Acórdão nº 0953/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Setembro de 2017
Magistrado Responsável | DULCE NETO |
Data da Resolução | 06 de Setembro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. A sociedade A…………… SGPS, S.A., executada no processo de execução fiscal nº 1805201601031635, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a reclamação judicial que apresentou contra o despacho da Senhora Diretora de Finanças Adjunta, da Direção de Finanças do Porto, de indeferimento da garantia que a executada pretendia prestar mediante fiança nesse processos executivo 1.1.
Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: i. Como reacção às sucessivas e unânimes decisões judiciais (Cfr. Ac. STA de 02.12.2015, dado no proc. nº 1458/15, de 20.02.2016, dado no proc. nº 82/16, de 24.02.2016, dado no proc. nº 082/16, de 20.04.2016, dado no proc. nº 413/16, de 11.05.2016, dado no proc. nº 0531/16, de 07.06.2016, dado no proc. nº 0728/16, de 15.06.2016, dado no proc. nº 0630/16, de 20.04. 2016, dado no proc. nº 413/16, de 29.06.2016, dado no proc. nº 0727/16.) quanto à ilegalidade da sua posição, decidiu a AT diligenciar junto do Ministério das Finanças (Cfr. art. 14º nº 2 d) e f) do DL nº 117/2011, de 15.12., art. 2º nº 2 g) e 4º nº 1 b) do DL nº 118/2011, de 15.12.) no sentido de aditar ao CPPT uma norma que confortasse o seu ilegal procedimento — completamente dissonante com o fim legal e, sobretudo, violadora dos mais básicos cânones de proporcionalidade.
ii. Como resulta da sentença recorrida, o referido artigo 199º-A do CPPT foi aditado pela Lei nº 7-A/2016, com início de vigência a 31.10.2016 (Cfr. artigo 218º da LOE 2016.), pelo que, tendo a garantia em causa nos autos sido prestada em 10.03.2016 aquele artigo 199º do CPPT é inaplicável ao caso; iii. Ao invés do decidido pelo Tribunal a quo, não é aceitável a aplicação de uma lei que não estava em vigor na data de apresentação da garantia e que tampouco estava em vigor dentro do prazo legal de que o órgão de execução fiscal dispunha para proferir uma decisão sobre a mesma iv. Tendo a garantia em causa sido prestada em 10.03.2016, o órgão de execução fiscal dispunha de 10 dias, nos termos do artigo 21º a) do CPTT, para proferir uma decisão sobre a mesma (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, volume 1, páginas 289 e 290.) — pelo que, quando muito, é este hiato temporal que define o quadro legal aplicável.
v. Estando em causa normas que estabelecem os pressupostos de idoneidade da garantia, o Contribuinte apenas logrará aferir do cumprimento desses mesmos pressupostos no momento em que presta a garantia — solicitando a suspensão da instância executiva — e também a partir desse momento o Contribuinte confia, fundadamente, que, dentro do prazo legal de decisão, a idoneidade da mesma vai ser aferida pela AT em função dos pressupostos legais vigentes no momento da prestação e não em função de alterações legais supervenientes.
vi. Está em causa ponderar qual o momento em que se aferem os pressupostos de idoneidade da garantia — o que, claramente, ocorre no momento em que essa garantia é prestada, juntamente com o pedido de suspensão da execução como resulta da Jurisprudência Superior: - “deve ser aceite a garantia se esta, objetivamente e no momento do pedido é apta a garantir a totalidade da dívida e do acrescido” (Cfr. Ac. STA de 27.06.2012, dado no proc. n.º 0654/12.) e “o que releva é que no momento em que é oferecida a garantia seja suficiente para garantir a totalidade da dívida e da acrescido”.
(Cfr. Ac. STA, de 19.09.2012, dado no proc. n.º 0909/12.) vii. Quando a Recorrente foi citada para prestar uma garantia idónea no processo executivo e, por maioria de razão, quando prestou essa mesma garantia e formulou à AT o pedido de suspensão, não estava em vigor qualquer norma que obstasse à sua aceitação nos termos que vieram a constar da decisão administrativa impugnada.
viii. Daí que a decisão administrativa de indeferimento que se funde numa ulterior alteração da lei seja violadora das mais básicas garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes — obstando à pretendida aplicação imediata da lei nova (Art. 12.º n.º 3 da LGT, in fine.).
ix. No momento em que foi prestada a garantia em causa, a mesma era claramente idónea à luz da lei vigente, pelo que nasceu na esfera jurídica da Recorrente um direito ao reconhecimento dessa idoneidade – sendo que, como resulta do ponto 7 do probatório, a Recorrente tinha até a legítima expectativa de ver ACEITE a sua garantia, nos mesmos moldes em que havia sido anteriormente aceite pela AT, em 07.09.2015, fiança semelhante.
x. A circunstância de se estabelecer a aplicação imediata da norma às garantias aceites até à data de entrada em vigor da lei nova - para determinação da necessidade de reforço/substituição da garantia (Cfr. disposição transitória introduzida pelo n.º 1 do artigo 177.º da Lei nº 7-A/2016 de 30.03.
) - não é passível de suster a decisão recorrida.
xi. O Tribunal a quo expõe-se à crítica na medida em que, salvo o devido respeito, equipara acriticamente as situações de reforço de garantia já aceite, com base nos pressupostos constantes da lei antiga, e as situações de indeferimento de garantia prestada igualmente com base nos pressupostos constantes da lei antiga (como sucedeu no caso dos autos).
xii. De resto, tal raciocínio conduz até a situações de intolerável e injustificada desigualdade material — bastando atender ao exemplo de um outro Contribuinte, que prestou garantia exactamente no mesmo dia da Recorrente e viu ser proferida decisão dentro do prazo legal de 10 dias, sendo que, neste caso, tal Contribuinte, quando muito, apenas poderia ser notificado pela AT para reforçar a garantia e, ainda assim, somente na eventualidade de o valor apurado ser inferior a 80% do valor resultante da aplicação dos critérios definidos na nova lei.
xiii. Já a Recorrente veria a sua garantia inapelavelmente recusa em função da simples dilação administrativa na sua apreciação, que não lhe é minimamente imputável, numa circunstância em que tal garantia foi determinada nos mesmíssimos moldes da prestada pelo outro Contribuinte.
xiv. Para decidir pela aplicabilidade do artigo 199º do CPPT, remete o Tribunal a quo para o entendimento deste Venerando Tribunal no sentido de que “a legalidade do acto deve ser sindicada em face da lei vigente à data em que foi proferida”.
xv. Todavia, sempre salvo o devido respeito, uma coisa é concluir que a lei aplicável é a vigente à data da decisão; outra, completamente diferente, é concluir que a legalidade da decisão apenas pode ser sindicada jurisdicionalmente face à lei vigente no momento em que aquela foi proferida (Como entendido no segmento do acórdão deste Supremo Tribunal, de 06.07.2016, dado no proc. nº 0728/16 e citado na sentença recorrida.).
xvi. A aplicação no tempo das normas tributárias, expressamente enunciada no art.º 12º da LGT, consigna o princípio de que se a lei nova valora diferentemente os factos produzidos no domínio da lei antiga ela não pode ser aplicada sob pena de retroactividade.
xvii. No caso dos autos, afigura-se evidente que o Contribuinte é confrontado com uma verdadeira “decisão-surpresa” – na medida em que, no momento da decisão, a AT exige a verificação de determinados pressupostos para a prestação de garantia idónea que, precisamente: não estavam vigentes ao tempo da sua prestação xviii. Ao assim não decidir, incorreu o Tribunal num erro de julgamento da matéria de Direito — por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 12º nº 3 da LGT, 21º a), 199º e 199º-A do CPPT - a implicar a anulação da sentença recorrida.
xix. Ainda que, por mera hipótese fosse aplicável ao caso o disposto nos artigos 199º-A do CPPT e 15º do CIS, afigura-se que a AT incorreu em erros de aplicação de lei e, para mais, não fundamentou minimamente as operações de cálculo que efectuou.
xx. Desde logo, em relação à valorização da rubrica a deduzir elencada na alínea d) do nº 1 do artigo 199º-A do CPPT - “quaisquer créditos do garante sobre o executado” — não se percebe que nesta rubrica tenham sido considerados valores das dívidas da sociedade garante, na medida em que a alínea d) do nº 1 do artigo 199º-A do CPPT manda deduzir apenas os “créditos do garante sobre o executado” e não quaisquer dívidas ou créditos do garante perante terceiros como erradamente foi considerado in casu pela AT.
xxi. Acresce que, em suposto cumprimento da alínea b) do nº 1 do artigo 199º-A do CPPT, a AT deduziu o valor da participação que outra sociedade, que não a fiadora B…………. (a A……….. Finance BV), detinha na Recorrente — o que viola claramente aquele preceito legal.
xxii. Ademais, no cômputo do valor a deduzir elencado na alínea c) do nº 1 do artigo 199º-A do CPPT — “passivos contingentes” - da sociedade garante – a AT considerou as dívidas da B………… à AT (€ 824.186,27) que se encontram devidamente garantidas, conforme reconhece expressamente a própria AT.
xxiii. O Tribunal a quo acabou por não apreciar estes evidentes erros de aplicação da lei, o que constitui omissão de pronúncia a determinar a nulidade da sentença (Arts. 608.º n.º 2 e 615.º n.º 1 d) do CPC.).
xxiv. O Tribunal o quo conclui pela inexistência do vício de falta de fundamentação, todavia, caso tivesse apreciado os sobreditos erros de aplicação de lei — pressupondo precisamente a (suposta) aplicação do artigo 199º-A do CPPT à garantia em causa — decerto teria...
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