Acórdão nº 0636/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelASCENS
Data da Resolução12 de Julho de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na secção de Contencioso Tributário 1 - RELATÓRIO A Representante da Fazenda Pública, vem recorrer da decisão do TAF de Loulé, exarada a fls. 290 e seguintes, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, Ldª, melhor identificada nos autos, contra a liquidação nº 2012.8310001327, relativa ao IRC de 2009.

Inconformada com o assim decidido, apresentou a Representante da Fazenda Pública as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões: «1° Ditou o Meritíssimo Juiz recorrido a procedência parcial da impugnação sub judice, em que se pede a anulação total da liquidação.

  1. Em apoio do seu veredicto invoca que a Administração Tributária não podia desconsiderar o valor € 16 403,21 de uma provisão regularmente constituída pelo impugnante.

  2. Acontece que, o fundamento da anulação vale apenas em relação a uma parte do acto tributário, pois a incorrecção em causa não afecta a existência de toda a matéria colectável.

  3. De sorte que, o acto tributário não devia ter sido anulado na totalidade mas apenas na parte correspondente à matéria colectável inquinada de ilegalidade.

  4. Na verdade, quando o vício do acto tributário apesar de consistir numa violação de lei, apenas se refere à medida do imposto, deve o tribunal proceder à anulação parcial da liquidação.

  5. Pois, o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.

  6. É esta a jurisprudência que tem predominado e que certamente mais uma vez vai ser estabelecida por V. Excs, ao decidir esta questão.

  7. Com efeito, entre outros, o STA em Ac. de 10-04-2013 assim o entendeu.

  8. Nesta conformidade, a douta decisão do tribunal a quo violou o artigo 100 da Lei Geral Tributária, que admite poder a sentença do juiz fiscal assumir um de dois conteúdos: anulação total ou parcial dos actos tributários.

    Assim, pelo exposto e pelo muito que V. Excas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a sentença recorrida na parte em que julga a anulação total da liquidação, decidindo ao invés a anulação parcial, como é de Justiça.» Não foram apresentadas contra alegações.

    O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte conteúdo que se apresenta por extracto: «A recorrente, FAZENDA PÚBLICA, vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, exarada a fls. 290/294, em 22 de Fevereiro de 2017, que, não obstante ter, apenas, julgado parcialmente procedente a impugnação judicial anulou a totalidade do ato de liquidação n.º 2012.8310001327 do IRC de 2009.

    A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 315/316, que, como é sabido, salvo questões de conhecimento oficioso e desde que dos autos constem todos os elementos necessários à sua integração, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 635.°/ e 639.°/1 do CPC.

    (…).

    E ponto assente em termos doutrinários e jurisprudenciais (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, II volume, páginas 134, 342, 343, 524 e 525, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa – Acórdão do STA-SCT, de 10 de Janeiro de 2012, proferido no recurso n.º 0565/10 e do PLENO da SCT, de 10 de Abril de 2013, proferido no recurso n.º 0298/12, disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt.) que o ato de liquidação enquanto ato divisível é suscetível de anulação parcial.

    “Porém, tal anulação parcial só poderá ser juridicamente admissível quando o fundamento da anulação valha apenas em relação a uma parte do ato, isto é, quando haja uma ilegalidade apenas parcial.

    Será o que acontece quando um ato de liquidação se baseia em determinada matéria coletável e se vem a apurar que parte dela foi calculada ilegalmente, por não dever ser considerada. Nestes casos, não há qualquer obstáculo a que o ato de liquidação seja anulado relativamente à parte que corresponde à matéria coletável cuja consideração era ilegal, mantendo-se a liquidação na parte que corresponde a matéria coletável que não é afetada por qualquer ilegalidade.

    No entanto, se o ato de liquidação tem um único fundamento jurídico, não sendo nele possível distinguir entre uma parte que está conforme à lei e outra que a viola, não se pode decretar a anulação parcial, mesmo que se entenda que, por força de outras disposições legais, uma liquidação poderia ter lugar.

    Será por exemplo, o caso de uma liquidação se ter baseado em determinada tabela de taxas de imposto e se vir a entender que a tabela legalmente aplicável seria outra.

    Nestas circunstâncias, toda a liquidação assentará em fundamentos jurídicos errados, pelo que o ato deve ser integralmente anulado, com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito (vício de violação de lei). A prática de novo ato, com base na tabela tida como legal, caberá à administração tributária e não ao tribunal, não podendo o interessado ser privado da possibilidade de discutir a legalidade do novo ato que, eventualmente, venha a ser praticado, utilizando todos os meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei lhe proporciona” (Obra citada, página 342/343).

    Ora, no caso em análise, em que estava em apreciação a relevância fiscal de provisões para créditos de cobrança duvidosa, no montante total de € 487.115,49, apenas foi julgado fiscalmente relevante a provisão relativa ao crédito sobre B…………, no montante de € 16.403,21.

    Daí que a sentença recorrida tenha julgado, apenas, parcialmente procedente a impugnação judicial, embora tenha anulado a totalidade do ato de liquidação sindicado.

    Ora, como parece certo, impunha-se que apenas fosse anulado parcialmente o ato de liquidação, na parte respeitante ao crédito de cobrança duvidosa relevado fiscalmente.

    Na verdade, o fundamento da anulação vale apenas em relação a essa parte e não à totalidade da matéria coletável, pelo que, salvo melhor juízo, se impunha a anulação parcial da liquidação, apenas, nessa parte e não na totalidade.

    Termos em que deve dar-se provimento ao recurso, revogar-se a sentença recorrida, no segmento sindicado, e anular-se parcialmente o ato de liquidação, na parte respeitante ao crédito no montante de € 16.403,21.» 2 - Fundamentação O Tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto com interesse para a decisão: «1.

    Em 10 de Janeiro de 2012, foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária relativo à acção inspectiva efectuada a A…………, LDA., que concluiu pela necessidade de correcções meramente aritméticas à matéria colectável dos exercícios de 2008 e 2009 — cfr. fls. 27-38 dos autos.

    1. No decurso da acção inspectiva A………… LDA., procedeu voluntariamente à regularização de todas as correcções propostas excepto a relativa às provisões de cobrança duvidosa não dedutíveis no período de 2009 — cfr. fls. 28 dos autos.

    2. Quanto a tais provisões, o Relatório de Inspecção Tributária tem o seguinte teor: (...) 3.1.3.2 — Provisões não dedutíveis Foi constituída provisão para créditos de cobrança duvidosa no montante de 487.115.49, sem que estejam reunidas as condições previstas nos artigos 34.º e 35.º do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos, pelos motivos a seguir expostos: - A conta 218 Clientes de Cobrança Duvidosa foi movimentada no final do exercício de 2009, com lançamentos datados de 31 de Dezembro, em que a conta de cada cliente foi debitada por um valor global sem que se conheça quais as facturas que titulam os créditos em mora, considerando que a contabilidade ao longo do exercício não registou o movimento com os clientes de uma forma individualizada mas apenas uma conta residual 21119999 Diversos; - Para além da contabilidade não evidenciar os créditos de uma forma inequívoca também não foram apresentadas provas de terem sido reclamados judicialmente ou efectuadas quaisquer diligências para o seu recebimento, tendo sido confirmado pelo sócio gerente.

      IX — Direito de audição — fundamentação No exercício do direito de audição, (...) vem o sujeito passivo (...) discordar da correcção proposta por estes Serviços de Inspecção no ponto 3.1.3.2 — Provisões Não Dedutíveis, com os seguintes fundamentos: - Considera que não foi tido em conta, quanto aos créditos incluídos na provisão constituída, que sempre foram efectuadas diligências de cobrança através de contacto pessoal, contacto telefónico, bem como através de carta, tendo em vista o recebimento dos mesmos; - Junta diversos documentos, que designa por cartas de cobrança, conforme documentos 1 a 32; - Refere, ainda, que da legislação tributária aplicável não resulta a exigência de forma escrita para que as diligências efectuadas, tendo em vista a cobrança extrajudicial dos créditos em apreço, possam ser consideradas.

      1 — Análise dos documentos enviados: 1.1 — Os documentos 1 a 11 que juntou ao direito de audição são cópias de cartas alegadamente enviadas aos clientes; 1.2 — Documentos 12 a 28 respeitam a avisos extraídos de um programa informático, que não o da contabilidade, datados de 2012/01/27, dirigidos a diversos clientes onde identifica as facturas, data, valor total e valor pendente; 1.3 — Os documentos 29, 31 e 32, designados por mapas de antiguidade de saldos, com a identificação dos clientes e valor dos créditos em mora nos diversos prazos previstos nas alíneas do n.º 2 do artigo 35.º do CIRC.

      1.4 — O documento 30 é o balancete que serviu de base ao lançamento contabilístico da criação da provisão.

      2 — Da sua análise, constatamos que os documentos numerados de 1 a 11 não respeitam à totalidade dos clientes, cujos saldos foram considerados para a constituição da previsão, são fotocópias de cartas que só por si nada justifica, não só pelo seu teor...

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