Acórdão nº 0809/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução22 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

O Município de Paredes de Coura (MPC), devidamente identificado nos autos, veio intentar a presente acção administrativa especial (AAE) contra o Conselho de Ministros (CM) pedindo a anulação dos actos administrativos constantes do DL n.º 45/2014, de 20.03, e da Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 30/2014, de 08.04, em seu entender feridos de várias ilegalidades e inconstitucionalidades.

  1. Citado o CM, veio o mesmo apresentar defesa por excepção (incompetência absoluta da jurisdição administrativa em razão da matéria) e por impugnação, dando ainda conta de que o A. não indicou quaisquer contra-interessados (cfr. fls. 113 a 172). A final, pugna pela procedência da excepção de incompetência material, com a consequente absolvição da instância da entidade demandada, ou, caso assim não se entenda, requer a notificação do A. para que este venha ao processo identificar os contra-interessados, e peticiona a absolvição do pedido “por falta de fundamento das alegadas invalidades do Decreto-lei n.º 45/2014, de 20 de março, e da Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/14, de 8 de abril (que não sofrem de nenhum dos invocados vícios)” – cfr. fl. 172.

  2. Notificado o Magistrado do MP junto deste Supremo Tribunal para os efeitos do artigo 85.º do CPTA, pronunciou-se o mesmo no sentido da improcedência da acção (cfr. fls. 289 a 294) 4.

    Notificado para os efeitos do artigo 87.º, n.º 1, al. a) do CPTA, o MPC veio, a fls. 300 e ss., pronunciar-se sobre a matéria exceptiva, defendendo a improcedência da excepção de incompetência absoluta do tribunal ratione materiae.

    De igual modo, veio identificar como contra-interessados o Ministério das Finanças e da Administração Pública; a C………., SGPS, SA; a A……….., SA (A……….); a B……………..

    , SA; e os Municípios de Caminha, Melgaço, Monção, Valença e Vila Nova da Cerveira.

  3. Citados os contra-interessados, apenas a C……….. e a A……… apresentaram as respectivas contestações, por meio das quais se opuseram à pretensão deduzida pelo A., defendendo-se por excepção (a incompetência absoluta do tribunal ratione materiae) e por impugnação (cfr. fls. 332 e ss. e fls. e 355 e ss.).

  4. Com data de 17.11.16 foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada parcialmente procedente a excepção da incompetência material, determinando-se a prossecução dos autos para conhecimento do pedido apenas em relação aos actos contidos na RCM n.º 30/2014; em consonância, o R. e as contra-interessadas foram absolvidas da instância relativamente ao pedido de impugnação dos actos contidos no DL n.º 45/2014.

  5. Notificadas as partes para produzirem alegações escritas nos termos do n.º 4 do artigo 91.º do CPTA, vieram as mesmas fazê-lo.

    7.1.

    O autor apresentou as suas alegações, onde formulou as seguintes conclusões (cfr. fls. 421 e ss.): “1.

    O processo material ou substancialmente transformador ou extintivo de empresas públicas, pelo menos em termos potenciais, como o que sucede (ou poderá suceder) no caso, não encontra habilitação no decreto-lei autorizado que estabelece as bases gerais das empresas públicas, sendo certo que, como já se disse, o conceito constitucional de bases gerais de empresas públicas não deixará de abranger qualquer fenómeno jurídico de transformação ou extinção de empresas públicas, não tendo a lei de autorização habilitado, nesta parte, o Governo a estabelecer bases gerais sobre a matéria.

  6. O Governo está, na matéria e no caso concreto, a invadir a competência exclusiva da Assembleia da República, sendo, pois, os decretos-lei que alteraram os estatutos das sociedades gestoras dos sistemas multimunicipais organicamente inconstitucionais.

  7. Violam, assim, o Decreto-Lei 45/2014 e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, o artigo 165º, n.º 1. al. u) da CRP, padecendo de inconstitucionalidade orgânica.

  8. Além disso, os mesmos são materialmente inconstitucionais, na medida em que vedam às autarquias locais qualquer possibilidade de, através das assembleias gerais das sociedades, defenderem os interesses próprios das populações respetivas, em atribuições compartilhadas com o Estado, designadamente quando se está em face de sistemas que materializam interesses públicos transversais e, que, por isso mesmo, a lei elege como um dos princípios fundamentais, precisamente, o princípio do carácter integrado dos sistemas.

  9. Está assim em causa não só a prossecução de interesses próprios das populações locais por parte dos municípios, como o A, onde elas, no âmbito da B…………, se integram, sem possibilidade de o Estado se substituir a eles ou interferir nos seus atos, mas também a descentralização administrativa, a autonomia dos municípios no exercício das atribuições aqui em causa que lhes são legalmente cometidas e a subsidiariedade na distribuição e concretização dessas mesmos atribuições públicas, tal como decorre dos artigos 6º, 235º, nº 2, e 242º, nº 1, da CRP.

  10. É inegável que sempre tendo sido "públicos" os sistemas multimunicipais, tendo sido criadas com esses pressupostos as empresas concessionárias e dela tendo feito parte os municípios, igualmente com esses pressupostos, e estando em plena vigência os respetivos contratos de concessão, a alteração jurídica inerente à privatização da A…….., tal como esta está pensada e com as repercussões no diploma em análise, afeta desproporcional e inesperadamente as expectativas legalmente criadas e protegidas dos municípios acionistas e das suas populações.

  11. Assim, o Decreto-Lei 45/2014 e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014 de 8 de abril são também materialmente inconstitucionais por violarem ainda os artigos 2.º e 18.º, n.º 2 da Constituição.

  12. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, aprovada ao abrigo do disposto expressamente no artigo 14º do Decreto-Lei nº 45/2014, de 20 de março, vem pormenorizar o processo de reprivatização da A……….., nela praticando o Conselho de Ministros diversos atos administrativos constantes do n.º 1 a 6.

  13. O que o A. impugna nos presentes autos são estes atos ora mencionados, devendo, os mesmos, ser declarados nulos.

  14. Após a constituição, os estatutos das sociedades concessionárias são alteráveis somente por deliberação dos seus acionistas, nos termos do CSC, com respaldo claro, como se viu, no novo regime do sector público empresarial.

  15. Concluída a constituição de cada sociedade, o governo esgotou o seu poder de reconfiguração, conforme decorre dos próprios estatutos aprovados em anexo aos termos constitutivos legais e do novo regime do sector público empresarial, que atribuem às sociedades, nos termos da legislação comercial aplicável, o poder de alteração dos seus estatutos.

  16. Só não seria assim, se, no plano societário, ao acionista Estado tivesse sido atribuído um direito especial de alteração dos estatutos da sociedade por esta forma, à margem do regime próprio a que a lei societária submete tais alterações 13.

    Porém, não foi atribuído tal direito ao Estado: são os diplomas que instituíram as sociedades concessionárias que determinam expressamente a aplicação do regime societário comum, quer dizer, a atribuição de competência exclusiva para alteração dos estatutos aos acionistas, tal como o novo regime do sector público empresarial.

  17. Por tudo quanto ficou exposto no presente capítulo, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, padece de vício de violação de lei, por violação do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 35/2013, de 11 de junho, do n.º 1 do artigo 198º da Constituição do República Portuguesa, do artigo 34.º, n.º 1, do artigo 35.º n.º 1 e do artigo 38.º do Decreto-lei n.º 133/2013, de 3 de Outubro, do artigo 165.º, n.º 1, al. u) da Constituição da República Portuguesa, do artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, do artigo 6º, do artigo 235º nº 2 e do artigo 242º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, do artigo 66º da Constituição do República Portuguesa, dos artigos 85º n.º 1 e 373º n.º 2 do Código de Sociedades Comerciais, dos artigos 3º e 15º do Código de Registo Comercial, dos artigos 116º a 118.º e do artigo 70º do Código do Registo Comercial, do artigo 383.º nº 2 e 3 e do artigo 386.º nº 3 e 4 do Código das Sociedades Comerciais, sendo, por isso, inválida”.

    7.2.

    A contra-interessada A…………., SA, veio produzir contra-alegações, concluindo da seguinte maneira (cfr. fls. 445-6): “a.

    A RCM 30/2014 não operou qualquer transformação, extinção ou transformação extintiva da B…………… e, bem assim, não alterou ou em momento algum visou os estatutos da mesma.

    b.

    Ao invés, a RCM 30/2014, em consequência da aprovação e publicação do DL 45/2014, limitou-se a aprovar o regulamento administrativo que disciplinou o processo de concurso relativo à reprivatização da A…………., nada dispondo quanto à B...........

    e quanto aos seus estatutos.

    c.

    Neste sentido, a RCM 30/2014 não padece, nem pode padecer, de qualquer das causas de inconstitucionalidade ou de anulabilidade, por violação de lei, que lhe são imputadas pelo Autor, na medida em que as mesmas assentam numa realidade jurídico-fática fictícia.

    d.

    De resto, a inexistência de quaisquer causas de inconstitucionalidade ou de anulabilidade da RCM 30/2014 foi já afirmada e reafirmada, em oito ocasiões, pelo Supremo Tribunal Administrativo.

    Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve a presente ação improceder em absoluto, por não provada, devendo, em consequência, absolver-se o Réu e a Contrainteressada do pedido”.

    7.3.

    Veio o R. dizer o seguinte (cfr. fl. 452): “1º Considerando a inexistência de instrução processual substantiva subsequente aos articulados iniciais e o facto das questões controvertidas serem questões de direito relativamente às quais as autoras não aduziram argumentos acrescidos, a entidade demandada limita-se, em sede de alegações, a remeter integralmente para o conteúdo da contestação por impugnação que...

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