Acórdão nº 0771/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. O Ministério das Finanças vem interpor recurso de revista do acórdão do TCA Norte que concedeu parcial provimento ao recurso do acórdão proferido pelo TAF do Porto, julgando improcedente a exceção de inimpugnabilidade do despacho do Secretário de Estado da Administração Pública, de 15/04/2013, que homologou o relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) (e determinou o seu envio ao Presidente do respetivo Conselho de Administração com vista a dar cumprimento urgente ao proposto no ponto 2., na proposta de encaminhamento do mesmo relatório), na ação administrativa especial interposta pelas Águas do Porto EM contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, de nulidade ou a anulação dos actos administrativos praticados pelo SECRETÁRIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (SEAP), em 5 de Dezembro de 2011, e em 15 de Abril de 2013.

    Para tanto alega, em conclusão: “a) Nos presentes autos encontram-se preenchidos os pressupostos para que o presente recurso de revista seja admitido, quer na sua vertente substantiva quer na sua vertente processual, designadamente, a relevância genérica da questão objeto do recurso e, por evidente violação da lei substantiva e processual, a necessidade de melhor aplicação do direito; b) Com efeito, a matéria em disputa (qualificação jurídica do ato de homologação do relatório IGF de 15/04/2013) está relacionada com o âmbito e alcance da intervenção do Governo na administração indirecta do Estado, local e regional, e em particular, no sector empresarial local onde se integra a empresa local Recorrida, o que transcende o interesse desta para impugnar o ato de homologação de um relatório de averiguações da IGF, pelo potencial de reprodução do litígio, nos seus aspectos essenciais, à generalidade das entidades públicas deste sector da Administração Publica que sejam visadas pelos relatórios de acções inspetivas da IGF, no âmbito da tutela de legalidade exercida; c) O que já aconteceu, aliás, sendo vários os processos que já correram nos tribunais administrativos de primeira instância, outros nos tribunais superiores e até mesmo nesse Supremo Tribunal, relativamente ao alcance dos poderes de tutela administrativa (inspetiva) do Governo sobre as entidades públicas da administração indirecta; d) Além disso, o douto acórdão do TCANorte conduz à prevalência de uma tese jurídica, no mínimo, de acerto duvidoso face à jurisprudência do STA já proferida relativamente à caracterização das recomendações da IGF dirigidas a entidades sujeitas à tutela administrativa (inspetiva) do Estado, e em particular, do seu eventual caráter vinculativo, sendo claramente necessária a intervenção desse Supremo Tribunal Administrativo para uma melhor aplicação do direito; e) Face à delimitação do objeto do presente recurso, afigura-se evidente que a questão idealizada em abstracto reveste cariz genérico e relevância jurídica suficiente para ser considerado preenchido o requisito da clara necessidade de admissão do recurso de revista para uma melhor aplicação do direito; f) Sendo admitido, como se espera, ao presente recurso tem de ser dado provimento; g) Com efeito, o entendimento do douto tribunal a quo, ao considerar que o ato de homologação do relatório da IGF reveste eficácia externa e é, consequentemente, impugnável, assenta em incorreta interpretação do quadro legal aplicável ao caso concreto, ignorando por completo a natureza jurídica da entidade “Águas do Porto, E.M”, o respectivo enquadramento legal, as características da relação jurídico-administrativa constituída entre o Estado e a empresa local em causa e o âmbito dos poderes de tutela administrativa que sobre a mesma podem ser exercidos pelo Governo; h) Ora, tratando-se de uma empresa enquadrada no sector empresarial local, como tal, parte integrante do setor público empresarial, a “Águas do Porto, EM” está sujeita ao controlo financeiro de legalidade que compete à Inspeção-Geral de Finanças (IGF) – cfr artigo 39º, nº2 da Lei nº 50/2012, artigo 26º, nº2 do DL nº 133/2013, e artigos 1º e 2º, nºs 1, 2 e 3, ambos do DL nº 96/2012, de 23/04; i) Quer com isto dizer que o Governo apenas tem, relativamente às empresas locais, poderes de controlo financeiro, através da IGF, destinados a averiguar da legalidade da gestão daquela empresa; j) É consabido que as relações que se estabelecem entre o Estado, as autarquias locais e as empresas do sector empresarial não se confundem com qualquer relação de hierarquia administrativa; reportam-se, ao invés, à figura da tutela, a qual tem lugar num quadro de descentralização em sentido estrito, nas relações entre o Governo e os órgãos ou entidades das administrações autónomas, territoriais ou corporativas; l) Por definição, a tutela consiste no conjunto de poderes de intervenção de uma pessoa colectiva de direito público na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação; m) Um destes poderes é o de fiscalização da legalidade, falando-se, então, de tutela inspectiva; n) A