artigo 267.º, n.º 2 e 5 da CRP e 10.º do CPA), ao abrigo dos quais compete às estruturas administrativas definirem o seu modelo de organização interna e, por via do instituto da delegação interorgânica intrasubjetiva, o sistema de repartição de competências, tendo em vista uma gestão adequada e operacional dos interesses públicos locais.
-
Considerando todo o alegado nos artigos 35.º a 60.º da fundamentação de admissão do recurso junto com o requerimento de interposição do mesmo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos, deve-se concluir que existe uma imperiosa necessidade de o presente recurso de revista ser admitido de modo a assegurar uma melhor aplicação do Direito Processual e do Direito da Organização Administrativa, designadamente para se determinar o sentido e o alcance do conceito de ato administrativo contenciosamente impugnável pela via da ação administrativa e assim se delimitar com rigor a fronteira da jurisdição administrativa.
-
Considerando todo o alegado nos artigos 61.º a 71.º da fundamentação de admissão do recurso junto com o requerimento de interposição do mesmo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos, deve-se concluir que as questões que conformam o objeto do presente recurso se revelam de magna importância para a comunidade jurídica portuguesa, tornando-se necessária a imediata revogação do Acórdão do Tribunal a quo, de modo a evitar a verificação de graves danos para a Área Metropolitana do Porto e para todos os operadores económicos que com esta se relacionaram, assegurando-se, ainda, a segurança e certeza do tráfego jurídico.
-
A Área Metropolitana do Porto (Recorrente), à data dos factos, assumia a natureza jurídica de pessoa coletiva de direito público (administrativo), cujo substrato assentava na associação obrigatória dos municípios integrados na NUTS III do grande Porto e de Entre Douro e Vouga (cfr. artigo 2.º da Lei n.º 46/2008, de 27/08).
-
Daqui se conclui que, sendo a Área Metropolitana do Porto uma entidade administrativa, os seus órgãos têm natureza administrativa, e a sua organização e atividade encontram-se regulados, em primeira linha, pelo regime especial constante da Lei n.º 46/2008, de 27/08, bem como pelo regime geral de organização e gestão das entidades administrativas autónomas e locais, designadamente, pelo CPA e pelos princípios constitucionais da organização e atividade administrativa (cfr. artigos 266.º e 267.º da CRP), e ainda, subsidiariamente, pelo regime aplicável aos órgãos municipais (cfr. artigo 7.º da Lei n.º 46/2008).
-
A deliberação da Junta Metropolitana do Porto de 29/01/2010 tinha por objeto a delegação de competências em matéria de autorização da realização de despesas e da prática de atos conexos para o seu presidente e vice-presidentes e para o presidente da Comissão Executiva Metropolitana. Ou seja, tal ato deve qualificar-se como uma delegação (interna) de competências entre órgãos de uma mesma pessoa coletiva administrativa.
-
A delegação (interna) de competências deve descrever-se como “o ato pelo qual um órgão da Administração, normalmente competente para decidir em determinada matéria...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO