Acórdão nº 0675/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GON
Data da Resolução26 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o actual nº 6 do art. 150º do CPTA: RELATÓRIO 1.1.

A………….., Lda., com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 18/02/2016, no processo que aí correu termos sob o n.º 07849/14.

1.2.

Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:

  1. O TCA Sul andou mal ao manter a decisão do tribunal de primeira instância de não apreciar a legalidade do indeferimento por extemporaneidade do Recurso Hierárquico apresentado, já que porque era evidente que, no momento da propositura da ação, a revogação alegadamente praticada ainda não tinha ocorrido.

  2. Vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da estabilidade da instância segundo o qual, citado o Réu (neste caso, o autor do ato impugnado) a instância se deve manter com o mesmo pedido, a mesma causa de pedir e intervenientes, com exceção das exceções consignadas na lei. (art. 260º do CPC). No que aqui interessa, em processo tributário, essas exceções são as previstas no art. 112º do CPPT que, como vimos, nem de perto nem de longe foi observado.

  3. No ónus de alegação a cargo da Recorrente que delimita o objeto do recurso, não cabe, sob pena de non liquet, a obrigação desta identificar corretamente a norma violada - veja-se o que, a propósito logo dispõe o art. 5º do CPC - nem de lhe apontar a sanção adequada. Em matéria de direito, como se sabe, o juiz deve substituir-se às partes, cabendo-lhe resolver, de acordo com a lei, as questões que lhe foram colocadas.

  4. A questão que a recorrente colocou - ainda que sob a errada forma de uma nulidade - foi a da reapreciação da decisão que recaiu sobre a existência ilegal de um ato administrativo, ilegalmente revogado na pendência do processo. Sobre essa questão - que, de resto, até será de conhecimento oficioso - o tribunal recorrido limitou-se a concluir pela inexistência da nulidade invocada, que balizaria os seus poderes cognitivos.

  5. Crê-se, portanto, que é de fundamental relevância jurídica o esclarecimento cabal dos poderes cognitivos do tribunal de recurso quando o recorrente invoca uma nulidade que mais não é do que um (flagrante) erro de julgamento e apreciar, à luz dos princípios que enformam o processo, se o ónus de alegar cumprido com contornos jurídicos que o Tribunal considera errados, se o Tribunal fica, por essa razão, impedido de apreciar a questão de outra perspetiva jurídica, mantendo-lhe a decisão judicial errada do tribunal recorrido.

  6. Por outro lado, o caso concreto reclama uma melhor e mais correta aplicação do art. 6º do CIRC e assume especial relevo jurídico a questão de saber se uma sociedade que adquire património para reserva e fruição, alienando em dado exercício uma parte desse património, perde o seu traço essencial e se pratica uma atividade comercial distinta da da simples administração de bens tal como ela se encontra prevista no art. 6º do CIRC, devendo, ipso facto, ser tributada, nesse mesmo exercício, no regime normal.

  7. É esta questão que o Venerando STA não pode deixar de apreciar, especialmente tendo em conta a circunstância de, no caso concreto, a aquisição do referido património se ter dado no mesmo exercício não ter sequer sido mobilizada pelo Tribunal de recurso como um indício de que o intuito da compra era já comercial e que, por isso, a recorrente era afinal comerciante.

  8. Interpretada a norma do art. 6º do CIRC com o sentido que lhe é dado pelo acórdão aqui em crise, AT e o tribunal recorrido criaram à Recorrente uma obrigação tributária de que a Lei expressamente a exclui, atribuindo-a a outra entidade. Tendo a recorrente limitado a sua atividade à simples administração de bens e não tendo exercido qualquer outra, designadamente a atividade comercial que lhe foi imputada - de compra e venda de imóveis - e que não se encontra nem provada nem infirmada, o tribunal recorrido violou o princípio da legalidade tributária e retirou abusivamente da letra da lei - que há de expressar com clareza os factos tributários e as suas consequências - um efeito que o legislador não previu.

  9. No caso concreto, tendo em conta o objeto da sociedade, o CAE com que se encontrava registada e o enquadramento fiscal que a lei reserva à sua atividade, a natureza comercial ou não comercial da compra e da venda do imóvel em causa só podia aferir-se provado o intuito subjetivo, o animus com que foi praticada, questão que o tribunal recorrido considerou irrelevante e prova que a AT não chegou sequer a enunciar.

  10. Era pois necessário apurar, para excluir a recorrente do regime da transparência fiscal, se referida compra e venda ocorreu ainda em escrupulosa obediência ao seu objeto social e se os atos por si praticados são ou não atos comerciais, única forma de se poder concluir que da prática destes atos resulta o exercício de outra atividade, distinta da da simples administração de bens.

  11. Esta questão não pode ser ignorada na subsunção de determinada entidade ao regime previsto no art.6º do CIRC: como pode concluir-se que a atividade da recorrente é comercial se não se demonstra que os dois únicos atos (geradores de rendimentos tributáveis, esclareça-se) que praticou em dado ano são atos de comércio e se se rejeita liminarmente a importância desta prova? l) Os ganhos obtidos pela Recorrente não podiam ser tributados na sua esfera - mas antes na esfera dos seus sócios - quer porque esta não praticou qualquer outra atividade, designadamente não praticou uma atividade comercial, quer porque ainda que o tivesse feito - o que não se consente - a inexistência de proveitos gerados pela simples administração de bens não é sequer indício de que essa atividade não está a ser praticada, já que ela consiste, precisamente, em manter o património para reserva ou fruição, sem que seja necessário, ou sequer natural, que essa atividade seja lucrativa.

  12. A saída do regime da transparência fiscal nunca poderia ocorrer no próprio ano em que a compra e a venda tiveram lugar. Admitir tal correção oficiosa pela Autoridade Tributária - num sistema em que funciona o princípio da periodização do imposto e em que a exclusão de todos os demais regimes de tributação especiais só ocorre quando, ultrapassados em dado período os limites ou os requisitos previstos para a sua manutenção, no período seguinte - seria admitir que a Autoridade Tributária pode interpretar a lei de acordo com um qualquer princípio anti-abuso.

  13. Ao interpretar a norma do art. 6º do CIRC no sentido em que ficam excluídos da transparência fiscal os rendimentos provenientes da venda de um imóvel (designadamente por este ter sido adquirido, ainda que para reserva e fruição, no mesmo ano), sem curar de saber se tal venda consubstancia um ato de comércio, o acórdão recorrido violou a letra da lei e atentou contra o princípio da legalidade tributária, prevista no art. 103º da CRP que, consagra, além do mais a regra da reserva de lei formal para a criação e definição dos elementos essenciais dos impostos e que impede ao intérprete criar obrigações tributárias que não estejam expressamente previstas na lei.

Termina pedindo que o recurso seja admitido e julgado procedente, substituindo-se a decisão recorrida por outra que anule o ato tributário em crise.

1.3.

Contra-alegou a AT formulando, a final, as conclusões seguintes: A. As questões suscitadas pela recorrente não preenchem, em nosso entender, os requisitos de relevância ou complexidade jurídica, impostos pelo art. 150º nº 1 do CPTA para a admissão da revista, nem se verifica qualquer erro grosseiro na apreciação feita pelo Tribunal recorrido, pelo que deve o presente recurso ser liminarmente rejeitado.

  1. Desde logo, entendemos que não têm relevância jurídica para efeitos de apreciação em revista, as questões invocada a ponto A) a E) das conclusões de recurso do recorrente, C. O Tribunal recorrido não só apreciou a alegada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, com fundamento no artigo 125.º do CPPT, como também apreciou a questão de fundo que o recorrente pretendia, persistentemente, que fosse analisada, nomeadamente a questão da tempestividade e consequente bondade do despacho impugnado, nos seguintes termos: Embora este Tribunal perceba o alcance visado com a alegação da Recorrente, dir-se-á que a mesma não tem razão.

    É que, como a Recorrente não desconhece e resulta da leitura do documento que está, na base do ponto 28 dos factos provados (cujo teor foi dado por integralmente reproduzido), a informação que suporta o despacho (de concordância) de indeferimento, assentou em dois vectores distintos: por um lado, considerou a apresentação do recurso intempestiva: por outro, sem prescindir, analisou os fundamentos do recurso hierárquico, apreciando a legalidade da liquidação adicional contestada, concluindo que a mesma é conforme à lei e, por isso, deve ser mantida na ordem jurídica - lê-se na apontada informação, além do mais, e após sete parágrafos dedicados à apreciação do mérito do recurso, que “sempre se dirá que a argumentação esgrimida pela recorrente – a não comprovação, por parte da administração tributária, da actividade lucrativa por si desenvolvida e a pretensa violação da regra da periodização do exercício - não poderia nunca proceder, uma vez que resulta claro que a mesma não preenche o requisito substantivo para beneficiar do regime da transparência fiscal, previsto no artigo 6º, nº1, al. c) e nº 4, al. b) do CIRC, uma vez que a actividade que efectivamente exerce é a de compra e venda de imóveis e não a de mera administração de bens, valores ou prédios como reserva ou fruição”.

    Ora, o despacho de indeferimento acolhe integralmente o que é dito na informação, o que resulta dos seus próprios termos, a saber: “Indeferido nos termos do parecer”.

    Daí que, não possamos aceitar a alegação segundo a qual “não existe ainda até à data...

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