Acórdão nº 0746/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução14 de Dezembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A……………, Lda., intentou, contra o Município de Miranda do Corvo, acção administrativa comum pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 89.532,43 €, dos quais 4.080,43 € correspondiam a juros moratórios vencidos, acrescida de juros vincendos.

O Réu não só contestou como formulou pedido reconvencional.

O TAF de Coimbra, por sentença de 30/12/2014, julgou ambos os pedidos procedentes.

A Autora recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte (doravante TCAN) mas sem êxito já que este, ainda que com diferente fundamentação, negou provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida.

Novamente insatisfeita, a Autora interpôs a presente revista tendo formulado as seguintes conclusões: 1) O acórdão recorrido considerou procedente a reconvenção, julgando válida e legal a aplicação de desproporcionada multa (ou multas) contratual, quando estamos perante uma situação em que, a vários passos, foram frontalmente violadas as garantias fundamentais dos empreiteiros, que se encontram expressamente tuteladas na lei e na Constituição e reiteradamente reafirmadas por este STA.

2) Verificam-se, e com evidência, os requisitas previstos no art. 150º do CPTA para a admissão da revista, uma vez que as concretas questões trazidas a este Supremo Tribunal estão, desde logo, relacionadas com a própria eficácia de decisões de aplicação de multa contratual que não sejam notificadas em observância do estabelecido pelo art. 140.º do RJEOP, e também com as garantias fundamentais e inarredáveis dos empreiteiros (i.e, e entre o mais, com a interpretação devida do disposto nos art.ºs 140.º, 180.º, 201.º/5 e 233.º, n.ºs 3 e 4 do RJEOP), que, aliás, encontram tutela constitucional no próprio art. 32.º/10, da CRP.

3) As questões trazidas a juízo revestem-se de fundamental relevância social, mormente tendo em consideração os interesses públicos fundamentais e de primeira necessidade subjacente às empreitadas de obras públicas, e que, aliás, envolvem, as mais das vezes, assaz avultadas quantias pecuniárias, tendo, portanto, as decisões grande impacto comunitário e de considerável grandeza.

4) Mas estas questões são também e sobretudo, de fundamental relevância jurídica, na medida em que está em causa a interpretação de normas capitais e basilares do RJEOP (que mantêm plena actualidade, atento o número da casos que se encontram e chegam aos tribunais a que este regime é aplicável), sendo de complexidade jurídica bastante e verdadeiros baluartes das fundamentais garantias dos empreiteiros (mormente a interpretação devida do disposto nos art.ºs 140.º, 180.º,201.º, n.º 5 e 233.º, n.º 3 e 4, do RJEOP e do regime paralelo previsto no CCP), atenta, nomeadamente, a necessidade de uma interpretação harmónica dos textos legais respeitantes a esta matéria e à determinação do sentido e regime da confissão (veja-se o caso da interpretação conjugada, efectuada pelo acórdão recorrido, dos arts. 201.º, n.º 5 e 180.º, e dos art.ºs 201.º e 233.º, n. 3, do RJOEP e ainda o art. 567 do CPC).

5) A admissão da presente revista revela-se ainda claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, dado que o acórdão recorrido é, entre o mais, ostensivamente errado, juridicamente insustentável e, aliás, contrário à jurisprudência pacífica deste STA revelando-se imprescindível a intervenção correctiva deste Tribunal, por forma a evitar situações de resolução desigualitária dos litígios e contribuir para a segurança, previsibilidade e eficácia na aplicação do direito.

6) Por outro lado, temos que as questões de interpretação destas normas (art.ºs 140.º, 180.º, 201.º, n.º 5, e 233.º, n.ºs 3 e 4, do RJEOP) “são claramente susceptíveis de colocar-se em moldes substancia idênticos noutros casos e de complexidade jurídica bastante para que, tendo também em conta a divergência das instâncias se reconheça o interesse objectivo na intervenção do STA na sua melhor dilucidação e se admita o recurso de revista” - como se decidiu no Ac, deste STA de 24/06/2014, no proc. 01309/13, a propósito da interpretação do disposto nos referidos nºs 3 e 4 do art.º 233º, e que reconheceu a sua capacidade de expansão para outros casos.

7) Relativamente à questão da ineficácia da aplicação da multa por não ter sido notificada à recorrente, nos termos do art.º 140.º, n.º 1, RJEOP, o Tribunal a quo decidiu que este normativo não seria aplicável, porque “dispõe sobre a notificação de decisões conexas com a “execução” dos trabalhos, e não tanto das questões relativas ao incumprimento da empreitada, designadamente, o seu prazo contratual”.

8) Lapsos de escrita e contradições (cfr. fls. 19) à parte, temos que a aplicação de multa relativa a atrasos no prazo contratual, respeita, notória e patentemente, à fase de execução da empreitada, tanto mais que visa compelir a respectiva conclusão.