tutela inspetiva do Governo consiste no poder de fiscalização dos órgãos, serviços, documentos e contas das entidades tuteladas que se define como a possibilidade conferida ao órgão de outra pessoa colectiva de intervir na gestão da primeira, averiguando o cumprimento das obrigações impostas por lei; o) Diferente é o poder de direcção, típico da hierarquia, que consiste na faculdade de que dispõe o superior hierárquico de dar ordens ou o poder de superintendência que se traduz apenas na faculdade de emitir diretivas ou recomendações, orientando a acção das entidades a ela submetidas; p) Perante o enquadramento concetual, doutrinariamente consolidado, a tutela administrativa do Estado sobre a gestão financeira das empresas locais é meramente inspetiva e só pode ser exercida segundo as formas e nos casos previstos na lei (cfr, artigo 2º nº3 e 6 do DL nº 96/2012, de 23/04, artigo 11º do DL nº 117/2011, de 15/12, artigos 39º nº1 e 67º da Lei nº 50/2012, de 31/08 e artigos 24º, nº3 e 62º nº2 do DL nº 113/2013, de 03/05); q) Ou seja, o Governo não tem sobre as empresas locais o poder de direção traduzido na faculdade de dar ordens ou instruções à pessoa tutelada quanto ao modo de exercer as suas competências de gestão, nem tão pouco sobre estas recai, face àquele, qualquer dever de obediência; r) No caso concreto, o Governo, através do Ministro das Finanças, exerce poderes de tutela inspetiva sobre a ..., e os atos pelos quais exerce o seu poder de tutela nunca poderão consubstanciar ordens ou orientações com caráter vinculativo para a empresa local sua destinatária; s) Isso significará, portanto, ao invés do que sustenta o tribunal a quo, que através destes atos não se criam deveres para os seus destinatários e que estes são livres de seguir ou não as recomendações em causa; t) Em suma, a determinação constante do despacho SEAP de 15/04/2013 circunscreve-se a uma mera recomendação, através da qual se expressa uma situação que é desejável mas não obrigatória e que de resto poderá não ser entendida como a mais correta ou adequada porquanto não existe obrigação de cumprir as recomendações constantes do relatório da IGF pela “Águas do Porto, EM”; u) Sendo que o eventual acatamento pela aqui Recorrida das recomendações emitidas pelo Governo no âmbito das acções inspetivas da IGF nunca poderá representar um ato de execução, porquanto, como se viu, as recomendações homologadas pelo despacho SEAP de 15/04/2015, não correspondem a ordens dadas ao Recorrido ou a um dever de cumprimento pelas entidades que pertençam à administração indireta, do Estado, local ou regional; v) E não se confundam as diligências de acompanhamento constantes do artigo 22º nºs 2 e 3 do Regulamento do Procedimento de Inspeção da IGF, aprovado pelo Despacho nº6387/2010, de 12/04, com uma obrigação de a entidade inspecionada cumprir o catálogo de recomendações ínsitas ao relatório produzido pela IGF, o que é mesmo incompatível com o âmbito dos poderes de tutela do Estado sobre a atividade empresarial local, sendo as empresas locais suas destinatárias livres de seguir ou não as recomendações em causa; x) Acresce que a alusão contida no artigo 15º nº3, do DL nº 276/2007 de 31/07, à eficácia externa da decisão do dirigente máximo da IGF pretende apenas significar que, em caso de delegação pelo Ministro da Tutela da competência para homologar o relatório da ação inspetiva, a homologação do relatório pelo primeiro dispensa a subsequente homologação ministerial, permitindo a imediata aplicação da tramitação descrita nos nºs 5, 7 e 8 deste preceito legal; z) Por último, sempre se observa que o eventual apuramento de responsabilidade financeira e sancionatória não é consequência direta e necessária da intervenção da IGF, uma vez que os poderes de controlo que assistem ao Tribunal de Contas no âmbito da Lei nº 98/97, de 26/08 (cfr artigo 26º, nº1, primeira parte, do DL nº 133/2013 e artigo 57º da LOPTC) localizam-se a montante e no quadro de um processo próprio de avaliação alheio às recomendações sindicadas; aa) Assim sendo, o ato homologatório impugnado não confere às recomendações insertas no relatório da IGF a dimensão vinculativa da esfera jurídica da Recorrida “Águas do Porto, EM” que é condição de impugnação judicial de acordo com o disposto no artigo 51º do CPTA.

    Nestes termos e nos mais de direito que V.Exas decerto doutamente suprirão, deve a presente revista ser julgada procedente revogando-se o acórdão a quo e substituindo-o por outro que julgue procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato impugnado, com a consequente absolvição do Réu ora Recorrente da instância.” 2. ÁGUAS DO PORTO, fls. 782-818, apresenta as suas contra-alegações, concluindo: “(a) O presente recurso é inadmissível por não se verificarem os requisitos estabelecidos no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo certo que este tipo de recurso deverá ser utilizado somente em casos excecionais, nos termos previstos no preceito legal referido, que deve...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT