Acórdão nº 0972/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução29 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

I. Relatório 1. O MUNICÍPIO DA AMADORA [MA] propôs esta acção administrativa especial [AAE] pedindo a «declaração de nulidade ou anulação de actos administrativos praticados no âmbito do processo de reprivatização da A………….., S.A.

[A…]».

Demanda o CONSELHO DE MINISTROS [CM] e os seguintes contra-interessados: - B………….,SA; - C…………NV; -D………… SA, E…………,SGPS, SA, e F…….., SA; - G……….

-SGPS, SA.

Pede que este Supremo Tribunal declare a nulidade ou anule os seguintes actos administrativos: 1- Decisão de alienação de 100% das acções da A… e de que o concurso público previsto no nº2 do artigo 2º do DL nº45/2014, de 20.03, tenha por objecto acções representativas de 95% do capital social da A…; 2- Aprovação do caderno de encargos do concurso público; 3- Decisão de abertura do concurso público previsto no nº2 do artigo 2º do DL nº45/2014, de 20.03, através do envio para publicação do anúncio no Jornal Oficial da União Europeia e no Diário da República; [praticados em 03.04.2014 pelo CM e vertidos na RCM nº30/2014] 4- Admissão a participar na fase de apresentação de propostas vinculativas do concurso público de alienação das acções da A… dos seguintes concorrentes: a) Agrupamento constituído pelas empresas H…….. e ………… Limited; b) G……– SGPS, SA; c) I………, SA e………..Partners; d) B…...., SA; e) C………… NV; f) Agrupamento constituído pelas empresas J………., SA, e…………., SA; g) Agrupamento constituído pelas empresas D…,……… SA, E………………, SGPS, SA, e F…………, SA; [praticado em 05.06.2014 pelo CM e vertidos na RCM nº36-A/2014]; 5- «Acto materialmente administrativo» contido no DL nº108/2014, de 02.07, que procedeu à alteração dos Estatutos da L………….

Disse expressamente que «pretende apresentar alegações de direito». E juntou 12 documentos.

  1. Citados todos os demandados, apenas o CM contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação. Em sede de defesa por excepção foi invocada a incompetência absoluta da jurisdição administrativa no que respeita à alegada impugnação do DL nº108/2014, de 02.07, e, ainda, da RCM nº30/2014, e RCM nº36-A/2014. Juntou 5 documentos.

  2. O Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 85º, nº5, do CPTA, tendo-se pronunciado no sentido de que «falece fundamento à acção».

  3. Após terem sido notificadas as partes dessa pronúncia, veio o autor requerer, ao abrigo do artigo 63º do CPTA, a «ampliação do objecto do processo» [folhas 427 a 431] aos seguintes actos: 1- Selecção do concorrente D……./E……. /F…… /M…….. /D……..

    [Esposende] como vencedor do concurso público de reprivatização da A…..; 2- Aprovação dos instrumentos jurídicos a celebrar entre a N…………, SA [N..], o concorrente vencedor e a sociedade a constituir pelo mesmo, nomeadamente a minuta de compra e venda; 3- Autorização à N... para celebrar com o concorrente vencedor e a sociedade a constituir pelo mesmo o contrato de compra e venda das acções da A....

    [praticados em 18.09.2014 pelo CM e vertidos na RCM nº55-A/2014, publicada na I série do DR de 19.09.2014]; 4- Contrato de compra e venda de acções da A… celebrado em 06.11.2014 entre a N… e o Agrupamento D……...

  4. Notificado para se pronunciar, querendo, a tal respeito, o CM veio dizer que, a ser admitida a requerida «ampliação do objecto do processo», fazia valer as razões esgrimidas na sua contestação relativamente ao objecto ora ampliado.

  5. Foi proferido despacho a deferir a ampliação do objecto da acção, tal como requerido pelo autor, passando o mesmo a abranger a declaração de nulidade, ou anulação, dos vários actos por ele discriminados, e foi ordenada a citação da contra-interessada «N…» para contestar e juntar aos autos cópia certificada do contrato que celebrou em 06.11.2014 com o «Agrupamento D……».

  6. A «N…» contestou [folhas 450 a 484], por excepção e por impugnação. Em sede de excepção suscitou a inimpugnabilidade do acto contido no DL nº108/2014, de 02.07.

  7. O Ministério Público, notificado, de novo, nos termos e para os efeitos do artigo 85º, nº5, do CPTA, veio «reiterar» o seu anterior parecer quanto à parte ampliada.

  8. Em sede de «despacho saneador» - proferido ao abrigo do artigo 87º, nº1, alínea a), do CPTA aplicável - foi a jurisdição administrativa julgada competente, ratione materiae, para apreciar e decidir os «actos» contidos na RCM nº30/2014 [pontos 1, 2 e 3, do pedido], na RCM nº36-A/2014 [ponto 4 do pedido], e também na ampliação do pedido que se mostra deferida, mas incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido formulado pelo autor sob o ponto 5, isto é, o pedido de declaração de nulidade ou anulação do «acto materialmente administrativo contido no DL nº108/2014, que procedeu à alteração dos estatutos da L…….».

    Foi, pois, julgada procedente a pertinente excepção dilatória suscitada pelo CM [ponto 2 supra], e considerada prejudicada a apreciação da falta de impugnabilidade desse «acto», questão deduzida pela N… [ponto 7 supra].

  9. Do dito julgamento de procedência da incompetência absoluta da jurisdição administrativa, reclamou o autor da AAE para a conferência - ao abrigo do artigo 27º, nº2, CPTA aplicável. A esta reclamação, uma vez apreciada pela respectiva formação da «Secção de Contencioso Administrativo», foi negado provimento, e mantido, assim, o despacho reclamado na parte posta em causa.

  10. O autor apresentou alegações de direito, que concluiu assim: I. Da inconstitucionalidade orgânica e formal do DL 45/2014 A) O DL nº45/2014 conflituou directamente com o estatuto das autarquias locais ao condicionar de forma intolerável quer a autonomia patrimonial e organizativa do autor - nomeadamente, o exercício dos respectivos direitos sociais, enquanto accionista da L……… - quer a própria autodeterminação na prossecução dos fins de interesse público que lhe estão cometidos em matéria de recolha e tratamento dos resíduos sólidos urbanos, tarefas primordiais que se encontram praticamente desde tempos imemoriais confiadas aos municípios; B) Ao não ter sido precedida de autorização legislativa, nos termos conjugados dos artigos 165º alínea q) e 198º, alínea b), da CRP, a intervenção legiferante do Governo ao abrigo do artigo 198º alíneas a) e c) da CRP, patente no DL nº45/2014, enferma de inconstitucionalidade formal e orgânica, por violação da reserva relativa da AR quanto ao estatuto das autarquias locais; C) A conclusão alcançada em nada é prejudicada pelo enquadramento normativo do DL nº45/2014 à luz da LQP: o facto de a LQP prever a emissão de um DL privatizador não dispensa o cumprimento por este diploma de todas as demais exigências constitucionais - incluindo orgânicas e formais; D) A admitir-se a interpretação de que a LQP dispensaria o cumprimento da exigência constitucional de autorização legislativa para aprovação de decreto-lei relativo ao estatuto das autarquias locais, não só se subverteria todo o quadro de repartição de competências constitucionais, desde logo entre a Assembleia da República e o Governo, como se estaria a derrogar a própria CRP, cujo artigo 112º nº5, dispõe que «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos»; E) Consequentemente, a única interpretação constitucional e sistematicamente conforme do sentido da exigência de «decreto-lei» previsto na LQP é a de se exigir, quando outra norma constitucional o prescreva, que o decreto-lei em causa se subordine à prévia obtenção de lei de autorização administrativa, nos termos do artigo 165º, nº1, alínea q), e nº2 da CRP; II. Da ilegalidade do DL nº108/2014 por violação de acto normativo de valor reforçado F) O DL nº133/2013 aprova as bases gerais das empresas públicas, nos termos do artigo 165º, nº1, alínea u), da CRP, e mediante a autorização legislativa, dada pela Lei nº18/2013, de 18.02, assumindo-se como um decreto-lei de valor reforçado, nos termos do artigo 112º nº3, da CRP, na medida em que é pressuposto normativo necessário da emanação de outros actos normativos; G) A L……… apresenta-se como uma empresa participada, integrando o sector empresarial do Estado, nos termos e para os efeitos dos artigos 2º, nº2, e 7º, nº1, do DL nº133/2013; H) As alterações estatutárias das empresas públicas, e por maioria de razão das empresas participadas - caso da L……….

    -, nos termos do artigo 14º, nº5, do DL nº133/2013, devem ser realizadas nos termos do CSC, ao abrigo do artigo 36º, do DL nº133/2013 [isto é, mediante deliberação dos accionistas, nos termos do artigo 373º, nº2, do CSC]; I) Ao não ter havido qualquer deliberação societária favorável à alteração dos estatutos prévia à aprovação do DL nº45/2014 e do DL nº108/2014, este viola o artigo 112º nº3, da CRP, padecendo de ilegalidade por violação de lei de valor reforçado; J) Violação de lei de valor reforçado que não se encontra, sequer, respaldada no artigo 4º, nºs 1 e 2, da LQP, que permite o recurso a decreto-lei para transformar uma empresa pública em sociedade anónima e, em simultâneo, aprovar os respectivos estatutos; K) Com efeito, não só o DL 108/2014 não altera os estatutos da a A…….. - altera, sim, os estatutos de uma sociedade comercial em que a A… detém uma participação social maioritária [L……..] - como, ainda, quer a L………, quer a A… já eram sociedades anónimas antes da vigência do DL nº108/2014 e, por último, a interpretação actualista da LQP, à luz das sucessivas modificações dos regimes jurídicos das empresas públicas, deve afastar a exigência geral de decreto-lei privatizador - MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA; III. Da inconstitucionalidade material do DL nº45/2014 e do DL nº108/2014, por violação da garantia constitucional da autonomia local L) As normas contidas no DL n45/2014 e no DL nº108/2014, ao abrigo das quais são praticados os actos impugnados, são ainda materialmente inconstitucionais por violação da garantia constitucional da autonomia local dos princípios da descentralização e subsidiariedade, contidos nos artigos 6º nº1, 7º...

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