9) O entendimento que sufragamos não sofre qualquer aporia e já constituía jurisprudência pacífica no âmbito dos diplomas que antecederam o RJEOP de 99, nomeadamente do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10/12 (em que as normas apresentavam a mesma redacção) - cfr. Ac. do STA de 29/05/2001, no processo n.º 047340; e já no âmbito do DL 59/99, a recente Ac do STA de 25/11/2015, no proc. 01309/13.

10) Como é evidente, no caso dos autos, não foi efectuada notificação de qualquer decisão, nos termos do art. 140º do DL n.º 55/99, pelo que a aplicação da multa sempre seria ineficaz em relação à A. e, por isso, a mesma é-lhe desde logo inoponível (estão em causa as garantias materiais dos particulares, reitere-se), ou seja, a mesma não pode produzir efeitos, pelo que não poderia admitir-se a compensação, como, ressalvado o devido respeito, em palmar e evidente erro de julgamento decidiu o Tribunal a quo, violando o disposto no art.º 140.º do DL n.º 59/99.

11) Sem prescindir, e no que respeita à necessidade de existência e de notificação de auto de notícia lavrado pela fiscalização, e que necessariamente tem de preceder eventual de multa por violação dos prazos contratuais, o Tribunal a quo decidiu que, como está em causa o incumprimento do prazo contratual da execução da empreitada, não careceria da intervenção da Fiscalização o que, salvo o devido respeito, consubstancia também entendimento juridicamente insustentável e grosseiro erro de julgamento, que deve ser corrigido por este STA.

12) O Acórdão recorrido tenta distinguir o que o legislador não distinguiu, promovendo uma inadmissível interpretação restritiva do art. 180.º e do art.º 201.º, n.º 5, do RJEOP, que visa salvar a actuação autárquica e viola o princípio basilar “ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus”.

13) Esse entendimento está em contradição com a própria epígrafe que o legislador consagrou para este normativo (que é precisamente “Multa por violação dos prazos contratuais”) e não só não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, como esse entendimento inverte ilegalmente o princípio de que “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cfr. art. 9.º, n.ºs 2 e 3 do CC) dado que presume que o legislador, para os casos de “Multa por violação dos prazos contratuais” não terá querido dizer, como expressa e efectivamente disse, que é “precedida de auto lavrado pela fiscalização, do qual o dono da obra enviará uma cópia ao empreiteiro”- e tudo isto, agravadamente, quando este normativo foi inovatoriamente introduzido no DL 235/86 na linha do que defendia a dogmática administrativa.

14) A interpretação que censuramos não atende também à ratio deste normativo (art. 201.º, n.º 5), que visou reforçar as garantias dos empreiteiros, obrigando a que o seja iniciado com um auto fundamentado da Fiscalização (que acompanha o cumprimento dos trabalhos e que conhece os eventuais atrasos, suas causas e possíveis justificações, etc., que devem ser descritas no auto), apenas assim permitindo ao empreiteiro a dedução cabal e plena da sua defesa.

15) No caso concreto, e como resulta dos factos provados (nomeadamente pontos E), G), I), 1), 2) e 3), a materialidade subjacente aos supostos atrasos é, no mínimo, amplamente discutível, sendo que a falta de elaboração e de notificação deste auto impede e impediu a A. de discutir essas questões materiais que se suscitariam.

16) A título de exemplo, a consignação parcial da obra, demoras e adiamentos na segunda consignação que ocorreu apenas em 10/05/2006, quando já em março de 2006 o dono de obra se referia, genérica e ilegalmente, a “multas”; indefinições por parte do dono de obra relativamente ao modo de execução dos trabalhos; realização simultânea e no mesmo local, de outra empreitada que interferiu na execução das obras adjudicadas à A., obrigou a refazer trabalhos, provocando atrasos e prejuízos; realização de trabalhos a mais, etc., pelo que não era sequer possível afirmar, de acordo com as regras de vida e de experiência comum, com o mínimo de certeza que a empreiteira se atrasou ou que os supostos atrasos lhe seriam imputáveis, como em patente erro de julgamento decidiu o Tribunal a quo.

17) Acresce que o acórdão recorrido interpretou conjugadamente o disposto no art. 201.º, n.º 5, com o art. 180.º do DL 59/99, de forma patentemente desadequada e errónea, posto que o artigo 180.º, que estabelece a competência da fiscalização prevê, desde logo e expressamente, uma competência residual [prevista na al.ª p)], na qual sempre se incluiria a função de elaborar o obrigatório e fundamentado auto, que tem de ser enviado ao empreiteiro e que precede a aplicação de multa contratual por violação dos prazos contratuais - mas nem isso seria necessário, dado que o mesmo artigo prevê, na sua enumeração exemplificativa funções da fiscalização em que se inclui claramente a de levantar auto por verificação de atrasos (como sejam a al.ª g) ou a al.ª i).

18) O entendimento do acórdão recorrido viola não só o entendimento dogmático, como também pacifica orientação...

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