Acórdão nº 0541/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução17 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - 1 – A………., com os sinais dos autos, vem interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista, ao abrigo do artigos 150.º Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 9 de Junho de 2015, que negou provimento ao recurso interposto pelo recorrente da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que absolvera a Fazenda Pública da instância, no âmbito da oposição deduzida à execução fiscal n.º 07102009010322070 contra si revertida.

Subsidiariamente, caso a revista não seja admitida, interpõe recurso por oposição de acórdãos, invocando como acórdão fundamento o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 30 de Abril de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 1459/10.3BEBRG, transitado em julgado e cuja cópia se encontra junta a fls. 464 a 479 dos autos.

O recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: 1) O presente recurso vem interposto do Acórdão do TCA Norte, porquanto a manter-se esta decisão tal significará que o infeliz do recorrente, um jovem de apenas 31 anos, ficará com todo o seu futuro, inexorável e irremediavelmente, hipotecado, porque amarrado para o resto de toda a sua vida, ao pagamento de uma suposta dívida de muitas centenas de milhares de euros, quando nenhuma (!) responsabilidade teve ou tem.

2) E isto quando o entendimento que foi levado a efeito no Acórdão recorrido é de tal modo exigente que apenas poderia ser realizado em relação a pessoas com elevado ou, pelo menos, um médio grau de cultura e que sintam quase temor pela Administração Tributária e pela sua actuação (como hoje em dia – 2015 – vem sendo regra, mas que em 2009 não era de todo em todo habitual), mas que não pode ser legítima e razoavelmente exigido a pessoas simples, humildes e de baixo grau de conhecimento, de cultura e de literacia, como inequivocamente é a mãe do oponente, que recebeu a carta e que, depois, comprovadamente, não lha entregou.

3) Requer respeitosamente a admissão do presente recurso por se verificarem os respectivos requisitos, sendo que em relação à relevância jurídica fundamental verifica-se que as questões trazidas aos autos (nomeadamente os poderes de cognição do tribunal de 2.ª instância mormente no âmbito da matéria de facto) são de elevadíssima complexidade jurídica, constituindo até uma verdadeira “vexata quaestio”, que tem tido tratamento dissonante na jurisprudência (quer na jurisdição administrativo-tributária, quer na jurisdição civil).

4) Verificando-se, pois e assim, não só uma elevada dificuldade das concretas operações exegéticas a efectuar, como também por força de um enquadramento normativo intrincado e da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos (uns previstos no CPC, outros previstos no CPPT e outros ainda no CPTA).

5) Por outro lado, estão ainda em causa valores jurídicos fundamentais, princípios estruturantes e direitos fundamentais, como sejam a segurança jurídica e a confiança, o efectivo duplo grau de jurisdição, ou ainda a tutela jurisdicional efectiva (corolários do estruturante princípio do Estado de direito democrático – cfr. art. 2.º da CRP).

6) Sendo que – o que se alega com a decida vénia – a decisão recorrida coloca em causa a própria vida, o desenvolvimento da personalidade e a integridade moral do recorrente, posto que, ressalvado o devido respeito, o acórdão recorrido corresponde a destruir-se perfeitamente uma vida: estando em causa a própria dignidade da pessoa humana – cfr. arts. 1.º, 24.º, 25.º e 26.º da CRP.

7) Por seu turno, a relevância social fundamental da situação manifesta-se na medida em que a mesma apresenta contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, sendo que, acrescidamente, as questões da amplitude dos poderes de cognição do Tribunal de recurso e do incumprimento das regras da citação, são deveres frequentes na realidade quotidiana, pois que a questão revela, pois, especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa claramente os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.

8) Por outro lado, como tentaremos demonstrar melhor infra, a situação apresenta uma clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito, não só, porque, como já vimos, existe a possibilidade (rectius, a certeza) de repetição num indeterminado número de casos futuros e, por isso, avulta a necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias determinantes até aqui tratada de forma pouco consistente ou contraditória, pelo que impõe a intervenção deste Alto STA para dissipar dúvidas.

9) Por outro lado também e ressalvado o devido respeito, o Acórdão recorrido tratou a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo assim objectivamente útil a intervenção deste alto STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.

10) Em suma e ressalvado o devido respeito, o acórdão recorrido padece, a vários passos, de erro de julgamento grosseiro ou notório, sendo que a resolução das questões que se levantam implicam a realização de operações lógico-jurídicas especialmente complexas e, por outro lado, contendo com interesses particularmente importantes (na medida em que se prende com o direito de propriedade privada e com o próprio direito à vida e ao desenvolvimento da personalidade, e estando em causa decisão que poderá vir a ser seguida em cerca de 15 processos em tudo similares em que o executado é o mesmo, em que estão em causa muitas centenas de milhares de euros), pelo que pode tal questão levantar-se num elevado número de casos, presentes e futuros, o que justifica a intervenção clarificadora deste STA.

………11) Nas suas alegações de recurso, o recorrente citou doutrina e alegou a inconstitucionalidade do disposto no art. 190.º, n.º 6 do CPPT ou da sua interpretação, mormente por violação do direito fundamental de tutela jurisdicional efectiva, corolário dos estruturantes princípios da segurança jurídica e da confiança, o que igualmente levou às conclusões 51 e 52, o que aqui se considera devidamente reproduzido.

12) Todavia, e ressalvado o devido respeito, tal questão de constitucionalidade do art. 190.º, n.º 6 do CPPT ou da sua interpretação não foi apreciada e decidida pelo Tribunal, o que configura nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

13) O Acórdão recorrido defende que a modificabilidade da matéria de facto pela relação só deve ter lugar nos casos de manifesta desconformidade entre as provas produzidas e a decisão proferida, ou seja, “a modificação quanto à valoração a prova, tal como foi captada e apreendida em 1.ª instância, só se justificaria se, feita a reapreciação, fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida”, ou seja, apenas nos casos de “erro mesmo notório e evidente” – cfr. Aresto a fls. 21 a 23, sendo nosso o realce.

14) Salvo o devido respeito, tal interpretação viola, e de forma insuportável, o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva (art. 18.º, 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP) e o efectivo duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto.

15) Mormente quando, como é por todos reconhecido, as sucessivas reformas e revisões da lei processual (sobretudo do CPC) têm conduzido, progressivamente, a um aumento ou maior poder de sindicabilidade por parte dos tribunais de recurso, instituindo a garantia do efectivo duplo grau de jurisdição da matéria de facto que não se coaduna com esta visão propugnada pelo acórdão recorrido – veja-se a título de exemplo o preâmbulo do Decreto-Lei...

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